A PAU COM A ESCRITA
Carta do Canadá
Por Fernanda Leitão
Quando há dias a Itália celebrou o seu dia nacional, nas vastas instalações do seu consulado, ali à Dundas, pertinho da China Town, inevitavelmente acudiram-me algumas considerações e perguntas.
O governo italiano, em vez de alugar apartamentos, cada vez maiores e mais caros, comprou um casarão com grande terreno à volta. Para além do porte e dignidade que esta circunstância confere, já que ali o cidadão italiano sente que está a pisar o que é seu, acresce a economia que se tem feito e o confortável espaço de que se dispõe, não sendo demais sublinhar que há parqueamento gratuito para os carros do pessoal consular.
E não sendo, também, de esquecer o que representa festejar o dia nacional naquele vasto terreno, sem precisar de andar por espaços alugados e alheios. Naquele espaço se espalharam, com naturalidade e alegria, com competência e savoir faire, vários restaurantes da comunidade italiana, servindo os pratos típicos do seu país, numa inteligente e leal promoção pública da gastronomia e da restauração italiana, sem apoios escondidos e inconfessados interesses (e eu lembrei-me de como era festejado o Dia de Portugal, há muitos anos, antes de ele se transformar numa indústria em benefício de poucos, numa feira de vaidades de bastantes e numa arena politiqueira das costumeiras hostes, como ele era festejado nos enormes e belíssimos terrenos, à beira do rio Reno, da embaixada de Portugal na Alemanha, quando ali era embaixador Manuel Homem de Mello.
Um batalhão de pessoas contratadas para o efeito reforçava os serviços de cozinha da embaixada pra que, abertos os portões, centenas de portugueses que ali acorriam, pudessem matar saudades dos pitéus da Casa Lusitana, regados com um honestíssimo vinho vindo de Portugal num castiço barril que era colocado debaixo de uma árvore. Içava-se a bandeira, cantava-se o Hino, comovidamente, sentidamente. O embaixador dizia palavras simples de boas vindas e de Pátria. E depois, adultos e crianças comiam, bebiam, conviviam umas horas com o pessoal da embaixada e do consulado, sem distâncias escusadas nem ministros em campanha eleitoral prestando-se ao desconchavado jogo dos elogios em bom estilo de banha cobra vendida em feiras, muito prestimosos nisso de ouvirem intrigas partidárias e recebeream cartas venenosas daqueles que, tendo falhado na profissão e até na vida familiar, vivem roídos de inveja e querem, aproveitando o clima de corrupção institucionalizada, abocanhar lugares para os quais não têm o mínimo de preparação. Coisas pequeninas para ministros pequeninos. Era uma festa saudável de todos os portugueses, sem preconceitos nem pirosices. Verdade seja que, naquele tempo, ainda o Pimba não era moda e a carreira diplomática, exigente na admissão e severa na inspecção, era servida por senhores. Manuel Homem de Mello não andava com uma campaínha praticando a vulgaridade de se dizer aristocrata, limitava-se a ser, com modéstia e simplicidade, um fidalgo. E sobre isso, um diplomata que, dominando três ou quatro línguas, bem informado e culto, era constantemente solicitado pelos governos dos países onde representava Portugal a fazer parte de reuniões onde se discutiam assuntos de interesse político.
Encontrei na Europa e no Brasil várias missões diplomáticas portuguesas instaladas de forma condigna porque, no termo da II Guerra Mundial, quando tudo estava ao desbarato, o governo de então teve a pragmática prudência de comprar património a bom preço. Como a bom preço se podia ter comprado no Canadá há 50 anos, ou pelo menos há 40. É claro que um governo, instalado em Lisboa, não pode saber destes pormenores em países lóngínquos. Para isso de informar correctamente, também servem os responsáveis das missões diplomáticas e os deputados.
Voltando à Itália, que é uma emigração velha no Canadá, cheia de força mediática, política e comercial, ocorre-me verificar que, por junto, tem por ano uma procissão de Quinta-Feira Santa que, além de ser amplamente difundida pelos grandes meios de comunicação italianos e canadianos, atrai largos milhares de pessoas às ruas por onde passa. A comunidade italiana não precisa de paradas mal organizadas e de gosto duvidoso para mostrar que existe. E por isso se compreenderá que, no conjunto canadiano, maior visibilidade têm os açorianos que, em passo certo, afincadamente, sem preocupações de poleiro, mantêm tradições tão fortes como o Senhor Santo Cristo, o Senhor da Pedra ou o Senhor Espírito Santo, ou ainda a participação de uma banda de música na parada do Pai Nata, essa que leva ás ruas de Toronto mais de um milhão de pessoas e que confere prestígio a quem nela desfila.
Talvez o maior problema de nós outros, os portugueses, seja esse de não aprendermos nada, em parte nenhuma e com ninguém, por julgarmos, labregamente, que sabemos tudo e que somos os espertos da humanidade. É assim que abundam entre nós aqueles que, em 30 anos ou mais de estadia no estrangeiro, continuam como se ainda vivessem deslumbrados com a ideia de virem a ter apenas aquilo que o dinheiro pode comprar – o que é bem limitado, bem curto, porque o dinheiro não pode comprar cultura, saber estar e altura moral.
Perdemos nestas actividades como perdemos no primeiro jogo do Euro 2004, por inépcia e fanfarronice, pondo a nu a parolice gabarola dos tipos do cachecol que andam pelas comunidades a vender gato por lebre, em vez de tirarem o país do último lugar da escala europeia. A hora é dos medíocres. Ou Portugal acerta o relógio pela hora do futuro construído de forma inteligente ou acaba estrangulado por esta gentinha.
Sem comentários:
Enviar um comentário