domingo, março 28, 2004

FORMATAÇÃO DE UM PAÍS

Por Teresa Maria Martins de Carvalho

Não sei se os portugueses mais urbanizados, confinados ás suas grande metrópoles, distraídos pelos casos bombásticos (ou tornados bombásticos) que lhes apresentam as televisões, poderão dar atenção suficiente ao que de muito importante está acontecendo em Portugal.

Em primeiro lugar, sei muito bem que a palavra formatação é usada na linguagem informática para designar operações específicas mas a outra palavra que dispunha, “formação”, não quer dizer exactamente aquilo que eu quero referir. Formatação satisfaz-me muito mais.

Formatação, então, não a pele da existência real mas a orgânica interior. Formação é termo conectado com o verbo formar que indica, para além das cores ambientais, militares ou educativas, a inserção no tempo e no espaço de algo que se torna real, sólido, coisa, relacionamento. Se eu escrevesse “a formação de um país” vinham logo à memória D. Afonso Henriques que começou tudo, D. Afonso III que o acabou, D. Dinis que “semeou o pinhal de Leiria”, o Infante que ensinou o caminho para fora. Todos os que conduziram Portugal a ser país.

E volto a insistir, não formação mas formatação. Não a realidade da terra com vales e caminhos mas as relações dos seus habitantes. Não como começou a estar Portugal mas como se organizou interiormente, como as forças humanas nele existentes se unificaram em comunidades. Por mais importante que seja a influencia do sítio no criar da identidade nacional, é crucial a inter-reacção das pessoas que lhe determinaram o destino.

Vale a pena inquirir o que dizem os historiadores. Estou a lembrar-me de Gama Barros mas é melhor escolher o contemporâneo José Mattoso, especialista da formação e “identificação de um país”. É sua opinião que Portugal se formou a partir das fortíssimas comunidades municipais, numa entente entre o Rei, o povo e os barões. Acontece que este fenómeno foi típico das terras do Norte, onde a situação geográfica e histórica lhes forneceu mais centros de habitação, terras mais férteis, menos áridas, tradições seculares, mais cristianização. O mesmo não se dá nas terras do Sul, mais pobres, mais abertas, mais terras de fronteira, ermadas e pouco férteis, e onde os mouros se demoraram mais tempo.

Num livro recente, obra notável, Gavião, memórias de um Concelho, o padre José Heitor Patrão, minuciosa e inteligentemente, vai tecendo a petit histoire da sua e minha terra, que lá por ser petit não é menos histoire. E fala do que se sabia, que aquelas terras pertenciam à Ordem de S. João do Hospital e que D. Sancho I lhas tinha dado, como recompensa pelos serviços prestados nas fainas da Reconquista. De facto, o Castelo de Belver, fronteiro a Gavião do outro lado do Tejo, não é herança dos mouros, como tantos castelos em Portugal, mas foi construído de raiz por D. Sancho I e nele se instalou a Ordem, séculos antes de ir para Malta.

Daqui se compreende que o historiador local mostre que a vila de Gavião, embora tenha tido foral de D. Manuel, um muito apressado e atamancado foral, não gozava de forte autarcia porque o Vale do Gavião era, sobretudo, vale de passagem, abrindo-se ali onde acaba a charneca lisa e se erguem as escarpas que resguardam o grande rio, local aberto para o porto do Tejo por onde se escoavam os produtos do Alto Alentejo, trigo, azeite, cortiça, carne, lã, a caminho de centros populacionais importantes, com serventia ribeirinha, Abrantes, Santarém, Lisboa.

Entre a gente grada do Concelho se encontravam um ou outro “Cavaleiro do Hospital”, seguramente responsável dos leilões das folhas e do recebimento de rendas. A autonomia da vila – ou do aglomerado habitacional a que chamavam vila – era muito restrita. Paradoxalmente, só em 1834, com a reforma administrativa, altamente iluminada, técnica e centralista, de Mouzinho da Silveira, depois do confisco por força da lei de extinção das Ordens religiosas, e posterior venda em hasta pública, por parte da Coroa, das terras da Ordem de Malta (então priorado do Crato) e, por arrastamento das terras do Infantado, o Gavião veio a ser vila com alguma expressão autárquica, embora periclitante. Foi concelho que chegou a ser extinto no virar do século, retomando autonomia, pouco tempo depois, por pressão política de alguns dos seus habitantes.

A formatação do país que os historiadores baseiam, com orgulho patriótico, no poder local das vilas face ao poder real, afinal nem sempre foi assim. O Gavião é o exemplo de uma vila que nasce muito mais por decisão central do que pelo levantar de cabeça dos seus munícipes. Se, em Portugal, não houve feudalismo propriamente dito, pela pequena dimensão do território, pelo carácter português ter sido forjado entre o fervilhar autárquico e o poder do rei, outros poderes como as Ordens religiosas, nos aparecem como agregadores de populações.

Nos dias de hoje, o primeiro projecto governamental de regionalização, para “formatar” o país em regiões mais fortes, não passou no referendo. As autarquias queriam ter voz na matéria e outros portugueses tinham medo de um desfazer do país com dimensão suficiente para a cobiça espanhola e a inércia portuguesa. Mas o governo não ficou reduzido à inacção nem se encolheu a vontade de transformar, acomodar, domesticar este país de poetas. Com astúcia, aproveitando-se de os municípios se estarem entendendo entre vizinhos, motu próprio, altamente denominou Áreas Metropolitanas tudo o que se estabelecia de comum nos concelhos à volta de Lisboa e Porto, concelhos já desruralizados e fortemente (e horrivelmente) urbanizados, cuja vocação para “serem” também das grandes cidades mais próximas lhes facultava e favorecia melhores vias de comunicação e melhores serviços comuns.

Aos que não podiam acolher-se sob esta denominação foi-lhes dado o nome de Comunidades Urbanas ou então, se mostravam ainda sinais de algum ruralismo remanescente, Comunidades Inter-Municipais. De toda a maneira, embora pareça ter vindo de baixo, como toda a gente pedia, a partir dos municípios, a regionalização vai-se fazendo, sob a tutela do Estado, claro!

Mas vejam só o que se passa, nesta grande mexida administrativa, ante os nossos olhos espantados! Fora as Áreas Metropolitanas já definidas, quase naturalmente, assistimos às discussões dos municípios entre si e sobre si, com tanta força e empenho como ninguém estava à espera, sobretudo o governo! Eles é que sabem como se há-de processar a reorganização dos concelhos, afim de se criarem regiões tecnicamente viáveis para o desenvolvimento e a angariação de fundos comunitários ou outros.

O triângulo Torres Novas, Tomas, Abrantes que antes tinha teimado na construção de três hospitais separados, o que veio triplicar as exigências de pessoal sanitário que rareia, aprendeu a lição e agora integrado, juntamente com, a sul, o Entroncamento e Constância e, a norte, com o Sardoal e Mação, na Comunidade Urbana do Médio Tejo, não faz exigências bairristas. Discutem onde ficará a Presidência... Tomar acha-se com esse direito e o Entroncamento sente-se diminuído na sua vocação ferroviária, afogada em tanto pinhal. Continuam discutindo.

Vemos, com pasmo, levantar-se Alcobaça contra a sua inserção na Área Metropolitana de Leiria. A sua vocação é a zona do Oeste de que não se quer separar... E no meio fica a Nazaré, desorientada, sem saber decidir-se se fica sozinha. É PS. Os outros concelhos PSD. Sente-se incomodada. Que mal fizeram às autonomias esta obrigação de pertencerem a partidos... Seria mais fácil este jogo se não fosse partidário... Mais difícil entenderem-se... Mas isto é outra história.

No entretanto, como é curioso observar o que se passa. Um país habituado a estar calado durante quarenta anos de Salazarquia quando os presidentes de Câmara eram nomeados pelo Governo, e depois da euforia revolucionária, ficar calado sob o peso das forças partidárias, despertar de repente a exigir posições. Vejam só as discussões na Associação dos Municípios do Algarve. Há quem queira que todo o Algarve seja uma Ártea Metropolitana (o que ele já é, menos a Serra...) mas, como isso, nas eleições regionais daria mais peso a um partido do que a outro, as discussões não acabam. – “Isto não tem nada a ver com partidos!” Alguém grita. “Tem que ver com o poder local”. Ora oiçam! Conseguirão? Existe já a Comunidade dos Municípios do Vale do Ave. Vai nascer a do Tâmega...

A rica região do Douro, com os seus pergaminhos de Património Mundial, não quer mais “fazer casamento” com Trás-os-Montes. Quando o Primeiro-Ministro, de visita à região, alvitrou publicamente que seria mais conveniente e sensato que estas duas regiões se unissem, visto que têm interesses comuns, foi um alvoroço, com o Presidente da Câmara de Vila Real a exclamar, zangadíssimo: - “Ele que não se meta, a vir para aqui a dar sugestões! Não tem nada a ver com isto!” e acrescentou: “capital em Bragança? Nunca!” Ora toma!

É divertido e até comovente assistir a estas discussões, assim, à primeira vista, disparatadas e inúteis. Os espíritos tecnocráticos estarão perturbados, assistindo à cena, morosa e inútil, do país disputando-se aos bocadinhos. Mas é isso, a política!

A grande filósofa Hannah Arendt que tanto se debruçou sobre o fenómenos político e que eu gosto tanto de citar, não deixa de insistir no “animal político” tal como Aristóteles definiu o ser racional humano, defendendo que se sobrepõe, em importância, ao homo faber. O falar, o discutir, o entendimento (ou provavelmente o desentendimento...) dos homens entre si, sobre assuntos que a todos interessam no desenrolar das suas vidas quotidianas, que querem viver em comum, é, segundo Arendt, a mais dignificante das acções humanas. Mesmo que não se venha a ganhar ou ver a nossa opinião prevalecer, já foi “fazer política” a discussão, a dissenção, a troca de ideias, a participação na liberdade, não sendo imprescindível o consenso...

Daqui a necessidade da ágora, do forum, da praça pública, das portas da cidade, onde os nossos antepassados disputavam ideias e sentiam-se intervenientes nos negócios públicos, sem terem de recorrer a pindéricas e tristes manifestações diante do Palácio de S. Bento.

Em Portugal, esse espaço próprio e útil, nascia nas comunidades municipais, antigas e menos antigas, com a sua autarcia resolvida e que definia o lugar representativo dos seus habitantes quando se apresentavam, como tal, nas Cortes, diante de todas as outras forças do país.

Aquilo que se passa hoje, em Portugal, é um ressurgir efectivo (ou talvez uma sombra, velhas memórias...) de um tomar em mãos o que a essas mãos pertence.

Pode ser que tudo acabe em soluções económicas e técnicas, muito rígidas à moda de Bruxelas, calando-se a gente de novo. Até porque o tempo é escasso para tanta discussão, tanta demora na execução deste novo ajustar do espaço. Vêm aí as eleições!

É preciso dar atenção ao que está a acontecer.

quarta-feira, março 17, 2004

O REGRESSO DO REI

Por Teresa Maria Martins de Carvalho

Com este último filme, completou-se a trilogia épica do «Senhor dos Anéis». Sabemos que, depois de exibida, continuará a acontecer em DVD, para encanto e distracção de famílias saudosas, mas, apesar disso, nasce e permanece secreta melancolia, inerente aos finais das grandes proezas, não se decidindo donde decorre, se do facto, simples e infantil, de não haver mais história para contar que subjugue e entretenha, se do acordar súbito para outra realidade muito menos entusiasmante.

Os mitos não são de leitura fácil e imediata e enquanto o encadeamento febril dos acontecimentos e a beleza extrema dos cenários perduram na memória, vai começando a dissipar-se o enleio estético e a impor-se à consciência o exercício quase mecânico de encontrar situações reais ou sonhos acalentados que se possam encaixar nesta never ending story.

Há quem veja na aventura do corajoso e fiel Frodo uma alusão directa à missão de Jesus Cristo que, arrastando-se na sua Paixão, consegue, com a colaboração de alguns dos seus habitantes, trazer finalmente a paz à Terra Média. Frodo até acaba por escapar à condição humana da morte, embarcando com Gandalf no navio que conduz à eternidade. Já não pertencia a este mundo.

Tal interpretação até condiz com o conhecido e intenso catolicismo de Tolkien, mas como não sabemos que ideia conduziu realmente a sua imaginação, pois não nos deixou chaves nenhumas, o mito que ele criou também nos pertence e é nossa liberdade de o querermos ler ao nosso jeito.

A salvação da Terra Média joga-se – e isso é evidente – na destruição do poder absoluto, totalitário que a ameaça. Realiza-se através da generosidade, da fidelidade, da coragem, do esforço e do espírito de sacrifício do pequeno povo, personificado pelo hobbit Frodo e seus amigos. Nessa caminhada, cega e teimosa, desenha-se a mesma procura, a mesma busca de algo, seja do Graal ou do Preste João, que contrarie a imobilidade sem esperança e aponte para caminhos misteriosos de sonho e ultrapassagem do viver humano.

Nesta belíssima metáfora, minuciosa e divertida, que é a Terra Média, onde convivem, com naturalidade, hobbits, elfos, anões e o mágico Gandalf, aceitando-se mutuamente nas suas diferenças, só o aparecimento do homem – de princípio encapuçado, escondido, friorento – irá desencadear a vocação da irmandade para a difícil tarefa de, através da eliminação do terceiro anel, ou seja do poder do mal então imperante, alcançar a conquista da pacificação.

Esse poder monstruoso, de alianças tenebrosas, parecia indestrutível se não fosse, ao lado de Frodo, dar-se a transformação do homem, adquirindo ele a sua expressão real, a herança que recebe do seu nome, Aragorn. É uma herança de sangue, essa, que irá, através dele, reunir, numa identificação de destino, os povos da Terra Média, ameaçados pelo medo e pela dispersão.

Nesta saga, não é o rei que se impõe ao povo mas é a gente da Terra Média que o impõe a ele próprio. Não é uma tomada de preeminência, orgulhosa e auto-satisfeita, mas o reconhecimento do dever que nasce da situação e a que ele não pode renunciar, porque lhe é indicado, conferido para a salvação de todos. Recupera para as suas mãos o seu destino mas que é um destino comum e é porque é comum que esse destino é o seu.

Mas a colaboração do povo pequeno é imprescindível, tanto que, no final do filme, são os hobbits que recebem a grande ovação de gratidão e louvor, por indicação do próprio rei.

Não sei se o escritor (e no caso o realizador do filme) estaria de acordo com esta extravagante explicação mas a mim muito me calha aqui, para iniciar uma meditação sobre a fragilidade da monarquia, tema que há muito me rói o pensamento.

Exactamente porque é investida pelo povo, a monarquia é frágil. Com isto não quero significar que esteja em desacordo com as inteligentes deduções que sempre conduzem à fatal escolha da monarquia como a chefia de Estado mais lógica, tanto nos aspectos económicos e estéticos, como na aceitação de uma dinastia que traz consigo a herança e a garantia da história, tese racionalmente indestrutível.

Nos seus estudos e descobertas, o controverso e fascinante antropólogo René Girard, quando depara com o gesto primitivo que executa a vítima escolhida para pacificar a multidão que se destrói a si mesma no desenrolar da violência mútua, vê que essa escolha nunca é arbitrária, como se julga acontecer na tragédia do linchamento, forma moderna dessa execução. A escolha obedece a supostos sinais incriminatórios, visíveis na diferença, física ou moral, da vítima a abater, investida por isso e para isso pela multidão infeliz e enraivecida que assim encontrou quem era culpado da desgraça.

Assim é na morte do Rei, quando é violenta e ofensiva. Pouco tem a ver com disputas de poder, embora possa encobrir conspirações e manipulações oportunas. Assenta na inversão súbita de valores que aponta, como vítima perfeita, aquele que mais se diferencia na multidão anónima.

O regicídio faz saltar as garantias dadas, de parte a parte, pelo investimento sentimental e fiel do povo no Rei, ferindo, do mesmo modo, a instituição real, como muito bem sabem os seus adversários e inimigos. Provoca, ao mesmo tempo, um vazio emocional, um choque desestabilizador, mostrando o Rei assassinado na sua fragilidade de ser humano. Foi exorcismo inútil, portanto. E uma ofensa profunda à fidelidade popular que se vê enganada a si própria, num equívoco aterrador.

Ninguém diz da mesma maneira “Mataram o Presidente!” ou “Mataram o Rei!” O presidente da República é negociável. O Rei morre com o povo que nele morre, no mesmo segundo.

Mas a instituição real não acaba. É mesmo da sua essência não acabar. A Dinastia é a árvore do Reino. Abate-se a árvore mas ficam as raízes. Há sempre um herdeiro que renova a esperança e poderá regressar. E isto é perfeitamente legível neste último filme da trilogia do «Senhor dos Anéis» que se intitula exemplarmente «O Regresso do Rei». É tão entusiasmante! Lá vem ele, a impor-se à desordem maléfica e a tornar alcançáveis a esperança e a salvação. Como diz o Salmo: “Ó herói, coloca a tua espada à cintura; ela é o teu adorno e a tua glória. Avança e cavalga triunfante, em defesa da verdade, da misericórdia e da justiça; a tua direita realizará prodígios (Salmo 45, 4-5).

Quando os israelitas pediram ao profeta Samuel: “Dá-nos um rei”, o profeta ungiu, como escolhido do Senhor, primeiro a Saul e depois a David. O sistema teocrático não ficou assim diminuído porque ao Rei foi dada a unção que o tornava sagrado, vigário de Deus, intermediário e depositário do poder divino, intrometendo-se como vigia do Senhor, como seu representante inviolável. Assim, Deus governa Israel por interposta pessoa, o seu ungido. Aqui é conferido ao Rei o poder religioso, acrescentando-se ao seu poder intrínseco a aura religiosa que o legitima mais profundamente e que tornará sacrilégio o atentado à sua vida. Quando David teve à sua mercê Saul adormecido e era incitado a matá-lo, respondeu indignado: “Quem poderia, sem pecado, estender a mão contra o ungido do Senhor” (1 Sm 26, 9). Na Idade Média, esta sagração continuou a usar-se em quase todos os países da Cristandade. E os Reis, depois da unção, adquiriam o poder de curar e à volta destes reis taumaturgos se apinhava a multidão dos afligidos para serem tocados e sanados.

Não é visível, na monarquia portuguesa, a unção real, embora existam testemunhos escritos de que essa unção se dava em restritos círculos clericais. A eleição do Rei era normalmente feita por aclamação em Cortes. A nossa monarquia era profundamente cristã. Sem apoio religioso, a monarquia portuguesa dependia do coração do povo.

Já não se usa matar o Rei. Carlos I de Inglaterra, Luís XVI de França, El-Rei D. Carlos, o Arquiduque Fernando, herdeiro do trono austríaco, o czar Nicolau II da Rússia serão heróis escusados, mártires para nada? Nem com o tempo saram as feridas da consciência, ensombrando a memória.

Para que se saiba, depois de readquirida a sua liberdade, a Igreja Ortodoxa Russa, canonizou como mártires o último czar e os seus familiares com ele barbaramente fuzilados.

A Academia de Hollywood distinguiu o filme de Jackson com todos os Óscares (11 !) nas categorias para que tinha sido nomeado. Um recorde. Os dois filmes anteriores a este, a saber «A Irmandade do Anel» e «As duas Torres» não levaram nada nos concursos em que apareceram. Só este, «O Regresso do Rei», foi assim tão profusamente premiado.

Mas, os nossos miríficos fazedores de opinião, que dominam os meios de comunicação social, insistem em dizer que foi «O Senhor dos Anéis» que recebeu tanto prémio. Não foi. Foi «O Regresso do Rei». Dir-se-ia que certo resquício jacobino flutua no ambiente e impede que alguém pronuncie ou sequer sussurre: «O Regresso do Rei». Parece que lhes queima a boca.