quarta-feira, julho 20, 2005

Monarquia: falando de Coisas Sérias

por João Mattos e Silva

Alguma imprensa – com particular atenção de um semanário – sempre atento a tudo quanto seja polémico neste assunto – tem dado inusitada relevância aos que apelidam de monárquicos, confundindo-os com o PPM agora com visibilidade mediática graças ao seu actual Presidente e, creio que, sobretudo ao seu Vice-Presidente saído da popularucha "Quinta das Celebridades" para a política pêpemista. Ora nem o PPM representa os monárquicos – a esmagadora maioria ou milita ou vota noutros partidos – nem o actual PPM representa mais do que a cúpula que o tomou e uns tantos incautos que votaram nela.

O PPM nasceu de um grupo de monárquicos que se opunham ou discordavam do Estado Novo e que com o 25 de Abril quiseram marcar a diferença daqueles que na Causa Monárquica – onde já tinham ocorrido dissidências antes de 1974 – apoiavam o regime autoritário de Salazar, o supremo manipulador, que foi sempre alimentando a ideia de uma restauração a troco do apoio de monárquicos formados numa doutrina mal assimilada que os fez preferir a ordem a qualquer preço, sobre a liberdade dos que proclamavam que "o nosso Rei é livre e nós somos livres". Cumpriu a sua missão. Devia ter morrido aí.

A partir de então passou a ser um grupúsculo com ideias políticas de sinal contrário e ultimamente serviu para fazer, aqui e acolá, coligações com os grandes partidos, na convicção de que ascenderia ao poder, autárquico ou nacional. O PPM se já não era nada, hoje ainda o é menos, com tiradas do seu Presidente que se considera mais herdeiro dos Reis de Portugal do que o Senhor Dom Duarte de Bragança, por descender de uma Infanta casada com um Duque de Loulé e ou do seu Vice-Presidente que tendo tido a brilhante ideia de candidatar à Câmara de Cascais uma das celebridades de tal quinta, teve esta saída brilhante "Neste país pode-se ser homossexual, mas uma mulher solteira não pode ser candidata só porque teve vários homens"!

A defesa da monarquia é uma coisa muito diferente desta exposição mediática por más razões, muito diferente da defesa inglória e ridícula de uma pretensão à representação dos Reis de Portugal que a quase totalidade dos monárquicos vê com uma gargalhada, senão com comiseração pelos protagonistas atirados para a frente de guerras pessoais. É a defesa de um regime em que a Chefia do Estado e da Nação coincidem, em que o seu detentor não está dependente e prisioneiro dos votos dos partidos, em que a sua independência é garantia da estabilidade política, em que a representação exterior do País ganha outra visibilidade e outra credibilidade.

Para essa luta contribuíram e contribuem muitos portugueses de relevo, com formação ideológica e política, com convicções, no anonimato muitas vezes, sem parangonas nos jornais das intrigas políticas e da vida social, que só lhes interessa o apoucamento de luta pela Monarquia ou o seu lado "folclórico", das celebridades e dos aristocratas do "socialite".

A defesa da Monarquia é uma coisa séria. Não uma brincadeira de quem, sem saber como, se apanhou na ribalta política e dela fez trampolim para as suas "causas" pessoais.


Fonte: Diário Digital, 20 de Julho de 2005.

terça-feira, julho 19, 2005

O país que não merece ser desenvolvido

por João César das Neves

Portugal fez tudo errado, mas correu tudo bem. Esta é a conclusão de um relatório internacional recente sobre o desenvolvimento português. Havia até agora no mundo países desenvolvidos, subdesenvolvidos e em vias de desenvolvimento. Mas acabou de ser criada uma nova categoria: os países que não deveriam ser desenvolvidos. Trata-se de regiões que fizeram tudo o que podiam para estragar o seu processo de desenvolvimento e... falharam.

Hoje são países industrializados e modernos, mas por engano. Segundo a fundação europeia que criou esta nova classificação, no estudo a que o DN teve acesso, este grupo de países especiais é muito pequeno. Alias, tem mesmo um só elemento: Portugal.

A Fundação Richard Zwentzerg (FRZ), iniciou há uns meses um grande trabalho sobre a estratégia económica de longo prazo. Tomando a evolução global da segunda metade do século XX, os cientistas da FRZ procuraram isolar as razões que motivavam os grandes falhanços no progresso. O estudo, naturalmente, pensava centrar-se nos países em decadência. Mas, para grande surpresa dos investigadores, os mais altos índices de aselhice económica foram detectados em Portugal, um dos países que tinham também uma das mais elevadas dinâmicas de progresso.

Desconcertados, acabam de publicar, à margem da cimeira de Lisboa, os seus resultados num pequeno relatório bem eloquente, intitulado: "O País Que Não Devia Ser Desenvolvido - O Sucesso Inesperado dos Incríveis Erros Económicos Portugueses".

Num primeiro capítulo, o relatório documenta o notável comportamento da economia portuguesa no último meio século. De 1950 a 2000, o nosso produto aumentou quase nove vezes, com uma taxa de crescimento anual sustentada de 4,5 por cento durante os longos 50 anos. Esse crescimento aproximou-nos decisivamente do nível dos países ricos. Em 1950, o produto de Portugal tinha uma posição a cerca de 35 por cento do valor médio das regiões desenvolvidas. Hoje ultrapassa o dobro desse nível, estando acima dos 70 por cento, apesar do forte crescimento que essas economias também registaram no período. Na generalidade dos outros indicadores de bem-estar, a evolução portuguesa foi também notável.

Temos mais médicos por habitante que muitos países ricos. A mortalidade infantil caiu de quase 90 por mil, em 1960, para menos de sete por mil agora. A taxa de analfabetismo reduziu-se de 40 por cento em 1950 para dez por cento.

Actualmente a esperança de vida ao nascer dos portugueses aumentou 18 anos no mesmo período. O relatório refere que esta evolução é uma das mais impressionantes, sustentadas e sólidas do século XX. Ela só foi ultrapassada por um punhado de países que, para mais, estão agora alguns deles em graves dificuldades no Extremo Oriente. Portugal, pelo contrário, é membro activo e empenhado da União Europeia, com grande estabilidade democrática e solidez institucional. Segundo a FRZ, o nosso país tem um dos processos de desenvolvimento mais bem sucedidos no mundo actual. Mas, quando se olha paraa estratégia económica portuguesa, tudo parece ser ao contrário do que deveria ser. Segundo a Fundação, Portugal, com as políticas e orientações que seguiu nas últimas décadas, deveria agora estar na miséria. O nosso país não pode ser desenvolvido. Quais são os factores que, segundo os especialistas, criam um desenvolvimento equilibrado e saudável? Um dos mais importantes é, sem dúvida, a educação.

Ora Portugal tem, segundo o relatório, um sistema educativo horrível e que tem piorado com o tempo. O nível de formação dos portugueses é ridículo quando comparado com qualquer outro país sério. As crianças portuguesas revelam níveis de conhecimentos semelhante às de países miseráveis. Há falta gritante de quadros qualificados. É evidente que, com educação como esta, Portugal não pode ter tido o desenvolvimento que teve. Um outro elemento muito referido nas análises é a liberdade económica e a estabilidade institucional. Portugal tem, tradicionalmente, um dos sectores públicos mais paternalista, interventor e instável do mundo, segundo a FRZ. Desde o "condicionamento industrial" salazarista às negociações com grupos económicos actuais, as empresas portuguesas vivem num clima de intensa discricionariedade, manipulação, burocracia e clientelismo. O sistema fiscal português é injusto, paralisante e está em crescimento explosivo. A regulamentação económica é arbitrária, omnipresente e bloqueante.

É óbvio que, com autoridades económicas deste calibre, diz o relatório, o crescimento português tinha de estar irremediavelmente condenado desde o
início. O estudo da Fundação continua o rol de aselhices, deficiências e incapacidades da nossa economia. Da falta de sentido de mercado dos empresários e gestores à reduzida integração externa das empresas; da paralisia do sistema judicial à inoperância financeira; do sistema arcaico de distribuição à ausência de investigação em tecnologias. Em todos estes casos, e em muitos outros, a conclusão óbvia é sempre a mesma: Portugal não pode ser um país em forte desenvolvimento.

Os cientistas da Fundação não escondem a sua perplexidade. Citando as próprias palavras do texto: "Como conseguiu Portugal, no meio de tanta asneira, tolice e desperdício, um tal nível de desenvolvimento? A resposta, simples, é que ninguém sabe.

Há anos que os intelectuais portugueses têm dito que o País está a ir por mau caminho. E estão carregados de razão. Só que, todos os anos, o País cresce mais um bocadinho. "A única explicação adiantada pelo texto, mas que não é satisfatória, é a incrível capacidade de improvisação, engenho e "desenrascanço" do povo português. "No meio de condições que, para qualquer outra sociedade, criariam o desastre, os portugueses conseguem desembrulhar-se de forma incrível e inexplicável." O texto termina dizendo: "O que este povo não faria se tivesse uma estratégia certa?".

sábado, julho 16, 2005

«Acredito na ideia do Quinto Império»

Dom Duarte de Bragança, herdeiro do trono de Portugal, afirmou em entrevista a um semanário:

"Desde criança que acredito na ideia do Quinto Império. Uma época em que os governantes actuariam sempre com base na Justiça e nos princípios do Espírito Santo."

Eis alguns excertos da entrevista:

...

- Sente-se rei de Portugal?

Não. Mas, em certa medida, sinto-me rei dos portugueses.

- Em que sentido?

Tenho um dever para com o país. Se os portugueses me quiserem, aceito as minhas responsabilidades políticas. Se não quiserem, ou não puderem exprimir-se, assumo da mesma forma os meus deveres morais, culturais e sociais.

...

- Porque razão um rei nunca demitiria um primeiro-ministro?

Porque o rei respeita o Parlamento e considera que os deputados estão ali em representação do povo.

...

- Quem gostaria de ver em Belém?

Não posso dizer. Mas preferia um militar. têm um sentido da dignidade do Estado e de independência em relação às forças políticas que os aproxima mais da tradição monárquica.

- Duas das premissas da democracia são a igualdade de direitos e de oportunidades entre todos. A monarquia não é o oposto de tudo isto?

Em teoria, a república é mais perfeita como regime democrático. Mas o que interessa no funcionamento dos Estados é a prática. E os reis, muitas vezes, defendem melhor as liberdades democráticas do que os presidentes. Por outro lado, a sucessão não é automática. O rei tem de ser aprovado pelo parlamento. Os perigos aparentes da monarquia estão previstos e controlados pela lei.

- Não pode chegar ao trono alguém manifestamente incapaz?

E o presidente da república pode ser um louco e estar ligado a narcotraficantes. Pode ser completamente incapaz e ser eleito. Basta que tenha dinheiro e uma boa equipa de publicitários brasileiros. Não há testes psicotécnicos para os candidatos a presidente.

Quais são neste momento os principais problemas que Portugal enfrenta?

- O primeiro é a falta de raciocínio lógico. No sistema de educativo não se treina a lógica, e isso leva a que não se compreenda a importância do civismo. A falta de lógica faz também com que os governantes ainda não tenham definido um modelo de desenvolvimento para o país. Vai variando por modas e por interesses de grupos. (...)

...

- Na semana passada, em Londres, assistimos a mais um atentado terrorista. Esta espiral de violência pode ser vista como uma guerra entre o Ocidente e o Islão?

É, de facto, uma guerra. Faz-me alguma impressão ver certos políticos, com ar de virgens ofendidas, queixar-se da cobardia dos bombistas que se suicidam. Podem ser muitas coisas mas cobardes não são. Só se matam porque acreditam que estão a lutar por uma causa justa. É complicado dizer isto mas nós, portugueses, também estivemos envolvidos numa guerra terrorista durante dez anos. Uma guerra que ganhámos militarmente mas que perdemos no aspecto político.

...

"D. Duarte. «Bombistas suicidas não são cobardes»; «Sinto-me rei dos portugueses»" , entrevista de José Eduardo Fialho Gouveia e fotografia de João Cortesão Gomes in O Independente, 15 de Julho de 2005, p. 1; 24-25.

Ver reprodução integral das palavras de Dom Duarte, Duque de Bragança, em
http://www.lusitana.org/causa_dd_2005_entrev_indepen.htm

quinta-feira, julho 14, 2005

Henrique Barrilaro Ruas (Figueira da Foz, 2 de Março de 1921- Parede, 14 de Julho de 2003)

... a Lei deixou de ser expressão do Bem Comum para tornar-se imposição do grupo mais forte.

Dois anos após a morte de Henrique Barrilaro Ruas (Figueira da Foz, 2 de Março de 1921- Parede, 14 de Julho de 2003), actualizamos o nosso espaço com o texto de uma palestra com especial significado e importância para a compreensão do pensamento deste nosso querido Mestre de Esperança: D. MIGUEL I E O PROBLEMA DA CONSTITUIÇÃO HISTÓRICA: http://www.lusitana.org/il_br_1971_dom_miguel.htm .

Quereis desfazer um erro? Nada mais que um erro? Lançai-vos numa aventura republicana. Quereis desfazer outro erro? Experimentai de novo uma aventura republicana. Se quiserdes combater ao mesmo tempo os dois erros, já tereis, provavelmente, de encomendar o feito a uma república de mentalidade monárquica.
Mas, se quereis construir; se é de edificar que se trata; se estais decididos a servir uma verdade que só se pode alcançar depois de vencidos os obstáculos do erro - então, aclamai o Rei!

Henrique Barrilaro Ruas in "D. Miguel I e o problema da Constituição Histórica", A Liberdade e o Rei, Lisboa, 1971, p. 165

quarta-feira, julho 13, 2005

TACANHÊS E PARTIDARITE ESTRANGULAM LÍNGUA PORTUGUESA

CARTA DO CANADÁ

por Fernanda Leitão

Estamos todos bem lembrados das arrebatadas declarações de amor à língua portuguesa desde o PR até ao mais insignificante secretário de estado, dos ministros ao mais obscuro diplomata. Quem os acreditasse pensaria que o ensino do português no estrangeiro é uma conquista que deveríamos à competência, à inteligência, ao espírito de bem comum dos oradores partidários. Nada mais longe da realidade Poderia até ser ridículo, se não representasse um embuste e um atentado aos valores da Pátria.
A triste verdade é que, do mesmo modo que Portugal nunca teve uma política de Emigração e de Imigração, também nunca teve política definida em relação ao ensino da língua e da história portuguesa nas comunidades emigrantes. Os 30 anos que passaram saldam-se por um somatório de contradições e confusões, de incompetências e oportunismos, onde têm medrado os aventureiros que se sentam nas cadeiras do poder e os que vivem parasitariamente à sombra destes. Um belíssimo caldo de cultura para os que vivem de e para a partidarite, boçalmente indiferentes aos danos causados ao país e aos dramas humanos e profissionais que geram.
Aos olhos do cidadão comum parece lógico que tudo quanto respeita ao ensino, designadamente ao ensino da língua portuguesa, deve ser programado, tutelado e mantido pelo Ministério da Educação. Mas, segundo a visão tacanha dos sucessivos governos, quem fornece coordenadores e professores de língua portuguesa é o Ministério da Educação, mas quem no terreno controla (e não poucas vezes sabota) os coordenadores, fora do país, é o Ministério dos Negócios Estrangeiros – esse que nem representações diplomáticas tem conseguido fazer funcionar satisfatoriamente, e quem sofre o mau serviço dos consulados bem o sabe, quanto mais saber seja o que for na área do ensino por parte de diplomatas de torna viagem que, em muitos casos, nem nas suas funções dão prova de competência. Foi com esta enxada malfazeja que os sucessivos governos levaram o ensino da língua portuguesa no estrangeiro a um pântano onde só as ratazanas engordam.
A situação, contudo, tende a piorar, a ficar sem saída possível.
Como, depois dum regabofe impune de 30 anos, a hora é de apertar o cinto, o estado (a que chegámos) tenciona em breve poupar dinheiro passando as coordenações para os consulados, ficando os coordenadores equiparados a técnicos consulares, a funcionários consulares, dando como pretexto os coordenadores ficarem mais perto das comunidades. Pretexto esfarrapado de quem tem a consciência de mal agir porquanto parece óbvio que se pretende tornar airosa a onda de saneamentos que aí vem, de modo a poderem ser colocados os amigos, os parentes e os aderentes do partido governamental. Para um governo que afirmou querer dignificar a língua portuguesa, aqui está uma medida bem pouco dignificante, pois bem se sabe que caos e que corrupção foram as escolas portuguesas, quando o assunto estava entregue a funcionários consulares (na maior parte admitidos por cunha e compadrio): uma auditoria severa demonstraria como foram indevidamente oficializadas algumas escolas, como foram reformadas por inteiro pessoas que faziam trabalho de secretaria e não pedagógico, como colecções inteiras de livros enviadas pelo governo português foram parar a casas particulares ou desavergonhadamente vendidas por bom preço, como subsídios dados a escolas noutro tempo foram aliviar os depauperados cofres de certos clubes, etc., etc. Ninguém acredita, ainda hoje, que esses “serviços” tenham sido prestados gratuitamente. Os coordenadores puseram ordem nesta desordem, e só por isso merecem bem o que ganham. Até agora têm prestado contas ao Ministério da Educação e ao embaixador da área a que pertencem. Daqui em diante a quem vão prestar contas: ao Ministério da Educação, ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, aos embaixadores e aos cônsules que não tem formação pedagógica e não percebem nada do assunto, aos membros do Conselho das Comunidades (em que tantos há que mal sabem escrever uma carta para a família), aos directores das Regiões Autónomas que frequentemente, de forma abusiva e descarada, invadem terreno que é pelouro da República com o fito único de se exibirem em períodos pré-eleitorais ou para promoverem amigos ambiciosos, ou a todos ao mesmo tempo? Quem sai a perder desta futura salganhada? A língua portuguesa, as comunidades emigrantes e o país. Nem duvidem. O espantoso, o escandaloso, é que estas medidas sejam tomadas por governantes que, das comunidades portuguesas, apenas conhecem as viagens gratuitas que fazem à roda do mundo, com muita lagosta e condecorações a granel pelo meio, e as mordomias de que gozam nesses cargos. Nada mais sabem das comunidades. Se soubessem, certamente responderiam às cartas e relatórios enviados pelos coordenadores, pois não será por falta de boas maneiras que assim procedem. Nem ao menos têm a decência de ver o que se passa com o ensino de outras línguas europeias: têm técnicos apetrechados nos consulados, mas não dispensam, nas embaixadas, o responsável máximo representando o ministério da educação.
Curiosamente, ou talvez não, quem anda a congeminar estas mudanças iníquas não fala nos conselheiros culturais das embaixadas, em geral uns verbos de encher que não têm habilitações para o lugar que exercem, num tempo em que já há formação universitária na área da Cultura e da dinamização cultural. Nem fala dos conselheiros sociais que, por inerência de funções deveriam estar sempre próximos das comunidades, mas que diplomatas de vistas curtas desviam para tarefas burocráticas em lugar de se fazer o levantamento sério das necessidades e situações junto dos portugueses.
Que confusão vem a ser esta, sob a forma de “reformas do ensino”? Porque quer o ministério dos Negócios Estrangeiros controlar tudo, dominar tudo? Porque não fazem o que outros paises fazem: os diplomatas políticos dependem do embaixador, os diplomatas com pastas específicas devem articular o trabalho com o embaixador, mas respeitando a política do governo português. O conselheiro cultural deveria ser tutelado pelo ministério da Cultura, o conselheiro do ensino seria tutelado pelo ministério da Educação, o conselheiro social pelo ministério dos Assuntos Sociais, e assim por diante. Não se percebe como se colocam estas matérias nas mãos de embaixadores e cônsules, quantas vezes contrariando as políticas do governo. O resultado é confrangedor: é o governo a puxar para um lado e os “reizinhos” em terra alheia a criarem as suas estratégias de actuação em benefício da sua própria carreira. É comum os coordenadores reunirem com cônsules que nem lhes perguntam qual é a política do ministério da Educação para o ensino da língua portuguesa, embora se desdobrem em opiniões e sentenças sobre o assunto. Há cônsules, por vezes bem grosseiros, que apenas querem proteger escolas comunitárias de amigos e conterrâneos, outros que ficam surpreendidos por estar o ministério da Educação representado no local, outros querem fazer tudo e mais alguma coisa sem perceberem patavina do terreno onde se metem. Quem dá a estes diplomatas o direito de ditarem sentenças sobre o ensino de português, quando isso não faz parte dos conhecimentos deles?
Chegámos a ponto de todo o bicho careta tratar da língua portuguesa, num disparate pegado que não leva o ensino a lado nenhum. Há quem acredite que todas as mudanças a vir visam colocar o ensino do português sob a alçada dos conselheiros culturais, exímios artistas oriundos do Instituto Camões que muito têm contribuído para a desgraça em que se encontra esse organismo, pelas ruas da amargura e sem trabalho feito no terreno. Representantes do Instituto Camões deveriam ser pessoas com experiência de ensino universitário, com provas dadas no âmbito da investigação, do conhecimento das universidades e do que elas devem fazer em prol do mundo lusófono. Pode aceitar-se, nos dias de hoje e com milhões de portugueses radicados no estrangeiro, que esses representantes sejm licendiados em Direito ou História?
Acresce que, segundo consta nos bastidores, medra a ideia de os coordenadores não serem recrutados por concurso e sim por nomeação. E isso diz bem do desprezo que tem quem manda pelo profissionalismo e competência. Não há que saber: o governo prepara um saneamento geral para colocar os seus companheiros políticos, os amigalhaços, a parentela.
Tivessem eles amor verdadeiro à Pátria que não tratavam tão mal a sua língua e cultura.

sábado, julho 09, 2005

Ver, ouvir e sentir em português

por Jorge Heitor

O jornalista vê, ouve e sente tudo o que o rodeia, não lhe devendo ser indiferente a sua nacionalidade nem o meio em que está inserido. A um jornalista português o que mais deve interessar é a pátria portuguesa, a Península Ibérica, o Brasil, os países africanos que ainda há 32 anos eram administrados a partir de Lisboa, Timor-Leste e a Região Especial de Macau. E de modo algum a Turquia, o Uzbequistão, o Laos ou o Vietname. São estas as nossas prioridades. Ver e ouvir o que se passa na Cova da Beira, nos Açores, na Catalunha, em Cabo Verde. E só depois disso ter tempo para as vastidões da Sibéria ou para as arbitrariedades que se cometem na Birmânia. A um jornalista de Portugal pede-se em primeiro lugar que conheça Castela, Borgonha, Sabóia e outros locais relacionados com a gesta do seu povo, antes de começar a especializar-se na Tchetchénia, no Tadjiquistão ou na Mongólia. Ou seja, partir com os pés bem assentes na terra, para não tropeçar. Quem o não fizer, não está em verdadeira sintonia com os herdeiros da Ala dos Namorados e da dinastia de Aviz, que nos levou a Arzila, à foz do Zaire e a Moçambique. E não pode compreender devidamente o imenso mundo lusófono, desde a Amazónia ao pico do Ramelau, no território timorense.
Não é muito admissível que se vá passar férias à Tailândia antes de se conhecer toda a imensidão do Alqueva ou as vinhas do Pico. Ou que se ande à cata de novos escritores norte-americanos antes de se ler muito bem a Mensagem ou o Só.

8 de Julho de 2005

quarta-feira, julho 06, 2005

Hipocrisia e alguma ignorância

por Manuel Carvalho da Silva

Uma das expressões significativas dos défices mais profundos da sociedade portuguesa situa- -se na crónica fraca valorização do trabalho e na pouca dignidade com que se tratam os trabalhadores e, por consequência, as suas organizações e os seus representantes.

Não foi por acaso que o País sofreu nas últimas décadas, quase pacificamente, uma profunda destruição do aparelho produtivo, uma perda de qualificações identificada no desaparecimento de trabalhadores com profissões que foram apelidadas de velhas e hoje fazem imensa falta. Não é por acaso que não se avança, de forma sólida, na efectivação da formação profissional e continuamos com dificuldades de inovar e reestruturar as empresas e, em geral, a economia do País.

Hoje, na Europa, há sobreocupação de trabalho nas siderurgias e no sector de reparação e construção naval, ao mesmo tempo que se reclama uma profunda revolução nos meios de transporte, reforçando o papel dos caminhos-de-ferro e do transporte marítimo.

Entretanto, em Portugal, assistimos ao fecho da única siderurgia que tínhamos, ao encerramento da Lisnave, ao desaparecimento da metalomecânica pesada. E outros sectores fragilizaram-se profundamente, como as pescas, a agricultura, a cerâmica ou o sector alimentar. Em simultâneo, desbarataram-se, ou foram desviados para fortunas pessoais, milhões e milhões oriundos dos fundos comunitários e do Orçamento do Estado.

Tudo isso foi feito em nome da modernidade, caluniando trabalhadores e sindicalistas que lutaram contra essas desastrosas opções e que denunciaram as razões e as negociatas que suportavam muitos desses processos.

Sejamos claros, podem apresentar-se muitos projectos inovadores e sugestões de novas profissões mas, mantendo-se esta cultura, serão raros, embora honrosos, os casos que vingam.

Os que agora lançam calúnias sobre os sindicalistas e os trabalhadores "privilegiados" (slogan hoje mais aplicado aos trabalhadores da administração pública, mas que também pretendem aplicar aos do sector privado) são os mesmos que foram e são incapazes, por ignorância ou opção de classe, de fazerem uma análise séria dos problemas e baterem-se de forma empenhada pelo cumprimento da legalidade, da justiça social, da efectiva solidariedade e do desenvolvimento do País.

Se o fizessem, também saberiam defender uma verdadeira reforma da administração pública, cuja essência é de ordem estrutural e organizacional, o que implica definição clara de objectivos e criação de uma justa e funcional cadeia de responsabilização nos mais diversos sectores, valorizando, dignificando e responsabilizando todos os trabalhadores. É dessa reforma, feita para assegurar uma relação saudável com os cidadãos, para garantir funções e direitos sociais a todos, para apoiar e responsabilizar as empresas e a generalidade das organizações da sociedade e para promover políticas de desenvolvimento, que o País precisa.

Por hipocrisia, escamoteiam a verdade sobre a acção sindical e até lhes repugna a referência a qualquer das inúmeras e fundamentadas propostas e trabalhos que os sindicatos fazem, designadamente sobre o desenvolvimento, o emprego, a Segurança social, a saúde, o ensino, a formação profissional, a higiene, saúde e segurança no trabalho, a justiça, a igualdade, a imigração.

Qualquer "bicho-careta" com fraca ou apenas pontual experiência do mundo do trabalho e sem qualquer estudo, quer sobre as questões da estruturação e organização das empresas e do trabalho, quer sobre a regulação e regulamentação do trabalho, dá doutas orientações sobre o que devem fazer os trabalhadores e sindicalistas, sobre como se devem comportar face à actuação do capital, ou dos governantes, receitando sempre, em função do que está na "moda", as receitas do poder económico e financeiro.

O que o capitalismo neoliberal tem em marcha é a pretensão de impor as precariedades e a desregulação como regra na generalidade da prestação do trabalho, criando, a partir daí, a ideia de que os direitos no trabalho são privilégios.

O sindicalismo e os sindicalistas que, embora conhecendo bem o mundo do trabalho e a sociedade, têm lacunas e défices que vão procurando suprir, não vão desarmar nos seus objectivos a favor dos trabalhadores, da sociedade e até de muitos dos que os caluniam.

(in Diário de Notícias, 6 de Julho de 2005)

segunda-feira, julho 04, 2005

Bento Bembe

Editorial em Ibinda.com

Rui Neumann

Bento Bembe foi detido quando multiplicava esforços para a resolução pacífica do conflito em Cabinda. Uma prova clara que Angola não está disposta a qualquer negociação que conduza à paz em Cabinda, assim como é uma prova que os Estados Unidos da América (EUA) aprovam e caucionam em absoluto os excessos do Governo de Angola em Cabinda.

Contrariamente às contas secretas na Suíça, Inglaterra e na Madeira (entre muitas outras) que vários membros do Governo angolano possuem, contrariamente também às comissões secretas que vários estrangeiros e eminências pardas recebem do Governo de Angola, contrariamente à opacidade da governação angolana, Bento Bembe nunca se escondeu nem nunca viveu em secretismo, nasceu pobre e nunca conheceu a riqueza financeira, devido ao seu empenho e dedicação à luta de libertação do povo binda, tal como no passado fizeram Agostinho Neto, Eduardo Mondlane e Amílcar Cabral, pelos seus próprios povos.

Bento Bembe estava em Haia para falar de paz. «Paz», uma palavra que perde completamente o seu significado e valor, quando a comunidade internacional toma uma postura de indiferença total, quando homens de coragem pretendem que «paz» não seja só três letras, mas sim uma realidade assente solidamente em três pilares.

Bento Bembe foi detido na Holanda e não em Cabinda, uma prova evidente da proliferação das mentiras de destruição massiva do Governo de Angola, pois Angola afirma que controla todo o território de Cabinda. Porém, Bento Bembe é detido na Holanda, um verdadeiro paradoxo para reflectir.

Outro paradoxo desta detenção é o facto de ter sido efectuada a pedido dos Estados Unidos, dado que foram os mesmos EUA que ajudaram financeiramente, directamente e através da ChevronTexaco, a FLEC durante longos anos. Mas o valor do ouro negro é mais forte que a dignidade.

Não é por acaso que a detenção de Bento Bembe ocorre num momento em que várias testemunhas afirmam que Angola prepara uma importante ofensiva em Cabinda, evidentemente negada por Angola, como também não é por acaso que a detenção ocorre quando Angola se prepara para eventuais eleições, e Cabinda será o «caso bicudo» tal como aconteceu em 1992. Estas faltas de «acaso» são uma prova acrescida que Angola não controla a situação em Cabinda, mas acima de tudo que Angola teme a resistência e a revolta crescente no território, daí como não pode esmagar eternamente e consecutivamente o povo, ataca os seus chefes, por intermédio dos EUA, numa tentativa ilusória de decapitar a vontade de um povo e o percurso irreversível da historia.

A detenção de Bento Bembe não é uma vitória para Angola ou para os EUA, é sim a capitulação da réstia dos argumentos destes dois países que se afirmam como paladinos da paz.




fonte: Ibinda.com