quarta-feira, junho 22, 2011

TIMOR A QUEM MERECE


CARTA DO CANADÁ
por Fernanda Leitão

            No inverno de 1975/76 havia em todo o país um silêncio magoado e estupefacto. Centenas de milhar de pessoas vindas das colónias, algumas apenas com a roupa que traziam vestida, eram despejadas em Portugal por uma ponte aérea. Ninguém queria a continuação da guerra colonial, produto da cegueira política opressiva que dominou 48 anos. Excepção feita a alguns obstinados do regime, todos entendiam como legítima a independência das colónias. Mas ninguém estava preparado para aquela debandada sem honra nem dignidade, aquela entrega de territórios e povos, sem referendo, aos partidos de obediência comunista. Manifestamente, era uma entrega nada inteligente como o tempo se encarregou de demonstrar, e era um acto de crueldade como ficou claro aos olhos do povo português.
            Entre os milhares de desgraçados que aportaram a Lisboa, estavam os timorenses, esses que o regime actual abandonou depois de ter plantado no território a árvore de frutos envenenados. Foram jogados ao Vale do Jamor, instalados à trouxe-mouxe em casas pré-fabricadas com que a Noruega generosamente acudiu. Fazia frio, chovia muito, o vale era um mar de lama e aquela pobre gente sem agasalhos.
            O Portugal político remeteu-se a um sepulcral silêncio em torno desta situação. Nunca percebi se era medo, se era indiferença. Má consciência não podia ser porque não a tinham. Só gente sem consciência pode proceder assim e fazer o que fez.
            E eis que o silêncio foi quebrado por um grito de alarme soltado pelo Príncipe Dom Duarte Pio de Bragança. Foram bastantes os que acorreram ao grito e trabalharam para minorar a desolação e miséria dos timorenses. Lembro-me de muitos, entre eles os familiares do General Silva Cardoso, da Força Aérea, que regressou de Angola, onde ocupou  o posto de Alto Comissário, completamente ensopado em amargura e angústia.  Não me lembro de alguma vez ter encontrado, no Vale do Jamor, os homens e as mulheres que eram então os donos do regime. Nem um. Nem uma.
            O Duque de Bragança não mais parou na sua luta em favor do povo timorense. Ramos Horta era presença certa ao seu lado.
            Uma das mais gratas recordações que guardo foi os timorenses do Vale do Jamor terem acedido ao meu pedido de cantarem a missa solene de celebração do aniversário de Tomar, na Igreja de São João Baptista.  Nesse tempo não se celebrava o dia da cidade, porque era herança “fascista”!!!
Nem que o cavaleiro templário Gualdim Pais tivesse andado na escola com estes democratas de fancaria...  Sem pachorra para aturar coisas estúpidas, celebrei eu e muitos portugueses de antes quebrar que torcer.  Presidiu à celebração o Arcebispo Emérito de Luanda, D. Manuel Nunes Gabriel.  O filho de um régulo desfraldou junto ao altar uma bandeira portuguesa que a sua tribo tinha escondido durante a ocupação japonesa durante a Segunda Guerra Mundial. Foi lindo. E inesquecível.
            Soube agora pela imprensa que a Assembleia Legislativa de Timor decidiu dar a cidadania timorense  ao Senhor Dom Duarte de Bragança.  Ninguém a merece mais nem tanto. É uma decisão feliz e honrosa, este acto de gratidão de um povo que tem todos os motivos para ressentimento e afinal nos quer bem. É um sinal de estarem certos os que, como o Duque de Bragança, procederam de acordo com princípios de Pátria.