sábado, abril 25, 2009

João Mattos e Silva é o novo Presidente da Real Associacão de Lisboa

«um apelo aos monárquicos para que não temam dar a cara e lutem, nas estruturas da Causa Real e neste caso particular da Real Associação de Lisboa, ou informalmente por outros meios, pela Instituição Real, conscientes de que é essencial para Portugal e para a sua modernidade. Nenhum regime é eterno e os cem anos que a Republica vai comemorar, gastando milhões de euros dos nossos impostos, é perecível e quase nada quando comparada com os oitocentos anos de Monarquia. Se todos os que são monárquicos convictos a combaterem, democraticamente mas com firmeza, e se pela sua palavra e pela sua acção, trouxerem “mais cinco”

(22 de Abril de 2009)


João Mattos e Silva é o novo Presidente da Direcção da Real Associação de Lisboa.
Eleito no passado dia 18 de Abril, promete um novo rumo para a maior Real Associação de Portugal.

Iniciou a sua militância política aos dezassete anos na Causa Monárquica, em 1961, onde foi presidente da Comissão de Juventude, vogal da Junta Distrital de Lisboa e membro da Comissão Doutrinária, presidida por Henrique Barrilaro Ruas. Coordenou no semanário monárquico o Debate a “Página de Juventude”. Foi um dos subscritores, a convite de Henrique Barrilaro Ruas, do manifesto “Renovação Portuguesa”, em 1969. Em 1987 foi candidato independente a deputado à Assembleia da República e ao Parlamento Europeu pelo PPM, presidido então por Gonçalo Ribeiro Telles. Entre 1992 e 1995 foi presidente da Mesa da Assembleia - Geral da Real Associação de Lisboa. Em 1993 foi eleito como primeiro Presidente da Causa Real – Federação das Reais Associações. É membro do Conselho Monárquico, órgão da Causa Real.



Uma Entrevista


- Foi, no passado dia 18 de Abril, eleito Presidente da Real Associação de Lisboa. Que análise faz à História recente da Real Associação de Lisboa?

A Real Associação de Lisboa passou por um período conturbado, fruto de desinteligências entre a direcção cessante, que resultou na total inactividade durante um ano. O que foi mau. Ultrapassada essa fase, pela qual muitas vezes passam as associações, em que amores próprios e vaidades se sobrepõem ao objectivo para que foram criadas, julgo que a minha direcção está suficientemente legitimada pela Assembleia – Geral, que nela votou expressivamente, para poder virar a página.

- Enquanto Presidente da Direcção da Real Associação de Lisboa, quais são os seus objectivos para este mandato que agora inicia?

Em primeiro lugar, arrumar a casa e em segundo lugar, mas em simultâneo, desenvolver uma série de acções que constam do programa que apresentámos, tendentes a alargar o âmbito de actuação junto dos monárquicos dos concelhos que compõem o Distrito de Lisboa, com relevo para formação e informação e para, usando todos os meios disponíveis de comunicação, marcar presença, tomando posições sobre todos os assuntos de interesse para os portugueses que vivem neste espaço geográfico, desde os políticos aos do ambiente ou aos de defesa do património.


- Ao nível da Causa Real, acredita que, como muitos monárquicos, que é tempo da criação de uma nova dinâmica, passando naturalmente por melhorar os meios para aproximação aos Portugueses?

Claro que acredito. E esse passo está em vias de ser dado.

- Que análise faz ao trabalho dos Voluntários da Causa, nomeadamente no que toca à expansão do Ideal Monárquico na Blogosfera, em Sítios da Internet e Fóruns?

Penso que a blogosfera é um espaço de informação e de diálogo muito importante que, não podendo ser desprezado, pelo contrário, tem de ser valorizado. São cada vez mais as pessoas que navegam na Net e frequentam sítios e Blogues em procura de informação, de esclarecimento ou de pura diversão e que podem ser sensibilizados pelos conteúdos. Por isso o trabalho que os monárquicos, a título individual ou em grupos mais restritos, têm vindo a fazer é importantíssimo e altamente louvável. Há que apoiá-los e criar sinergias, não só entre eles – o que já sucede – como com as estruturas do movimento monárquico.

(...)


- Foi lançado há dias o livro “Aqui D´El-Rei”, do qual é um dos autores. O que é que se tem que fazer mais para que, efectivamente a “divulgação seja a chave da restauração” ?

O livro é uma colectânea de textos publicados na comunicação social, escrita e virtual, ao longo de nove anos, ininterruptamente. Foi publicado em livro porque um editor, por sinal monárquico, os descobriu a navegar na Net e por eles se interessou. É um contributo para divulgar a posição de monárquicos que, fazendo crónicas ao sabor dos acontecimentos, também fazem a divulgação da doutrina. A divulgação da posição dos monárquicos é, mesmo, a chave da restauração, como diz. Só chegando a cada vez mais portugueses poderemos criar um movimento da sociedade no sentido de “forçar” os políticos republicanos acantonados nos seus poderes a rever a Constituição que impede a escolha do regime.

- Estamos a passos largos a chegar ao Centenário da Republica. Que resposta deve a Causa Real e as Reais Associações, já para não falar também dos Voluntários, como o PDR, para mostrar que a chama monárquica continua ainda bem viva e que deve ser vista pelos Portugueses como uma esperança, tendo em consideração a crise que estamos a passar a todos os níveis?

Acho o movimento monárquico irá dar uma prova de que está vivo e actuante, cada vez mais actuante, e que não se conforma com o regime mesmo que ele faça cem anos. A contribuição de todos é fundamental. Agora tenhamos em atenção que a Monarquia não é uma panaceia para todos os males do País, podendo sem dúvida contribuir mais fortemente, pela superioridade da Instituição Real, para criar um ambiente de coesão nacional que potencie a sua resolução por quem tem que o fazer: os governos e as forças políticas e sociais.

- Acredita que algum dia a esquerda parlamentar irá aceitar alterar a alínea b) do artigo 288.º da Constituição, que nos impõe, a “forma republicana de governo”?

Acho que não será toda, porque a mais radical sabe que só navega bem e consegue fazer-se ouvir, num clima conflitual que a república facilita. Mas creio que o ciclo geracional, que tem gerido o PS, eivado de preconceitos e herdeiro dos “valores” da I República, está a chegar ao fim e que entre as gerações mais novas, sobretudo, há já muitos militantes que são monárquicos e não vêem nenhuma incompatibilidade entre o socialismo e a social – democracia e a forma monárquica de regime. Os mais novos forçarão os mais velhos a perceber que até para o PS, a Monarquia é mais favorável.

- Em 2011, chegaremos ao centenário do falecimento da Rainha Dona Maria Pia. Fala-se que está para breve (ou não) a sua transladação para Portugal. Acha que a Republica tem medo desta transladação, tendo em consideração que se pode tratar de uma Cerimónia de Estado, que implique a participação das Forças Armadas, tal como aconteceu com Dom Manuel II e a Rainha Dona Amélia?

Acho que o regime tem vindo a protelar a transladação dos restos mortais da Rainha Dona Maria Pia porque tem receio de dar um sinal errado ao Pais, a pouco tempo do centenário da República. Em 2011, já passou esse período e não vejo porque não o fará, tendo sido afirmado pelos principais dirigentes actuais que considerava esse acto como desejável e possível, com dignidade, mas eventualmente sem tanto realce como o dos Rei Dom Manuel e Dona Amélia. Salazar achava que a II República estava de pedra e cal, por força do carácter autoritário do regime que inventou. A III República sabe, que mesmo com truques constitucionais, em democracia “ o povo é quem mais ordena”.


- Que futuro deseja para Portugal? A Monarquia é a única solução e esperança para os Portugueses?

Que Portugal ganhe confiança em si próprio, que saiba olhar para a sua História e orgulhando-se do que fizeram os nossos antepassados, saiba que pode ir mais longe, e de que perceba que, adaptando Camões, “ um fraco regime faz fraca a forte gente”. Portugal só terá sucesso com a Instituição Real.


- Deseja acrescentar algo?

Sim. Fazer um apelo aos monárquicos para que não temam dar a cara e lutem, nas estruturas da Causa Real e neste caso particular da Real Associação de Lisboa, ou informalmente por outros meios, pela Instituição Real, conscientes de que é essencial para Portugal e para a sua modernidade. Nenhum regime é eterno e os cem anos que a Republica vai comemorar, gastando milhões de euros dos nossos impostos, é perecível e quase nada quando comparada com os oitocentos anos de Monarquia. Se todos os que são monárquicos convictos a combaterem, democraticamente mas com firmeza, e se pela sua palavra e pela sua acção, trouxerem “mais cinco”!


fonte:
http://fdrojornal.wordpress.com/2009/04/20/pdr-entrevista-joao-mattos-e-silva-novo-presidente-da-direccao-da-real-associacao-de-lisboa/

quinta-feira, abril 23, 2009

Fernanda Leitão em «O TEMPLÁRIO»





Ao ver esta coluna da Fernanda Leitão no seu antigo jornal, não resisti e perguntei-lhe: "Quando é que voltou a publicar no jornal?"

O e-mail de resposta chegou-me poucos minutos depois, e dizia assim:

"O Templário, depois de muitos altos e baixos após a minha saída para o Canadá, achou finalmente bom porto na dupla Isabel Miliciano-José Gaio, que o compraram e remodelaram. Jovens, inteligentes, esforçados e honestos, fizeram do Templário um jornal próspero e profissional. Têm sido de uma grande gentileza comigo, não me conhecendo pessoalmente, e eu publiquei de novo ali, a convite deles, há talvez dois anos. A partir daí, mando de vez em quando uma prosa. Parece assim uma Visita da Velha Senhora...

"O primeiro número do Templário, sob a minha direcção, foi em 1 de Maio de 1975. Respeitei a tiragem que o Jornal tinha: 2 mil exemplares. Em Julho estávamos a fazer 60 mil exemplares. E, por vezes, lá para Lisboa e Cascais faziam-se fotocópias dele. Quando o jornal publicou a entrevista que a Orianna Falaci fez ao Cunhal, devidamente autorizada pela jornalista italiana, não tivemos mãos a medir. Enfim, fez-se o que se pôde.

"Para se rir, vou-lhe dizer como é que o Templário começou a ser vendido em Lisboa, nas bancas do ardina Zé, em frente ao Café Nicola, no Rossio.

"O Zé e eu eramos da mesma idade e tínhamos assentado praça no mesmo ano: eu, na France Presse, a municiar os jornais de prosa internacional; ele, a vender os jornais. Com o passar dos anos, ficámos amigos. Quando saíu da máquina o primeiro número do Templário sob a minha responsabilidade, virei-me para o saudoso Carlos Pina, saneado do Diário de Notícias, e sugeri que fôssemos a Lisboa, cada um com o seu pacote de jornais, para tomar o pulso. Metemo-nos no comboio e desaguámos no Rossio. E disse eu para o meu amigo ardina:

"- Oh Zé, comprei um jornal para dar umas cacetadas porque não ando a gostar nada do que vejo por aí. Posso deixar os jornais na tua banca ou tens medo?

- Medo, eu, patroa?! Morra quem se negue. Deixe ficar os jornais à confiança.

E pronto, o Carlos Pina (que a morte tão cedo levou) e eu, rodámos para o jantar e para os mentideros onde paravam as estrelas da revolução, porque ali é que se sabiam novidades, gaffes, fiascos e tratantadas. Os mentideros mais na moda, nesse ano, eram o Botequim, da Natália Correia, e o Procópio, da Alice Pinto Coelho. Para não variar, deitei-me tarde. E quem é que estava à minha porta que nem uma sentinela? O Zé Ardina. Quis saber a que devia a visita.

- Oh patroazinha, pela sua saúde arranje-me mais 500 jornais que o pessoal está a contar com isso.

Expliquei-lhe que não tinha mais nenhum jornal em Lisboa, mas acertámos o negócio: vinham mil todas as semanas para a banca dele. Abalou radiante. E era com uma satisfação imensa, de amigo, e de patriota, que ele todas as semanas vendia o jornal. A primeira vez que fui a Portugal depois de vir para o Canadá, fui ver o Zé ao Rossio. Abraçou-se a mim e chorámos os dois.

Aqui tem estes farrapos de memória."

Muito obrigada, minha querida Fernanda.

Fãs de beato Nuno Álvares partem para o Vaticano



por RITA CARVALHO


Seis amigos, dos 18 aos 26, entre eles o jovem capelão da Universidade Católica, de Lisboa partiram ontem para o Vaticano, onde vão assistir à canonização de Nuno Álvares Pereira, no domingo.

"É um exemplo de vida, daquilo que todos nós ansiamos ser: um santo", disse ao DN, Duarte Jesus, 18 anos, estudante de gestão. Já o capelão Hugo Santos acrescentou que não queria perder a oportunidade, visto que "a última canonização de um português foi em Outubro de 1976, a Santa Beatriz da Silva" . O amigo Marcos Martins, licenciado em Filosofia de 26 anos, explica, por seu lado, o que o leva ao Vaticano é a coragem de vida demonstrada por Nuno Álvares Pereira: "Vamos pela canonização de mais um santo português e pelo exemplo de vida que ele nos deu. Largou tudo e dedicou-se à religião".

Mas Carlos Baptista, que ontem estava no aeroporto da Portela com os cinco amigos para apanhar o voo de Lisboa para Roma, admite que também gosta da festa; " O convívio é outro motivo", diz este açoriano de 22 anos e estudante de gestão em Lisboa.

Estes seis amigos são dos primeiros a partir para Roma, onde segundo se espera que cheguem mais de mil portugueses nos próximos dias para canonização do português, presidida pelo Papa.

Além dos bispos, políticos, militares da comitiva oficial (ver caixa) vão também escuteiros ou simples católicos, que não querem perder a cerimónia. Aliás, o evento levou algumas agências a organizar programas específicos.

É o caso da agência Profissional Team, que conta levar a Roma mais de 50 pessoas. Umas já seguiram, outras, que partem da paróquia da Encarnação de Lisboa, deverão fazê-lo amanhã de madrugada.

O programa inclui além da cerimónia de canonização, uma visita guiada à cidade, nomeadamente à basílica de São Paulo, onde haverá uma celebração presidida pelo cardeal Patriarca de Lisboa. Meia centena de peregrinos irão também a Roma com a agência "O Peregrino". Aqui, uma viagem de três dias, com direito a estadia no Hotel Michelangelo, rondará os 780 euros.

Com a agência Quinto Império viajará D. Duarte Nuno de Bragança e mais algumas pessoas ligadas à causa monárquica portuguesa. "Somos uma agência que organiza viagens históricas e culturais, por isso vamos levar a Roma cerca de 50 pessoas", disse ao DN Otto Czernin, responsável da empresa.

D. Duarte de Bragança - descendente de D. Nuno Álvares Pereira - deverá viajar para o Vaticano na sexta-feira e será uma das figuras de destaque na cerimónia de canonização.

Muitos outros peregrinos viajarão na peregrinação organizada pela Ordem do Carmo, à qual pertenceu o beato Nuno no fim da vida. Esta peregrinação é organizada em conjunto com o patriarcado de Lisboa. Com saídas da capital e do Porto, as viagens são diversificadas: de três ou cinco dias, ou ainda com mais de uma semana e direito a um circuito italiano. A viagem mais cara, de oito dias, ronda os 1500 euros.

Mais de duas centenas de escuteiros católicos irão também marcar presença em Roma.

Para isso, o Corpo Nacional de Escutas, do qual Nuno Álvares Pereira é o patrono nacional, decidiu fretar um avião para o efeito. "Vão de Braga, Barcelos, Guimarães, Beja, Lisboa, etc. E vão pessoas desde os seis aos 70 anos", afirmou ao DN Olga Cunha, a responsável que que está a organizar a delegação escutista a Roma.

DN, hoje

quarta-feira, abril 22, 2009

Trinta e cinco anos depois



CARTA DO CANADÁ

por Fernanda Leitão


O último ano do regime anterior a 1974 foi um sufoco de boatos, prisões, sinais contraditórios, panfletos que corriam a granel garantindo uma revolução, intensa agitação nos sindicatos, os primeiros sinais da vindicta que lá vinha. Grande parte da culpa era da censura, pontificada por militares, mas não foi dispicienda a campanha de ódio cego movida pela direita salazarista contra a direita marcelista. Nessa altura, por razões óbvias, a esquerda e a direita oposicionista ainda não adivinhavam as profundas fracturas que iriam sofrer nos anos a vir. Havia em tudo um cenário de fim de festa. Era perturbador e excitante.
Finalmente, os tanques da revolta chegaram a Lisboa. Soube-o pelo telefonema de um jornalista era madrugada. Liguei o rádio, as marchas militares eram apelativas e, quanto a mim estranhamente, pedia-se que o povo não saísse à rua. Saí imediatamente, a juntar-me a colegas que, como eu, suspiravam pela queda do regime há muitos anos. Aparecia gente de todos os lados, ninguém segurava o povo. Rapidamente fui informada que se tratava de um golpe militar e que, se corresse tudo bem, os dirigentes políticos exilados entrariam no país dentro de poucos dias.
Gostava de ter vivido aquela jornada com total confiança e absoluta alegria, mas não foi assim. Desagradou-me ver a revolta encabeçada pelos militares, que já tinham feito o 28 de Maio, que tinham sido a guarda pretoriana do regime, contando-se pelos dedos os que tiveram a coragem de erguer a voz contra a ditadura. Não tinha a menor confiança nos dois líderes históricos que viriam do exílio - Mário Soares, pelo PS, e Álvaro Cunhal pelo PC - , velhos compagnons de route que, pouco tempo antes, tinham assinado um pacto em Paris. Na febre daqueles dias apercebi-me que o golpe militar tinha tido motivações corporativas, e não augurei nada de bom. A confusão e o desatino eram completos. Nunca mais esqueci que, ao assaltar os serviços da censura, Manuel Serra, conhecido nos meios do reviralho pelo Manecas das Intentas, achou inteligente e corajoso inutilizar para a História os arquivos daquela sinistra casa ao deitá-los pela janela sobre a populaça que, na Rua da Misericórdia, rasgava os papéis e os pisava. Era o começo da delapidação do património de todos nós. Milhares de pessoas, muitas delas competentes e honestas, foram saneadas com uma selvajaria que só a inveja e o ódio podem explicar, e que era acirrado pela esquerda radical. Com a democracia na boca e serradura na cabeça, deitaram ao lixo um Império de 500 anos, sem honrarem Portugal e sem acautelaram as vidas dos povos das colónias e dos que lá viviam. Armados em Lenines de trazer por casa, destruíram todo o tecido agrícola do sul do país e grande parte do tecido industrial. Impantes, encheram as prisões através dum militar que passava mandados de captura em branco, ele que foi da Legião Portuguesa e choramingou ao pegar nas borlas do caixão de Salazar, um farsante. Muitos dos tropas de baixa patente que abandonaram quartéis e vergonha, nos últimos dias da presença portuguesa em África, vendiam haxixe descaradamente e até o cultivavam nas suas aldeias. Muitos outros, de alta patente, faziam farras em restaurantes de luxo, pagas pelos dinheiros públicos, e sacrificavam motoristas, em noites inteiras e frias, enquanto eles se divertiam em bares da moda. Bastantes, singraram em negócios. Apenas Salgueiro Maia, o militar que comandou a coluna que veio de Santarém e cercou o Quartel do Carmo, se manteve afastado da ganância e da política. Foi um puro. No lado civil, reinava a ambiguidade, que quase desorientou o povo, do relacionamento do PS com o PC, só interrompido por Salgado Zenha, em 1975, com grande entusiasmo geral do país, levando Mário Soares por arrastamento, enquanto Cunhal babava de ódio e mandava “partir os dentes à reacção”. Como se reagir à maldade e à estupidez não fosse um dever elementar!
Estava dado o mote para o que viria a acontecer nos anos que se seguiram.
E nem se hesitou em tirar do caminho Francisco Sá Carneiro e Adelino Amaro da Costa, homens sérios e dispostos a não deixar confundir Democracia com bandalheira. Aos solavancos, entre lutas partidárias que fedem a milhares de quilómetros e dinheiros de Bruxelas, o regime tem vindo a dar uma no cravo e outra na ferradura. Algum progresso houve, mais aparente do que real, pois ninguém curou de alicerçar fosse o que fosse - como se pode verificar com os efeitos da crise económico-financeira mundial. O papel de embrulho é bonito e vistoso, mas o que lá está dentro é bem menos agradável.
Apesar de tudo, ainda há alguma liberdade. Mas, trinta e cinco anos depois da chamada Revolução dos Cravos, o balanço não é animador. Uma árvore conhece-se pelos frutos que dá. A árvore do 25 de Abril tem ramos mortos, alguns em vias disso, algumas raízes podres, muitos frutos sorvados. Manda o amor a Portugal, e o amor à Liberdade, que o povo pode essa árvore para que ela seja forte e dê frutos bons.

terça-feira, abril 21, 2009

Amar a humanidade, desprezar o próximo

por João César das Neves

Rousseau, profeta inspirador da cultura moderna. A sua lista de trafulhices, indignidades e oportunismos é infinda

Acaba de sair a edição portuguesa de um dos livros mais reveladores do nosso tempo. Publicado em 1988, Intellectuals, de Paul Johnson, não perdeu relevância e dramatismo nos 20 anos que o separam da sua tradução (Intelectuais, Guerra & Paz, Lisboa, 2009).

A obra consta apenas de doze pequenas biografias, mas a breve colecção inclui algumas das principais figuras dos últimos 200 anos e alguns dos maiores safados, crápulas e bandidos que se pode imaginar. Notável é que as personagens são as mesmas em ambos os casos. Johnson mostra à evidência como os intelectuais que inspiraram o mundo contemporâneo foram terríveis patifes na sua vida privada.

A lista é impressionante. Jean-Jacques Rousseau, Karl Marx, Bertrand Russell e Jean-Paul Sartre, entre outros, aparecem culpados dos comportamentos mais infames, enganando mulheres, desprezando filhos, aldrabando amigos, roubando, seduzindo, manipulando tudo e todos. O elemento comum é um paroxismo de egoísmo e arrogância. Estes onze homens e uma mulher vivem totalmente autocentrados, usando escandalosa e vergonhosamente os outros para proveito próprio.

Qual a relevância destas informações e mexeriquices? Todos sabemos que os génios costumam ser exóticos e inconvenientes, e todos os desculpamos pela sua grandeza. É razoável perdoar-lhes os pecadilhos pelas maravilhas que fazem. Que importa a vida pessoal de Mozart ou Edison, de Newton ou Rembrant ao lado da herança majestosa que deixaram? Mesmo entre os nomes referidos, a análise económica de Marx ou os teoremas de Russell não sofrem pelo mau carácter dos seus autores. Será Johnson um oportunista, denegrindo grandes nomes com acusações mesquinhas?

O que o autor capta nestes doze casos é algo muito diferente. Estas pessoas não foram escolhidas pelas realizações científicas ou artísticas, mesmo quando as tiveram, mas pela influência intelectual. Foi como inspiradores morais, oráculos políticos, reformadores sociais que estes nomes pontificaram, e ainda pontificam, acima dos demais. Num tempo sem fé, Tolstoi, Shelley, Ibsen ou Brecht, além dos já referidos, foram venerados como sumo sacerdotes de um mundo mais elevado e perfeito, luminárias do homem novo. Os outros, Hemingway, Edmund Wilson, Victor Gollancz e Lilliam Hellman marcaram a moda e arbitraram o gosto na sua geração, enquanto todos se enredavam numa degradação ética e humana quase repelente. Ou eram incoerentes com as suas ideias ou estas escondiam horrores inconfessáveis. Em qualquer dos casos tais observações biográficas são muito relevantes para a interpretação da obra.

A razão profunda da contradição é, ela mesma, decisiva. Todos estes pensadores colocaram uma ideia abstracta acima da vida real daqueles que os rodeavam. A sua teoria, o seu génio, eram superiores a parentes, amigos, honestidade, honradez, decoro, simples decência. Esta é a origem do crime. E da obra. Em todos os relatos surge sucessivamente um mesmo tema: o amor à humanidade. É notável como todos estes grandes autores estão apaixonados pelo género humano. Mas o ideal abstracto acompanha um profundo desprezo pelas pessoas concretas que os rodeiam. Amam a humanidade e abominam a gente.

Um caso exemplar é Rousseau, profeta inspirador da cultura moderna. A listade trafulhices, indignidades e oportunismos da personagem é infinda. Mas um caso é bem simbólico. Entre muitos temas, o filósofo francês debruçou-se em vários das suas obras sobre a importância decisiva da educação das crianças, apresentando visões inovadoras, sobretudo no tratado Émile, ou De l'éducation (1762), considerado um dos grandes textos primitivos sobre o tema. Vale a pena saber que ele abandonou na miséria os filhos que teve das suas múltiplas amantes, nunca assumindo a responsabilidade por qualquer deles.

Vivemos num tempo que colocou ideais acima das pessoas. Aliás, aqueles que desprezam as críticas deste livro pela admiração da obra dos visados são eles mesmos vítimas do mesmo vício intelectual: a terrível tentação de amar uma ideia mais que o próximo.

no DN