terça-feira, janeiro 10, 2012

Olhando o caminho, por António Sardinha

…”Tal é a hereditariedade espiritual a que nos acolhemos filialmente, — nós que em 1914 pegámos do arado, lançando na herdade lusitana um sulco tão profundo que já não há vento daninho que o possa apagar. A nossa faina de semeadores não conheceu mais um minuto de descanso ou adormecimento.

Do que tem sido essa batalha, ou defrontando-nos com a anarquia que nos desagrega, ou fazendo face ao peso morto que ameaça sufocar, no seu pretenso conservantismo, o princípio de renovo em que Portugal parece querer florir, - do que tem sido essa batalha não é para aqui o contá-lo e comentá-lo. Basta que assinalemos com a maior humildade de propósitos o trajecto que já se andou, tanto em extensão como em intensidade. Na desordem geral, dos espíritos, sente-se, apalpa-se uma certeza, uma coesão que se desenha e robustece, e aumenta. Frutifica o sincero entusiasmo do reduzido grupo de vontades que em 1914 se meteu à empresa penosa de restaurar a alma da Pátria, voltando à senda esquecida da sua tradição.


E porque se escreve a palavra "tradição", entendemos dever precisar-lhe o sentido. Não se trata de um regresso — duma suspensão. Filosófica e historicamente o nosso conceito de "tradição" equivale a dinamismo e continuidade. Estamos, por isso, bem longe de nos confinarmos numa ideia saudosista da sociedade que foi ou das gerações que passaram. Pelo contrário, abertos às solicitações clamorosas deste instante de febre, olhamos o futuro com um alto desejo de o prepararmos, melhor e mais belo, do que é a actualidade, tão horizontal e espessa em que vivemos.”


…”Reflectindo no seu conflito o conflito da sociedade em geral, a sociedade portuguesa dissolve-se, vai-se, varrida pelo individualismo nas suas últimas e extremadas consequências. Serenos, no raciocínio das nossas convicções que a fé amplia num fundo de claridade invencível, não há desânimo que nos vença, nem tormenta que nos vergue. Salve-se o que subsista ainda de divino e de humano no amontoado de coisas sem nexo em que Portugal se subverte, incaracterizado e difamado. É obedecendo a tão religiosa obrigação para com Deus e para com a Pátria, criada à sua Semelhança e Imagem, que nós não desfalecemos nem um instante sequer na jornada empreendida, já se completaram nove anos, quando a mocidade nos punha nas veias fanfarras de triunfo. Semeou-se? Pois colher-se-á! E para que resulte em outras colheitas, e a seara cresça sempre, viçosa e farta, de novo entregamos à graça das Estações um pequeno punhado de grão, por acaso guardado no nosso pequeno celeiro.”


Elvas, Quinta do Bispo, Janeiro, 1923.

In http://www.angelfire.com/pq/unica/il_as_olhando_o_caminho.htm

sexta-feira, janeiro 06, 2012

terça-feira, janeiro 03, 2012

Desgosto e Vergonha

CARTA DO CANADÁ
 por Fernanda Leitão

 Nos últimos tempos tem a comunicação social abordado largamente a Emigração. O primeiro ministro, com uma impressionante expressão de dureza e insensibilidade, aconselhou os professores sem trabalho a emigrarem, de preferência para o Brasil e Angola. Este aviso foi entendido por todos os desempregados, professores ou não. Logo de seguida, o ministro Relvas, com a expressão escarninha que lhe é habitual, reforçou a tirada de Coelho com a afirmação de o estado português ter grande orgulho nos emigrantes. Seguiu-se uma cascata de comentários de apoio por parte de senhoritos a quem a Pátria sustenta sem contrapartida de obra feita ou bom serviço e,o que é pior, de alguns sujeitos que são mais católicos do que cristãos, uns “católicos profissionais”, isto é, sujeitos que se dão ares de primos direitos de Nosso Senhor, tu cá, tu lá, detentores da verdade e do nariz empinado, e que, vá-se lá saber porquê, com o seu palavreado e presença afastam os fiéis da Igreja que os protege e promove. Compaixão, nenhuma. Solidariedade, viste-la. Falta de educação, evidente. É uma direita que do Pai Nosso só reza o “venha a nós”. Como seria de esperar, alguns jornalistas de espinha direita, que ainda os há, e um grande número de pessoas de antes quebrar do que torcer que anda na blogosfera, desancou a ideia e os arautos da mesma, e foi o momento de todos ficarmos a saber a trajectória de vida dos que, verbalmente por agora, dão pontapés aos desempregados a ver se eles desaparecem depressa. Que vidas edificantes! Que exemplos de trabalho!

Senti vergonha. Não de ser portuguesa, pelo contrário, que tenho um profundo orgulho em ser portuguesa, mas vergonha, sim, muita vergonha de o meu Portugal ter governantes capazes de aconselharem os desempregados a saírem do país. Devo ter sentido o mesmo que a cientista Irene Fonseca: até pediu que a jornalista lhe repetisse a pergunta com este assunto, nem queria acreditar. Senti vergonha por o Brasil e Angola terem dito claramente que não precisam de professores portugueses, por terem os seus próprios, numa verdadeira bofetada a quem deita pela boca fora tudo o que lhe apetece. 

Também senti desgosto por mais esta afronta aos cidadãos de um país mal governado, injusto e corrupto, que tiveram de optar por ganhar no estrangeiro o pão para a família. Opção dolorosa, mas livre. Nem na ditadura salazarista os governantes tiveram semelhante ousadia e má criação. Talvez seja por esta falta de maneiras que alguns por aí chamam a Outra Senhora ao regime deposto pelos militares em 1974, e Esta Gaja ao regime vigente. Opção livre e dolorosa,repito. Quem emigra sai de coração partido, sabe que não tem lugar na Pátria, que é um rejeitado porque uma camarilha política tomou o poder e abocanha a terra, dividindo-a por familória e parceiros de partido. O emigrante leva consigo, até ao último suspiro, a dor desta rejeição. Não perde o amor por Portugal, mas não tem o menor orgulho em quem governa. Não tem motivos para isso. Mesmo longe, continua a ser explorado, a não ser convidado a participar no desenvolvimento do país. Tudo quanto os políticos lhe pedem é votos e dinheiro. Muito dinheiro. Como foram investidos os biliões que, nos últimos 50 anos, os emigrantes depositaram em bancos portugueses? Não sabem. Apenas sabem, pelos jornais, das fraudes de largos milhões feitas em bancos por sujeitos que não foram julgados, andam a viver dos rendimentos, perante o silêncio do partido do governo e o do presidente que é do mesmo partido, e o de uma magistratura a que ninguém cá por fora dá crédito. Admiram-se de ser de quase 100 por cento a abstenção entre os emigrantes?

Portugal está a caminho de perder a Emigração e a difusão da língua portuguesa por exclusiva culpa da partidocracia que levou Portugal à valeta: estúpida, ignorante, boçal, gananciosa, pimba.

Mas eu acredito que o povo português saberá correr com esta élite negativa que conseguiu pôr a Pátria a receber ordens duns funcionários estrangeiros. Nem que para isso seja preciso transformar as pedras em pão.