segunda-feira, julho 26, 2004

A IMPORTÂNCIA DO MAR

por Virgílio de Carvalho

O que faz Portugal é o mar, e a distância a que a fronteira do Continente ficou do litoral dependeu da força projectiva deste para leste, são teses, respectivamente, dos prof. M.Unamuno e J. Borges de Macedo; e é nossa a de o litoral ser fecho "éclair" para os sectores Norte Centro e Sul em que o Continente pode fragmentar-se por ser estreito e comprido, e de ser economicamente atractivo para Madeira e Açores. Daí que o litoral continental e o nosso mar interterritorial, formando um "cluster" indispensável à competitividade e à coesão do País, seja um interesse nacional (IN), a par do apoio que as potências marítimas têm dado à nossa coesão interterritorial visando a segurança das suas rotas oceânicas que se cruzam no nosso mar, porque tal apoio tem-nos ajudado a ser país com individualidade, não apenas uma nação ibérica só com identidade. Há que pôr tais IN na Constituição, e ter estratégias "adequadas" à sua consecução, "exequíveis" quanto a sustentabilidade, e "aceitáveis" quanto ao que com elas se perder ser compensável com o que se ganhar. E também pólos portuários - aeroportuários, rios navegáveis e vias terrestres paralelas a eles para fazer do interior litoral (a China, com 16 desses pólos é o país cuja economia cresce mais depressa), cabotagem marítima alternativa às vias terrestres espanholas (poluentes, arriscadas e dando poucos postos de trabalho); e ainda marinha e aviação capazes de sossegar os nossos aliados no nosso mar. E, sendo a UE um IN indiscutível, é-o também a coesão UE-OTAN por fazer de Portugal um país central marítimo, coeso, não periférico fragmentário . Tudo a exigir muito mais espaço na comunicação social e no ensino para a cultura histórico-estratégica e as ciências do mar, para pôr fim à "contradição dum país que concentra a população no litoral e não presta atenção ao mar", um desabafo do dr. Rui Moreira, director da revista da "Associação dos Oficiais da Reserva Naval".

 

terça-feira, julho 20, 2004

O PROFESSOR DE MORAL
 
CARTA DO CANADÁ

por Fernanda Leitão 

      Quando frequentei o Colégio de Nun´Álvares, em Tomar, que por inteiro cabe na sigla CNA a rimar com o grito de guerra do F – R – A, FRA, com que sucessivas gerações atiraram capas negras ao ar em momentos de exaltado júbilo, quando por ali desfiei a adolescência e parte da juventude, há tantos anos, o respeito era uma norma de vida que nos era transmitida em casa desde a primeira dentição. Respeitávamos as convenções, os preceitos, os símbolos, as tradições, os professores, os mais velhos em geral. Verdade seja que eles se davam ao respeito, não se vulgarizavam num nacional-porreirismo que, segundo tudo indica, não deu bons frutos à Nação. Talvez por isso mesmo a minha geração amou o que respeitou e, salvo casos pontuais comprovativos de que não há grande geração sem santo ou ladrão, soube dar a cara pelos princípios em que foi criada. Nem todos os que deram a cara tiveram a pouca sorte de o fazer em palco, com as gambiarras todas em cima, mas todos, mesmo no maior silêncio e modéstia, foram de antes quebrar que torcer. Por isso é que Portugal ainda não foi de vez ao fundo, como afincadamente alguns têm diligenciado.

     Nesse tempo feliz tínhamos tudo sem ter dinheiro nem droga nem boîtes: família, segurança, alegria de viver, esperança no futuro, amizades tecidas desde tenra idade (que haviam de durar pela vida fora). Tínhamos professores que eram pessoas de bem e por isso ganhavam o seu pão honradamente, mesmo quando eram muito chatos ou tinham mau feitio. E uma cidade linda que nos serviu de moldura e de sonho.

     Também tínhamos professores de Moral e de Religião. Lembro-me perfeitamente de três desses professores: o Cónego Adelino Gonçalves, missionário em Angola, velhinho e venerando, que nos contava a Bíblia com muita paciência (ah, a paciência que era precisa para uma turma de raparigas uma mais atravessada do que a outra). O padre Jerónimo, jovial capelão da Força Aérea, cozinheiro de mão cheia, desempoeirado e moderno, a quem muitos anos depois fui dar um abraço a Newark, nos Estados Unidos (e de caminho, bons tomarenses, tomámos um pequeno almoço copioso e gostoso, a que nem faltou o mimo de um naco de queijo da Serra a que o meu antigo professor renunciou em meu favor, prova grande de amizade, prova de arromba porque ele era guloso). E por fim, o padre João Ferreira, que depois de ser pároco em Tomar foi assistente nacional dos Escuteiros e capelão nacional da Força Aérea, onde atingiu o posto de coronel em missões várias em África. Era um homem cheio de vitalidade, de alegria, todo cheio de ideias avançadas quanto à educação dos jovens, muito culto, muito lido, muito viajado. Nós revíamo-nos nele e morríamos por ele.  Tanto que, na primeira grande confraternização de antigos alunos do CNA, que teve lugar em Lisboa em 1977 ou 78, já não me lembro bem, o fomos chamar para celebrar missa em S. João de Deus, em Lisboa. Como estava feliz o nosso antigo professor de Moral e Religião!

     Mas em 1975, em pleno Verão Quente, o padre João Ferreira entrou-me pela redacção do Templário dentro, a pedir desculpa de me interromper o trabalho louco que eu então tinha para me contar uma historieta: “Sabes, dizia ele com os olhos muito fitos nos meus, no tempo da Guerra Civil de Espanha um homem foi confessar-se a um colega meu e perguntou se era pecado dar porrada nos comunistas. E o meu colega respondeu-lhe: despues, solamente despues”. Chegado aqui estacou em silêncio, sem despregar os olhos de mim, e súbito atirou a pergunta: “Tu percebeste, oh cachopa?”.  Respondi com toda a serenidade e lisura: “Percebi sim, senhor padre. Despues, se Deus quiser, ainda hei-de ter tempo de pedir perdão por alguma porrada injusta ou mal dada”. Deu-me um grande abraço e, homem de aviões, voou para a vida dele.

     Viríamos a encontrar-nos várias vezes, nos anos seguintes, em jantares muito conversados em casa do general António da Silva Cardoso, tomarense também ele, antigo aluno do CNA também ele, a quem coube a amargura de ser Alto Comissário em Angola, em 1975, completamente driblado por Rosa Coutinho, o “almirante vermelho”,  e outros dessa pandilha traidora. Jantares onde, posso dizê-lo agora, se juntavam finos e honrados oficiais dos três ramos das Forças Armadas.

     Já eu estava no exílio quando um dia me apareceu em Toronto o já Cónego João Ferreira, convidado que foi por um seu subordinado na Força Aérea, o hoje Monsenhor Eduardo Resendes, um dos meus bons amigos longe da Pátria que deixa nestas terras duas igrejas mandadas constuír para serviço de portugueses, a de São Salvador do Mundo e a de Cristo Rei, ambas em Mississauga. Quis passar todo um dia comigo e conversámos os farrapos da manta. Muito preocupado estava o meu velho professor com dois casos escandalosos de padres tresnoitados que tínhamos por cá, dois infelizes sem remissão.     Por um jornal de Tomar recebo a notícia a morte de Monsenhor João Ferreira. Acabou os seus dias velhinho. Sinto-me triste por já não o encontrar quando for a Portugal, mas a emigração é isto mesmo: quando voltamos, há casas vazias e sepulturas cheias. Mas sinto a certeza reconfortante de saber que o meu velho professor de Moral e de Religião está à direita de Deus, à espera dos rapazes e das raparigas que ele ajudou a crescer na Fé.
 
 

segunda-feira, julho 19, 2004


"O meu princípio é tudo e só por ele é que minha pessoa vale"
Conde de Chambord.

  
 
FARIAS BRITO E A FILOSOFIA DO ESPÍRITO
Por Fernando Rodrigues Batista 
  
 
Um personagem de Chesterton, em "A Esfera e a Cruz", quebrava a bengaladas
as vidraças de um jornal que ofendia a Mãe de Cristo, era uma forma de fazer
frente a seus opositores e do cristianismo.

 
Nesta linha de raciocínio, no Brasil, Raimundo Farias Brito (1862-1917),
notável filósofo cearense, hoje tão olvidado dos meios intelectuais,
espancava seus antagonistas com o vigor de sua pena, sobretudo àqueles
pertencentes ao que ele alcunhou de "filosofia do desespero", a saber, o
fenomenismo de Hume; o criticismo de Kant; o positivismo de Augusto Comte.

A obra erigida pelo portentoso pensador pátrio contribuiria em nosso tempo,
para por cobro à faina demolidora, esse insulamento trágico do existir –
conforme expressão de Elias Tejada – que é a regra dos desbocados
existencialismos moderno, seja o cristão de Soren Kierkegaard, ou o
heideggeriano, ou mesmo o existencialismo ateu de Sartre.

Farias Brito entendia que, a filosofia, fornecendo uma interpretação da
existência, dá-nos ao mesmo tempo a compreensão do nosso destino.
Novalis, de uma certa feita, ensinou que, só um artista pode adivinhar o
sentido da vida. Nesse sentido, Carlos da Veiga Lima, em estudo referente à
obra de Farias Brito, dizia em certa altura: "E haverá maior artista que o
filósofo?... A filosofia é a arte suprema... arte para nosso filósofo, não é
senão, energia criadora do ideal".

A realidade é uma afirmação do espírito, e só o espírito atrai o pensamento,
dando-lhe força pragmática, modelando como IDÉIA FORÇA que coordena o
obscuro mecanismo da nossa personalidade e da realidade à nossa consciência
e eficácia a idéia (Carlos da Veiga Lima). Somente através da filosofia se
pode alargar o horizonte humano da vida moral e chegar ao heroísmo da vida
religiosa. Acerca do assunto, consoante a lição do insuspeito Willian James,
filosofo do pragmatismo, "... é no heroísmo bem sentimos, que se acha
escondido o mistério da vida... é abraçando a morte que se vive a vida mais
alta, mais intensa, mais perfeita, profunda verdade de que o ascetismo foi
sempre no mundo campeão fiel. A loucura da Cruz conserva uma significação
profunda e viva". (W. James, in L´experience religiouse).

Farias Brito foi um inovador, um paladino do espírito, se colocou em combate
num campo onde se encontravam adversários do estofo de um Tobias Barreto e
de uma plêiade de intelectuais seguidores de Augusto Comte e Herbert
Spencer, merecendo a justa homenagem do conspícuo professor Câmara Cascudo,
que com a loquacidade que lhe era peculiar, definiu o homem e autor de
"Finalidade do Mundo", como, "singular operário, obstinado e tranqüilo,
batendo uma silenciosa bigorna, um aço que resistiria à ferrugem de todas as
indiferenças, destinado a relampejar, ao calor do sol, como uma aura de
esplendor e sucesso".

É notório verificar, não sem preocupação, que a juventude, pensante ou não,
ainda sofre os influxos da putrefação filosófica, se deleitando nas leituras
dos próceres do pensamento materialista, Hegel, Marx, Feuerbach, Heidegger,
Kant... se tornando infensos a vigorosidade da "Filosofia do Espírito" do
saudoso pensador cearense. Cabe proclamar com exaustão, que para Farias
Brito, é o Espírito que elabora idéias, produz o pensamento, cria a ciência,
interpreta o universo.

Entendemos que tudo quanto escreveu, foi para os olhos de nossa geração, que
caminha como fardo sem endereço, em busca de um relâmpago interior que seja
inoculado em suas almas, impulsionando-os às culminâncias mais elevadas,
dando significado e dignidade ao seu destino.

Corroborando com tudo quanto dissemos, cabe ressaltar a indelével sentença
de um ilustre pensador lusitano: "... os homens passam com o seu tropéu de
ódios, com o seu cortejo de violências, mas que não passa jamais toda
afirmação que é feita com amor e servida com sinceridade".
 
 

quarta-feira, julho 14, 2004

AS REPÚBLICAS E A MONARQUIA

Por Henrique Barrilaro Ruas (23 de Março de 1921 - 14 de Julho de 2003)


Tal como os homens, também as nações precisam de viver habitualmente. Mas nem todo o hábito é virtude. Há-os que são vícios. E, quando o vício é colectivo, não há ninguém que não sofra com ele. Porque é da natureza do indivíduo participar do bem comum, e também do mal comum, da sociedade a que pertence.

A República, em Portugal, começou por ser o contrário de um hábito. Actos isolados, casos soltos: nada mais. Eram quase todos da matéria de que se fazem os vícios. Mas, para serem vícios, faltava-lhes serem habituais. Nenhum vício é episódico.

Mais tarde, por acção alheia, a República deixou de ser em episódios. Fez-se hábito. Por isso foi aplaudida. Aplaudiram-na os viciosos e os virtuosos. Os primeiros porque viam enfim estabelecido, assente, de algum modo indiscutível, o que antes não passara de tentativa fruste. Os últimos, porque estavam ainda dominados pela ideia (deixada por muitos séculos de Poder Real) de que habitual, em Política, é necessariamente virtuoso.

Foi assim que começou o culto da continuidade. Esse culto tem tomado as formas mais aberrantes e mesquinhas. Nalguns casos, é apenas o culto do contínuo (uma das fontes mais caudalosas da Burocracia nacional).

Mas eis que o tempo entrou a fartar-se da continuidade no mal. E já vai ensinando a indivíduos e grupos que não basta durar: é preciso durar bem.

Por causa da República-sistema, é a autentica república dos Portugueses que perde o norte do Bem Comum. As competências, deslocadas da sua função natural, tornam-se incompetências. Os homens gastam-se em tarefas sem sentido. As instituições definham. O humano desejo de participar faz-se maldição. O que podia ser belo e fecundo rito de universalização do individual desce ao nível da farsa ou da paródia. As gerações que deviam dar à Pátria viço novo e uma inquietude transfiguradora, quase não trazem mais do que a dúvida e a negação. E muitos dos raros que deixam crescer na alma a sede de heroísmo, vão queimar-se em aventuras sem beleza. São estes os frutos da ideologia republicana.

Porque, na crise aberta do mundo de hoje, na fermentação e gestação do mundo de amanhã, não está presente a integral e viva portugalidade, mas a rigidez de um esquema, uma convenção, uma fórmula jurídica.

Toda a Nação Portuguesa fermenta e lateja, na promessa e na exigência de uma vida nova. A todo esse murmurar profundo e crescente, a República só oferece, ou a rigidez imutável, ou a própria mobilidade como ideal.

É sobretudo para as novas gerações que a Monarquia há-de surgir identificada com a Esperança. Esperança de dignidade e justiça; esperança de paz. Esperança de uma vida que seja autêntico e fecundo conviver. Esperança de uma alegria nova, em que o corpo e a alma comunguem. Esperança de vitória do natural sobre o absurdo, do normal sobre o obrigatório. Esperança no abraço do Homem com a Terra, no acordo dos homens uns com os outros, na realização da Pessoa para além de todos os planos do colectivo.

(1963)



A HEMEROTECA DE LISBOA ORGANIZOU UMA EXPOSIÇÃO BIBLIOGRÁFICA E DOCUMENTAL E UM CICLO DE CONFERÊNCIAS ACERCA DE HENRIQUE BARRILARO RUAS


“Henrique Barrilaro Ruas, Vida e Obra”
Exposição Bibliográfica e Documental


Inauguração: 14 de Julho, pelas 18.30h. Em exibição até 27 de Agosto (13-19h, 2.ª a 6.ª feira)

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“Henrique Barrilaro Ruas – Homem do Saber e da Cidadania”

Ciclo de Colóquios

1º. Colóquio
Henrique Barrilaro Ruas, O Homem
por Teresa Martins de Carvalho e Manuel Vieira da Cruz
Dia 14 de Julho, Quarta-feira, às 19 horas

2º. Colóquio
Henrique Barrilaro Ruas, O Historiador
por Margarida Simões e José Manuel Quintas
Dia 17 de Julho, Sábado, às 18 horas

3º. Colóquio
Henrique Barrilaro Ruas, O Ensaísta e o Académico
por João Bigotte Chorão e J. Pinharanda Gomes
Dia 21 de Julho, Quarta-feira, às 19 horas

4º. Colóquio
Henrique Barrilaro Ruas, O Político
por Gonçalo Ribeiro Telles, Paulo Teixeira Pinto e
Alexandre Franco de Sá
Dia 24 de Julho, Sábado, às 18 horas

Local: Hemeroteca Municipal – Sala da Música
R. de São Pedro de Alcântara, 3, 1250-237 LISBOA
Telefs. 21 346 07 66/ 21 346 07 92. Fax 21 347 89 15
E-mail: hemeroteca@cm-lisboa.pt
Home page: www.cm-lisboa.pt


terça-feira, julho 13, 2004

PRESIDENTE DE QUÊ? DE QUEM?

por Teresa Mª Martins de Carvalho

A crise política provocada pela saída do Primeiro Ministro para Bruxelas deu ao Presidente da República ocasião para exercer o seu poder de a resolver, quer nomeando outro Primeiro Ministro, indicado pela maioria parlamentar, ou desfazer a Assembleia da República e assim convocar eleições parlamentares donde então sairia o Primeiro Ministro, conforme os resultados eleitorais.

Tal como foi justificado, a sua decisão de não convocar eleições teria por fim evitar perigosas paralisações no país quando está no começo de vir à tona económica.

Bem. Até aqui nada de especial. Pura rotina. Qual rotina, qual nada! O Partido Socialista e outros à sua esquerda começaram aos gritos. Com o desgaste de dois anos de governo difícil, a coligação governamental, segundo eles pensavam secretamente e as sondagens anunciavam, estaria com cotação eleitoral muito baixa. E era agora, rapazes, a altura de lhes cortarmos as pernas. O Presidente vai-nos dar eleições antecipadas e o nosso glorioso e laico líder Ferro Rodrigues será Primeiro Ministro porque vamos ganhar as eleições. O povo está chateado e, além disso, até podemos fazer coligações com o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda.

A coisa não deu e sucederam-se as reacções furiosas do P.S. e quejandos contra o Presidente da República. Não vale esta decisão, não vale, diziam. O Presidente está doido. Então fomos nós que o pusemos lá e agora ele não nos faz a vontade? Estava tudo à espera de eleições e ele não as quer? A gente ganhávamo-las, era certinho, e ele não quer? Traiu-nos. Nunca mais vamos votar nele... Fora o Presidente!

O que mais me chocou neste tragicómico intermédio foi exactamente estas reacções clamorosas da esquerda. Ferro Rodrigues demitiu-se porque achou que tinha sido derrotado pelo seu Presidente socialista e não quis mais. Abandonou o barco em glória partidária, num gesto intempestivo sem razões e não virá a ser chutado pelo Congresso do P. S. em Novembro.

Este sistema partidário de eleições para a Presidência da República mostra contas muito esquisitas. É suposto o Presidente da República ser o Presidente de todos os portugueses como eles gostam de afirmar, logo a seguir a serem eleitos, para disfarçarem o método que até ali os alcandorou, à mais alta magistratura da Nação... Nas alturas vertiginosas, tomam postura de Estado e, com ela, decisões que acham mais correctas, depois de ouvirem gente de todos os quadrantes. Não chega. Isso não chega. Eleito pelos partidos terá de estar ao serviço dos que o elegeram. Senão não vale.

Estávamos à espera de tudo menos desta reacção furibunda e que põe em relevo trágico o pouco que afinal representa um Presidente da República eleito por sufrágio universal. Não é presidente dos que se abstiveram, dos que votaram nulo ou em branco, dos que votaram noutros candidatos e até dos que o “elegeram” e, magoados, se revoltam com as suas decisões de chefe de Estado quando não coincidem com os seus interesses partidários.

Sampaio fez o que julgava poder fazer... Enganou-se?

Vamos retomar um velho slogan, de há anos e que está como novo. Ouçam, rapazes. “Monarquia é melhor”.

segunda-feira, julho 12, 2004

DESENVOLVIMENTO E PAZ

por Virgílio de Carvalho

A encíclica "Populorum Progressio" de 1967, do papa Paulo VI, alertou contra graves injúrias à dignidade humana, de que poderiam decorrer tentações de lhes pôr fim pela violência. O que, estando já a dar-se, pode levar muitos crentes a tomá-la por aviso divino. Entre os temas dela, constam os seguintes, cuja realização a actual era da globalização facilita: todo o homem tem o direito de encontrar na Terra o que lhe é necessário, pelo que é bom que aos povos da fome seja facultado o que precisam, na certeza de que tal não será fruto de generosidade dos ricos, mas do direito de todos usufruírem do que também lhes pertence; a actual questão social pede uma acção global de justiça; o Mundo está doente, sendo o seu mal falta de diálogo fraterno; "O desenvolvimento é o novo nome da paz" é a conclusão da encíclica.

A Europa foi pacificada e democratizada com o Plano Marshal de desenvolvimento económico. Já o plano do israelita Shimon Peres, prémio Nobel da Paz, para pôr fim à questão Palestina-Israel, em que este país seria locomotiva de desenvolvimento tecnológico e económico duma federação dos dois e da Jordânia, falhou, mas continua a parecer boa estratégia para evitar perigosas guerras no Médio Oriente e no Mundo.

Lembro-me de, finda a Guerra Fria, se ter falado duma associação não concretizada EUA-URSS - D. Barroso (DB) para desenvolver e pacificar a África Austral. Se DB (incitado por George W. Bush via Tony Blair, e com a promessa já feita por Jacques Chirac de a França ser fiel à OTAN), for eleito presidente da Comissão Europeia, poderá pugnar por uma nova ordem multipolar com a associação América do Norte-UE como pilar vital para equilibrar, desenvolver e pacificar o Mundo. Associação benéfica para a UE e para um Portugal cujo posicionamento central transatlântico, coesivo para o seu fragmentário território quase-arquipelágico, é vital para se desenvolver em segurança.

sexta-feira, julho 09, 2004

NOTA TRISTE

CARTA DO CANADÁ

por Fernanda Leitão


Henrique Mendes foi a sepultar no dia 9 de Julho. Tinha-lhe sido diagnosticado cancro um mês antes. Contra o que era a sua maneira de ser, saíu da vida sem se despedir de Portugal e dos amigos que tem espalhados pelo mundo. Não teve tempo. Por isso todos os amigos estão ainda mais desolados, porque a surpresa também destrói.

Não posso dizer que o Henrique Mendes e eu fomos amigos muito próximos. Mas estou em posição de saber que nos respeitávamos e estimávamos. Não me lembro de algum dia ter tomado uma refeição com ele, ao contrário do que, nos saudosos tempos da RINA, no Bairro Alto, sucedeu com Artur Agostinho – que ali ia uma vez por semana jantar com a rapaziada do RECORD, logo se misturando com os comensais diários (uma massa colorida e piadista de gente dos jornais, da rádio, da TV, do teatro, das cantigas, das touradas, das artes, do corpo diplomático, que só a paciência da Rina, a dona da casa, aturava com bonomia). O Artur Agostinho que os revolucionários prenderam alarvemente e empurraram para o exílio no Brasil. Não me lembro sequer de ter tomado café com o Henrique Mendes, como aconteceu com o Pedro Moutinho, outro grande senhor da rádio e TV que os revolucionários sanearam. Ou de termos conversado com um whiskey à frente no SNOB, essa outra praça forte dos jornalistas, como aconteceu com o Mário Meunier e a Luísa Pinho em noites inesquecíveis (e cuja lembrança hoje faz doer, quando penso que o Mário se suicidou em Washington, para onde a abrilada de 1974 o empurrou e onde anos depois chegou o braço comprido e horrendo da intolerância e da injustiça que certos “democratas” praticam).

E no entanto, o Henrique teve dois gestos de grande carinho por mim. Quando soube que eu vinha para Toronto, pediu-me que passasse pela Rádio Renascença, onde voltou a trabalhar depois de ter estado exilado no Canadá durante os quatro anos de maior loucura revolucionária. Para me dizer como era a cúpula desta comunidade portuguesa e me avisar, de modo claro, acerca de dois padres muito infelizes por terem enormes contas a prestar a Deus, já que é tenebroso pecado causar escândalo entre o povo e afastá-lo da sua Igreja por revolta ou desalento. Foi preciosa a informação e pude eu mesma avaliar in loco a extensão do estrago.

Muitos anos depois teve comigo outro gesto de carinho: mandou-me o seu livro, com uma muito afectuosa dedicatória. De vez em quando mandava-me um e-mail com uma graça ou com uma curiosidade.

Era assim o Henrique Mendes. Delicado, bom, cuidadoso com os amigos, sofrido sem se queixar, leal e sensato. E um grande profissional da televisão, um verdadeiro profissional pois que falava um português escorreito, era culto e elegante, não dizia palavrões nem era grosseiro ou vulgar, tratava com toda a cortesia os convidados dos seus programas. Era, em suma, o oposto de vários que trabalham na TV e rádio.
Quando a intolerância de meia dúzia de mentecaptos o empurrou para o exílio com a sua exemplar e talentosa mulher, a actriz Glória de Matos, o Canadá abriu-lhes os braços. Trabalharam ambos muito e muito bem nesta terra. Deixaram bom nome. Por isso pairam acima de intrigas e aleivosias cobardes que a ingratidão sempre gera. Foi um nosso amigo comum que lhes pôs fim ao exílio, o Raúl Solnado. Um socialista. Aponto este pormenor para que quem me lê perceba que já vi e vivi o suficiente para saber que há muita gente boa na esquerda e há muito bastardo à direita. Não quero saber de rótulos como nunca quis saber de partidos. Quero saber de pessoas com carácter, com palavra, com coração.
Temos ainda, o Henrique e eu, outro amigo comum muito querido, o Alfredo Marques da Costa, que por mais de 30 anos foi quadro superior da Canadian Pacific. O Santo Alfredo, como lhe chamam emigrantes, que ele tem ajudado aos milhares.

Posso medir, nesta hora triste, a desolação do Solnado e do Marques da Costa pela que sinto perante este desaparecimento tão rápido do Henrique Mendes.

Que ao menos o Céu nos garanta uma vasta nuvem para a tertúlia da eternidade. Amen.


quinta-feira, julho 08, 2004

AO CUIDADO DO DR. JORGE SAMPAIO...

por João Titta Maurício*


Exmo. Senhor Dr. Jorge Sampaio,

Nestes tempos de transição entre Governos (e que alguns querem apelidar de “crise”), muitas serão as solicitações e preocupações que, pelo cargo que ocupa, lhe são exigidas. Por isso, hesitei antes de atrever-me chamar-lhe à atenção para um conjunto de considerações e de ousar pedir-lhe que, rapidamente, obvie à propagação de “soluções” que, acredito, V. Exa. (como eu e muitos) considera erradas.

O nosso modelo governativo-constitucional é semi-presidencialista. Que se distingue dos sistemas parlamentares (onde a legitimidade do Governo decorre exclusivamente da vontade política do Parlamento, e ao Chefe de Estado não são cometidas competências que lhe permitam obstaculizar a escolha), e do sistema presidencial (onde há uma confusão entre a chefia do Estado e o exercício do poder Executivo, cabendo o poder Legislativo ao Parlamento, o qual não pode por aquele ser dissolvido).

Como saberá V. Exa., ambas as opções possuem virtudes e defeitos.

A opção parlamentar exclui o Chefe de Estado do processo de selecção do Governo, reservando-lhe meras tarefas protocolares de sancionar a decisão. Porém, porque o Chefe de Estado não pode, por motu proprio, dissolver o Parlamento, se neste não se encontrar uma solução governativa maioritária, estável e coerente, só o bom-senso do líder do partido mais votado poderá resolver esse “não regular funcionamento das instituições”!

Desse mal não sofre o sistema presidencial, pois a coincidência na mesma pessoa da chefia do Estado e do Governo impossibilita-o! Porém, como as competências típicas do poder legislativo por decreto são muito diminutas e limitadas, o sistema só funciona se houver compatibilidade e coerência entre a Presidência e a maioria parlamentar! Em caso de conflito, há impasse: nem o Presidente pode dissolver o Parlamento, nem este pode demitir o órgão que exerce o poder executivo... porque é o Presidente.

O sistema semi-presidencialista português procurou, racionalizando, obviar a estes problemas.

Faz o Governo depender de uma dupla legitimidade política: perante o PR e perante a AR. No primeiro, limitou o poder fiscalizador formal do PR à verificação da existência do «necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas». Perante a AR apenas se exige que esta não rejeite o programa do Governo ou não aprove uma moção de censura. Parece-nos que V. Exa. concordará – e, se sim, para evitar os males pretendidos pelo extremismo populista da esquerda, deve disso dar rápido conhecimento ao País –, que o sistema constitucional português opta claramente pela estabilidade. Que elege como decisiva a protecção à possibilidade de o país ter uma estável solução de Governo.

Mais: para obviar aos impasses típicos do sistema parlamentar com multipartidarismo, a CRP dotou o órgão PR do poder excepcional de dissolução da AR. Excepcional, porque o seu uso não pode ser banalizado pela frequência. Excepcional, porque sujeito à verificação de condições de circunstância, pois, salvo melhor opinião, se a demissão do Governo (órgão que não possui legitimação popular directa) está condicionada à verificação do «necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas», como compreender que fosse irrestrito o exercício do poder de dissolução da AR (órgão dotado de uma legitimidade que advém directamente do Povo)?

Por isso, manifesto a V. Exa. as minhas mais profundas dúvidas sobre a opinião daqueles que afirmam que, na presente situação política e de acordo com o actual sistema político, nomear um novo Governo ou dissolver a AR são opções que, nos pratos da balança, se encontram em equilíbrio de legitimidade jurídico-constitucional.

Aliás, a dissolução da AR sempre seria entendida como a “presidencialização” do regime e a comprovação da teoria de que a presidência seria um instrumento de tutela política ilegítima que a esquerda usaria para impedir o centro-direita e a direita de governarem segundo o apoio eleitoral que obtêm nas urnas!

E se o fundamento invocado (nem que ao de leve) fosse que em eleições legislativas se escolhem Primeiros-Ministros e não deputados, entrar-se-ia então no reino da “fulanização política” e a vitória da demagogia seria total! Seria a derrota da Democracia representativa (onde as decisões do Povo são tomadas a um tempo e o governo da “coisa pública” é por todos consentido e respeitado durante o período do mandato legítimo)! Seria retirar à AR o poder de co-participar na escolha e legitimação do Governo. Seria esvaziar as competências dos Deputados (os representantes do Povo). Seria subverter todo o nosso sistema constitucional. E seria a vitória da demagogia patrocinada pela extrema-esquerda e acolhida como boa por uma anacrónica esquerda soixante-huitard, que (juntos) procuram que as mais fundamentais decisões do país passem a ser encontradas com recurso à mais recente (e conveniente) medição em sondagens ou décibeis!

Senhor Dr. Jorge Sampaio, julgo que partilhará comigo a convicção de que os poderes presidenciais de excepção (como o é a dissolução da AR) são para serem usados... excepcionalmente! E não acredito que ache justificação de excepcionalidade bastante o haver uma maioria governativa, estável e coerente.

Uma maioria legítima, estável e coerente e que só compriu metade do tempo do mandato que o Povo lhe conferiu. Até porque julgo saber, que V. Exa. sabe, que todos os portugueses sabem... que, devido à situação de pântano que herdou, a actual maioria só pode cumprir a primeira parte das responsabilidades que assumiu ao não recusar, como outros, o governo de Portugal. E tenho a certeza que V. Exa., um conhecido adepto do nosso Sporting, não gostaria de ser recordado como o árbitro que decidiu em benefício do infractor...

Sinceramente, não creio que dê crédito à leviandade política de alguns que sugerem que V. Exa. , por razões pessoais e sem se verificar uma situação de excepcionalidade extrema, pode recusar um nome indicado pelo partido mais votado e pela maioria parlamentar que se propõe apoiar o elenco e o programa que por este fôr presente! Àqueles acredito que V. Exa. já terá esclarecido que o PR não tem um programa político alternativo à maioria parlamentar. E que tal transformaria o sistema num “quase modelo de chanceler” (onde a legitimidade do PM decorre apenas da confiança política do Chefe de Estado).

Também lhes deverá chamar à atenção que, se o Chefe de Estado recusasse a indigitação do nome indicado pela maioria, seria a ele que seria imputada a responsabilidade pela crise política decorrente. E que, se a maioria fosse mantida ou ampliasse o seu score eleitoral, não era às “pitonisas” mas ao PR himself, a quem a maioria sempre deveria pedir que analisasse e concluísse o que o Povo havia dito, e agisse em conformidade com o comportamento de humildade democrática que para tais ocasiões é exigido!

* titamau@netcabo.pt
Prof. Universitário

terça-feira, julho 06, 2004

DO ORÁCULO DA POLIS

Por Paulo Teixeira Pinto

As perguntas difíceis são as que concitam mais respostas. Assim também os maiores desafios são os que reclamam os homens melhores.

O maior segredo político de todos os tempos oculta-se sob uma única palavra: confiança. Mas o que pode levar alguém a confiar em outrem ao ponto de o escolher para mandar em si próprio?

Só há uma boa a razão para eleger um líder: conquistar e exercer o poder. Tudo o resto que venha a ser alcançado poderá ser muito meritório mas é evidentemente irrelevante para este jogo. E quem falha no essencial também não serve para o acessório.

Política é a distância que vai da mera gestão da conveniência pessoal ou tribal à real opção pelo bem comum. Assente isto, haja ânimo. Sem esquecer que também na política o exemplo é a melhor de entre todas as lições.

Há duas categorias de problemas que não devem interessar à política: aqueles que o tempo resolve e aqueles que nem o tempo resolve.

A política é talvez a única actividade humana em que a estupidez é tão ou mais perigosa e nociva do que a maldade.

Primeiro devem identificar-se os adversários políticos. Só depois se podem reconhecer os amigos. Porque só estes sabem que persistir significa fazer o que é devido. E que lealdade não quer dizer que sim a tudo.

No fundo comum que habita na universalidade dos homens, regista-se o facto de cada um se acreditar como diferente de todos os outros. Mas esta realidade óbvia esconde-se no labirinto das impossibilidades em que uns e outros sonhamos.

É na sua concepção antropológica, ou seja, na imagem que o homem político tem de si mesmo, que se funda o núcleo da missão que ele se propõe dedicar a toda a sociedade.

Nunca há guerras boas. Mas todas começam por ter as suas causas. Que, aos olhos de quem as empreende, as tornam úteis ou necessárias. Para alguns poderão até ser justas. Mas são sempre más. Especialmente quando se perde a memória do porquê de terem começado.

A geopolítica perde sempre quando o que está em causa é mais do que a terra, a riqueza ou a força.

Aquilo que mais distingue o homem não é apenas a sua capacidade para pensar mas também a sua liberdade para dar. Logo, o homem político é tanto mais humano quanto mais capaz for de, pela sua vontade livre, ultrapassar a condição bestial que o aprisiona como predador.

Sem dúvida que as paixões aquecem os fundos do coração. Mas toldam os contrastes da visão. E o brilho da compreensão. Na política e também no resto.

Nenhuma revisão de regime ou mudança de sistema poderá mais do que o respeito pelos adversários contribuir para o restabelecimento de uma credibilidade mínima da política.

Ensina a natureza humana que também a política goza de uma face dupla – enquanto uns se comportam bem porque acreditam que o bem existe, e aceitam-no como princípio natural, outros só o fazem se e enquanto não puderem escolher o mal.

Na política só um conselho é útil: não abrandar nunca o exercício do que se é suposto dever fazer, nem por mau tempo ou má sorte. Mesmo com o óbice da inconveniência ou a dor da contestação. Porque os compromissos estão para os interesses como as consequências para as causas.

Assim como as convicções de cada um não podem ser um dogma para os demais, também uma criatura sem convicções seria como uma palavra sem letras.

Consta da própria definição das regras do jogo político que não há nunca empates. Só há dois resultados possíveis: perder ou ganhar. E o que se ganha é sempre algo que a prazo, por natureza, estará também inelutavelmente perdido - o poder.

Nada há de mais transitivo do que a sublimação da glória efémera. Quando se trata do poder só uma inocência comovente ou uma ambição doente conseguem ignorar esta precariedade.

Caminho recomendado: em vez do desvio das dificuldades e adversidades óbvias, que qualquer um sabe dizer onde estão, seguir directamente contra tais obstáculos.

Quando a matriz do que está em causa é inconciliável, só a mera coexistência pacífica pode ser erigida em ambição cimeira. Mas esta não é ainda a paz desejável. E, no entanto, tal requisito, que fica aquém do desejo, permanece para além do provável.

Há concepções políticas tão úteis como um relógio parado – embora este pelo menos esteja certo duas vezes por dia.

Nem sempre se pode ter razão. Os erros são uma fatalidade. Mas em política deve sempre saber-se o que se quer e só querer o que se sabe ou pode fazer. As hesitações ou inflexões não são sinal de ponderação mas quase sempre da sua falta.

O exercício do poder também se aprende - havendo bom senso.

Até à data, nenhum político terá ficado conhecido como formiga ou abelha, em símbolo perene da sua natureza laboriosa. Mas muitos são reconhecidos enquanto membros de um género. Desde os cães de guarda, pela protecção que conferem aos seus donos, às víboras, pelo veneno que destilam e pela forma sinuosa como se movem. E também há camaleões, dadas as mudanças de tonalidade conferidas pelo ambiente onde se escondem. Sem falar dos falcões e das pombas. Mas o caso mais estranho é o de uns que se transformam em quase-ciclóstomos, bichos sem coluna.

Por razões com aparência de algum mistério, a imagem do poder surge invariavelmente associada ao cavalo. Seja qual for o perfil dos detentores desse poder ou o teor das suas políticas. A expressão é sempre correcta e, consequentemente, nunca muda – “o cavalo do poder”. É pacífico que não resultaria bem ouvir confessar a ambição de montar o “burro do poder” ou o “porco do poder”.

A realidade política nunca pode ser a preto e branco – porque o branco não existe, pois que é o conjunto de todas as cores.

A verdade da política não reside em nenhuma imagem – está na velocidade que lhes dá movimento.

É louvável viver com e para a política. É censurável sobreviver só da política.

Também na política não há nada mais difícil do que a simplicidade.

A mais nobre das dimensões a que a política pode almejar é aquela mesma que radica na defesa do Homem enquanto tal. Porque não pode haver em nenhuma agenda política algum tópico mais relevante do que a pessoa humana.

Cada dia, uma acção útil para todos, todos os dias.

Dilema permanente: pode ser conveniente o que é desnecessário; mas o necessário pode ser altamente inconveniente. Posto isto, à questão sobre o que se ganha com o procedimento de optar pelas atitudes necessárias, a resposta certa é: nada, absolutamente nada, custe o que custar, a não ser o respeito devido aos outros mas também a si próprio.

Não há políticos bons que não sejam pessoas de bem. E estas não mandam dizer por terceiros o que não podem dizer por si, nem se escondem sob o silêncio ou o anonimato, porque têm rosto e nome próprios.

Os resultados das eleições frequentemente cominam a condenação de muitas promessas. Em resultado desta sentença, está sempre a aumentar o clube dos políticos que têm um grande futuro atrás de si.

As evidências não se declaram – ou se reconhecem, ou não. Mesmos nos dias pouco propícios a tais pronunciamentos de carácter e de simples lucidez.

Como em qualquer actividade humana, em política tudo pode ser copiado. Tudo, menos o talento, a sensibilidade e a vontade.

Hoje, a informação pode ser de todos. A imaginação permanecerá para sempre como exclusivo de uns raros.

Quem não souber conhecer o sofrimento solitário poderá provavelmente sobreviver por si, mas não saberá certamente viver solidário para com os outros.

É nos princípios que residem os fins últimos da Política.

segunda-feira, julho 05, 2004

O LADO PELICANO DO HOMEM

Por Paulo Teixeira Pinto

I. Aquilo que mais distingue o homem não é apenas a sua capacidade para pensar mas também a sua liberdade para dar. Logo, o homem é tanto mais humano quanto mais capaz for de, pela sua vontade livre, ultrapassar a condição bestial que o aprisiona como predador. Daí resulta que o homem que se dá ao próximo está desde logo a doar uma benfeitoria primeira a si mesmo. E se o fizer com sacrifício próprio isso apenas quer dizer que foi capaz de se dar até para além do último limite. Isto é, aquele que o liberta da derradeira amarra à condição animal.

II. A mãe dos pobres aprendeu, da boca de um moribundo que lhe pendia dos braços, nas miseráveis ruas de Calcutá, que era possível viver como um cão para vir a morrer como um anjo. Por isso ensinou que o sentido único da vida não é outro que não o de dar. Dar quanto? A resposta foi clara: “dar até que doa”.

III. Na verdade, quando um homem é capaz de se dar com radicalidade, ou seja, até à raiz, essa atitude resulta do sofrido domínio da vontade sobre o instinto. Mas é aí, nesse preciso instante em que se alcança aquela prevalência, que a capacidade para pensar se funde com a liberdade para dar. E enquanto dura tal momento o homem é-o plenamente, deixando de ser só um animal racional.

IV. Porque não acredito no mito do bom selvagem, tenho uma concepção pessimista do estado humano natural. Não é, evidentemente, a sociedade que perverte o homem, ao invés do que julgava a ingenuidade iluminista. Mas é devido aos outros, mais do que a si próprios, que os homens modernos são animais domesticados e não puros selvagens. Ainda e sempre capazes de todos os horrores, com toda a certeza. Mas também, por vezes, capazes da generosidade. E são estas oportunidades, mesmo que raras, que fazem toda a diferença. Tenho por isso, apesar de tudo, uma atitude optimista perante a vida.

V. Mas mesmo quando procura o bem, o homem só o faz, normalmente, porque foi educado para tal ou porque atendeu a uma inclinação para aquilo que o transcende. Ao contrário do pelicano, a quem a simbologia profana ou sagrada venera pela sua natural apetência para o sacrifício de si em benefício de outrem. Porque quando o pelicano bica a própria carne para dar de comer às crias do seu sangue, não o faz por sacrifício. É assim a sua natureza. E esta é, nessa medida, superior à do bom selvagem que se julga naturalmente bom.

domingo, julho 04, 2004

DE PORTUGAL AO SANTANAL

Por José Adelino Maltez


Depois da ilusão de chegarmos ao céu, voltámos ao purgatório, e corremos o risco do inferno, neste day after de um Euro 2004, onde, apesar de tudo, Barroso, já sem Durão, mas com José Manuel, conseguiu vencer os luxemburgueses, através de uma táctica, mais chinesa do que brasileira, aproveitando a janela de oportunidade dessa coligação negativa que gerou a falta de comparência dos grandes e a ilusão dos vitorinos. Isto é, sem assumir a agressividade balofa dos pretensos tomba-gigantes, e mostrando um confuciano sorriso de plástico, quando estava a ser violentado, acabou por ir, de derrota em derrota, até à vitória final. Foi ele que foi! Não fomos nós, que não passamos de insignes ficantes.

Neste dia seguinte, os tais nós que não soubemos cultivar o espírito da Maratona que marca os donos do Olimpo, vamos, agora, ter que conjugar os nomes de Jorge Sampaio, Pedro Santana Lopes e Paulo Portas, procurando saber se o árbitro constitucional vai, ou não, adiar o inevitável jogo eleitoral. Porque, depois do fado, futebol, e fátima do Ancien Régime, com Amália, Eusébio e Salazar, ter sido, brevemente, substituído por Nelly Furtado, Filipão Scolari e Figo agarrado a uma imagem da Senhora de Fátima, apenas desejo que não se caia no original da monarquia napolitana, onde os três efes, eram, afinal, feste, frumento, forca...

Ora, se não subscrevo os comentários de José Pacheco Pereira sobre o actual presidente do PSD, nem por isso simpatizo com a solução da cadeira do poder que ameaça partir-nos a cabeça, sem cheque de compensação e com o risco dos cobradores do fraque. Apesar de nada me mover pessoalmente contra o edil lisboeta, habitual semeador de palmeiras na Figueira e de buracos na Rotunda, não posso deixar de reconhecer que ele não passa de uma ilusão, dado tratar-se de mera consequência do actual paralelograma de forças vivas que nos enreda. Apesar de lhe reconhecer inteligência, intuição, faro político e inegáveis capacidades comunicativas, bem como franca originalidade, considero que ele pode sul-americanizar a nossa democracia, misturando o estilo de Carlos Menem com algo de Color de Melo.

Se o presidente Sampaio, virando rainha de Inglaterra, permitir que esse modelo de direita sem princípios, sem futuro e sem moral assuma a liderança do país, desconfio que será facilmente domada uma direita sociológica ávida de forças motrizes que, em nome da acção, desprezará o pensamento e os valores.

Pedro Santana Lopes, produto de um PPD profundo e histórico, revela a originalidade de quem assenta na rede da aristocracia partidária local, num aparelhismo que vem de baixo para cima e não das habituais nomenclaturas aparelhísticas dos barões centrais. Sendo mais homem de terreno que de secretaria, assente no vitalismo predador dos jotas, é natural que tenha sido imediatamente estimulado por Alberto João Jardim, Luís Filipe Menezes e Pinto da Costa. Apenas faltou Avelino Ferreira Torres e Fátima Felgueiras e quem o convidou para director da Amostra, sucedendo a Paulo Portas.

Mais grave foi que tenham vindo a público os apoios de formas inorgânicas da recente união dos interesses económicos, desse patronato da economia mística, sempre ávido de feitores que sejam capazes de controlar a sede de justiça dos povos, dando-lhes circo e a ilusão de pão e luxo, de acordo com o ritmo desta sociedade de casino.

Com efeito, neste ambiente de utilitarismo que Cavaco Silva semeou, proclamando que tem razão quem vence, torna-se grave que as encenações do Estado-Espectáculo acabem por prevalecer e que o Portugal político possa cair na tentação de Vale e Azevedo, face a este crescendo do indiferentismo e da apatia, aliado ao assustador desenvolvimento da corrupção e do clientelismo.

Apenas espero que um presidente eleito por sufrágio directo e universal não queira transformar-se num venerando manequim não fardado, como Carmona. Não me apetece ver grego, admitindo cavalos de Tróia na cidade. Prefiro resistir, estar de acordo comigo mesmo, ainda que esteja em desacordo com a maioria. Não é por só haver doentes no mundo que a saúde deixa de ser um bem...

sábado, julho 03, 2004

O BÚZIO DE CÓS

Este búzio não o encontrei eu própria numa praia
Mas na mediterrânica noite azul e preta
Comprei-o em Cós numa venda junto ao cais
Rente aos mastros baloiçantes dos navios
E comigo trouxe o ressoar dos temporais

Porém nele não oiço
Nem o marulho de Cós nem o de Egina
Mas sim o cântico da longa vasta praia
Atlântica e sagrada
Onde para sempre minha alma foi criada

Junho 95

Sophia de Mello Breyner Andresen

quinta-feira, julho 01, 2004

O DESAFIO

Por Teresa Maria Martins de Carvalho

Nunca escrevi sobre futebol. Não vou ao futebol e nem o sigo na televisão ou muito menos ouço os relatos na rádio, em sonolentas tardes de Domingo. Não sei distinguir um centro de um fora de jogo. Só sei o que é um golo que é para se ganhar ou perder. Quero que ganhe Portugal (ou o Sporting...), é evidente. Mais nada.

Mas hoje escrevo. Com estes triunfos nacionais, endeusando atletas do pontapé na bola para a meter na tenda de rede, diante da qual está um fulano, cheio de angústia antes do penalty, alguma gente há, “superior às outras”, que desdenha as alturas a que chegou, no mundo, tal prática tão pouco interessante e profunda. É apenas um recreio popular, sem grande valor (apesar de manusear milhões...). Enfim, circo. Uma distracção para a plebe que não é exemplo a dar à juventude que sobe. Ser “estrela” não é meta de vida que se aconselhe a ninguém. O reverso da medalha que acompanha o “estrelato” mediático, sabendo nós a curta vida útil do atleta, pode ser terrível, com problemas de alcoolismo, depressão ou droga. Felizmente há o Figo e o Victor Baía que ajudam as crianças em perigo. Estes gestos que muitos tomam como propaganda (ah! A inveja...), aliás pegados a todas as figuras públicas mas que chamam tecnicamente de “promoção” como para os detergentes, são sempre, no entanto, gestos úteis e generosos.

Mas aqui a verdade é outra. Por menos que me interesse o futebol, há características suas, aliás semelhantes às de muitos outros desportos, que são exemplos a dar, urgentemente, à nossa juventude, a todas as juventudes e não só...

Em primeiro lugar, vem à tona da fala, o treino. Só o que esta palavra revela de disciplina, esforço, persistência, valorização pessoal, verdade (não vale a dopagem!). Vem depois, em campo, a necessidade de espírito de equipa. Já se cá sabe que uma equipa formada só por “estrelas” não leva a sítio nenhum. Logo, a humildade.

É certo que esta mão-cheia de qualidades se requerem para uma finalidade, por tanta gente considerada menor... Ou seja consiste em meter mais vezes a bola na baliza do adversário do que na nossa e ganhar o jogo. Estou a lembrar-me dos gregos que tanto glorificavam os seus atletas (Píndaro e C.ia tão bem traduzido, agora, para português). O jogo não é uma distracção vulgar pois até serve de locus philosophiae a alguns filósofos que sobre ele dissertaram, desde apontando a recriação da eternidade (o vai-vem do balouço infantil...) como pensa Gadamer até ao domínio necessário da violência social, sempre latente entre os homens, transpondo-a para uma actividade lúdica, inofensiva, opinião mais corriqueira mas nem por isso menos verdadeira.

E depois o desafio que é a meta da coragem. Nem sempre estes desafios são... Ora! Viva Portugaaaaaal !