domingo, julho 04, 2004

DE PORTUGAL AO SANTANAL

Por José Adelino Maltez


Depois da ilusão de chegarmos ao céu, voltámos ao purgatório, e corremos o risco do inferno, neste day after de um Euro 2004, onde, apesar de tudo, Barroso, já sem Durão, mas com José Manuel, conseguiu vencer os luxemburgueses, através de uma táctica, mais chinesa do que brasileira, aproveitando a janela de oportunidade dessa coligação negativa que gerou a falta de comparência dos grandes e a ilusão dos vitorinos. Isto é, sem assumir a agressividade balofa dos pretensos tomba-gigantes, e mostrando um confuciano sorriso de plástico, quando estava a ser violentado, acabou por ir, de derrota em derrota, até à vitória final. Foi ele que foi! Não fomos nós, que não passamos de insignes ficantes.

Neste dia seguinte, os tais nós que não soubemos cultivar o espírito da Maratona que marca os donos do Olimpo, vamos, agora, ter que conjugar os nomes de Jorge Sampaio, Pedro Santana Lopes e Paulo Portas, procurando saber se o árbitro constitucional vai, ou não, adiar o inevitável jogo eleitoral. Porque, depois do fado, futebol, e fátima do Ancien Régime, com Amália, Eusébio e Salazar, ter sido, brevemente, substituído por Nelly Furtado, Filipão Scolari e Figo agarrado a uma imagem da Senhora de Fátima, apenas desejo que não se caia no original da monarquia napolitana, onde os três efes, eram, afinal, feste, frumento, forca...

Ora, se não subscrevo os comentários de José Pacheco Pereira sobre o actual presidente do PSD, nem por isso simpatizo com a solução da cadeira do poder que ameaça partir-nos a cabeça, sem cheque de compensação e com o risco dos cobradores do fraque. Apesar de nada me mover pessoalmente contra o edil lisboeta, habitual semeador de palmeiras na Figueira e de buracos na Rotunda, não posso deixar de reconhecer que ele não passa de uma ilusão, dado tratar-se de mera consequência do actual paralelograma de forças vivas que nos enreda. Apesar de lhe reconhecer inteligência, intuição, faro político e inegáveis capacidades comunicativas, bem como franca originalidade, considero que ele pode sul-americanizar a nossa democracia, misturando o estilo de Carlos Menem com algo de Color de Melo.

Se o presidente Sampaio, virando rainha de Inglaterra, permitir que esse modelo de direita sem princípios, sem futuro e sem moral assuma a liderança do país, desconfio que será facilmente domada uma direita sociológica ávida de forças motrizes que, em nome da acção, desprezará o pensamento e os valores.

Pedro Santana Lopes, produto de um PPD profundo e histórico, revela a originalidade de quem assenta na rede da aristocracia partidária local, num aparelhismo que vem de baixo para cima e não das habituais nomenclaturas aparelhísticas dos barões centrais. Sendo mais homem de terreno que de secretaria, assente no vitalismo predador dos jotas, é natural que tenha sido imediatamente estimulado por Alberto João Jardim, Luís Filipe Menezes e Pinto da Costa. Apenas faltou Avelino Ferreira Torres e Fátima Felgueiras e quem o convidou para director da Amostra, sucedendo a Paulo Portas.

Mais grave foi que tenham vindo a público os apoios de formas inorgânicas da recente união dos interesses económicos, desse patronato da economia mística, sempre ávido de feitores que sejam capazes de controlar a sede de justiça dos povos, dando-lhes circo e a ilusão de pão e luxo, de acordo com o ritmo desta sociedade de casino.

Com efeito, neste ambiente de utilitarismo que Cavaco Silva semeou, proclamando que tem razão quem vence, torna-se grave que as encenações do Estado-Espectáculo acabem por prevalecer e que o Portugal político possa cair na tentação de Vale e Azevedo, face a este crescendo do indiferentismo e da apatia, aliado ao assustador desenvolvimento da corrupção e do clientelismo.

Apenas espero que um presidente eleito por sufrágio directo e universal não queira transformar-se num venerando manequim não fardado, como Carmona. Não me apetece ver grego, admitindo cavalos de Tróia na cidade. Prefiro resistir, estar de acordo comigo mesmo, ainda que esteja em desacordo com a maioria. Não é por só haver doentes no mundo que a saúde deixa de ser um bem...

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