LÁ FORA, CÁ DENTRO
Por Paulo Teixeira Pinto
1. A Suécia é um país atrasado. Em todos os domínios. Além de ter pouca cultura democrática, é pobre, como qualquer indicador sobre os seus padrões de qualidade de vida pode demonstrar à saciedade e com a maior simplicidade. Já todos o sabiam. O que permanecia ainda desconhecido era o ponto até onde poderia descer também o seu grau de ingratidão. Agora viu-se: é igual ao dos dinamarqueses, um pouco melhor do que os irlandeses e quase tão mau como o dos noruegueses. Expliquemo-nos melhor. Não chega sequer ao nível dos irlandeses porque estes, apesar de pouco discernidos, como se viu quando rejeitaram por referendo o Tratado de Nice, ao menos numa segunda oportunidade que lhes foi concedida – aliás, sem mérito próprio - lá acertaram no resultado correcto. De resto, até nem precisaram de nenhum referendo para adoptar o euro. Quanto aos suecos, nem mesmo disso há a certeza de vir a acontecer. Abra-se aqui um oportuno parênteses para reiterar os perigos e malefícios do referendo – é tudo muito bonito no papel, democracia, soberania popular, participação cívica, aproximação aos eleitores respeito pela cidadania e coisa e tal, mas depois, no fim de tudo, vai-se a ver e é isto: sai quase sempre asneira. E pensar que ainda há quem queira fazer um referendo em Portugal. Era bom, era. Bom, voltemos à espessura dos suecos. A verdade é que também não chegaram ao limite da indecência da Noruega, que em referendo (lá está, é sempre a mesma coisa…) rejeitou já por duas vezes pertencer à União Europeia – o que só demonstra que o seu povo, apesar de deter o mais elevado nível de vida em todo o mundo, não tem o mínimo dos mínimos respeitos por pessoas que são dignas da maior dedicação, justa admiração, sincero louvor, penhorada gratidão, eterno reconhecimento e merecida veneração. Quais são elas? Pois são de tal modo conhecidas de todos os verdadeiros bons europeus que bastaria dizer que nem um Jacques Santer os suecos mereciam, quanto mais sonharem em algum dia poderem vir a pertencer a uma Europa Unida presidida por um lenda viva da estirpe de um Valery Giscard. Mas a Política também pode ser um exercício de superioridade moral. Por isso, com base nesta autoridade, e apesar da tacanhez nunca suficientemente censurada do povo sueco, a Comissão Europeia já afirmou, numa prova de incrível generosidade - assim respondendo com insuperável magnanimidade ao insulto popular dos inqualificáveis suecos - que, apesar do resultado do referendo, aquele país «vai manter vivo o projecto do Euro». Por isso, para o ainda seu e nosso Presidente, o brilhante e amado Romano Prodi, o resultado do referendo foi mera consequência «do medo da novidade», do desconhecido que representa esta escolha, «que existe na opinião pública, em especial nos sectores mais simples». Diga-se só, em abono da verdade, que aqui houve um pequeno lapsus linguae (como bem comprovado está, estes lapsos só acontecem aos melhores de entre os melhores), pois que, sendo a simplicidade uma qualidade, o que Sua Excelência o Senhor Presidente da Comissão Europeia quis dizer era “nos sectores mais atrasados, ignorantes e estúpidos, que infelizmente são a maioria”.
2. Esta semana passaram exactamente 706 (setecentos e seis) anos sobre a celebração do Tratado de Alcanizes. Como já foi há algum tempo, recorde-se sumariamente do que aquele tratou: em 12 de Setembro de 1297, o Rei D. Dinis assinou com o Rei de Castela um acordo formal - o sobredito tratado - pelo qual se fixou a fronteira entre os dois Estados peninsulares, sendo reconhecida a soberania portuguesa sobre os territórios e povoações de Riba-Côa, Ouguela, Campo Maior e Olivença. Os limites assim estabelecidos jamais sofreram qualquer alteração, deste modo se constituindo a mais antiga e estabilizada fronteira nacional da Europa. Sucedeu, porém, que o estado espanhol veio a ocupar em 1801 a vila portuguesa de Olivença. Até à data presente. Apesar das determinações e acordos internacionais, nomeadamente do Tratado de Viena de 1815. Com o silêncio cúmplice de toda a gente. Toda? Bem, na verdade, realmente nem toda. Uma associação de cidadãos - o Grupo dos Amigos de Olivença [olivenca@olivenca.org / www.olivenca.org ] - que não abdicaram do exercício dos seus inalienáveis direitos de intervenção pública, continuando o testemunho de tantos nomes que pugnaram pela causa de Olivença, como foram os casos de Hernâni Cidade, Jaime Cortesão, Queiroz Veloso, Torquato de Sousa Soares, Humberto Delgado e Miguel Torga, reclama-se, muito simplesmente, daquela que é a posição jurídico-política portuguesa, com cobertura constitucional: Portugal não reconhece legitimidade à ocupação de Olivença por Espanha, considerando que o território é português de jure. Parece estranho não parece? A CIA acha que não, pelo que acabou de qualificar a disputa por Olivença ao mesmo nível de outras querelas internacionais. Assim, os serviços secretos norte-americanos incluíram pela primeira vez no seu relatório anual sobre disputas internacionais o diferendo pela posse territorial de Olivença. Naquele documento, tanto no índice de conflitos de Portugal como no de Espanha, é referido que Portugal "reclama periodicamente os territórios à volta da cidade de Olivença, Espanha", há dois séculos ocupado à margem dos tratados internacionais.
3. Na Guiné-Bissau o inevitável aconteceu, por fim. Esperemos que o silêncio internacional sobre os desmandos e desvarios que aquele país nosso irmão sofreu ininterruptamente ao logo das últimas décadas não seja quebrado apenas por cínicas declarações de circunstância, do tipo das que fez o secretário executivo da CPLP. É que é muito fácil afirmar que se “condena a rotura institucional e apela aos militares, às forças políticas e à sociedade civil guineense que encontrem pela via do diálogo as soluções para os problemas do país», quando aquilo em que a “normalidade” se transformou, naquele País, não passava, de maneira nenhuma, da mais pura e completa das anormalidades. E esta não podia deixar de merecer o repúdio de todos os que revejam nos outros os direitos humanos que dizem partilhar. A hora é de mudança para aqueles nossos irmãos. Haja esperança, até porque pior já não parece possível.
(nota: este texto foi escrito e publicado, pela primeira vez, em Setembro de 2003)
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