sábado, junho 05, 2004

OS MÁRTIRES DA GUERRA CIVIL NA ESPANHA

Por Alfonso Carrasco Rouco
Faculdade de Teologia «San Dámaso»
Madrid


A história precedente à guerra civil espanhola, particularmente os fatos sucedidos durante a revolução de 1934, junto com o início de uma destruição sistemática da Igreja, em suas pessoas e nas formas de sua presença pública --desde o patrimônio artístico até suas obras caritativas ou sociais--, desde os primeiros dias da guerra civil, permitiram chegar à conclusão da existência de programas «políticos» objetivando o desaparecimento da Igreja na nova sociedade espanhola.

O primeiro ano da guerra, iniciada julho de 1936, converteu-se assim em um período de perseguição absolutamente extraordinária, em que se buscou a morte daquelas pessoas que eram o sustento da Igreja e, portanto, em primeiro lugar, o clero; mas onde morreram também muitos religiosos e fiéis leigos, particularmente aqueles que se haviam vinculado a movimentos ou atuações apostólicas católicas. Isso sucedeu em um ambiente carregado de ódio e propaganda; mas muitas vezes pôde perceber-se a frieza da decisão de matar alguém só por «ser sacerdote», e mais, se era apreciado e querido pelo povo.

Os números globais dos mortos pelo odium fidei na guerra civil espanhola não são conhecidos com exatidão, devido, sobretudo, à dificuldade do caso de muitos fiéis leigos. A existência de mortos por causas de outro gênero, políticas ou pessoais, dificulta também chegar à precisão plena. É possível, ao contrário, conhecer os números referentes ao clero e aos religiosos: ao menos 4.184 assassinados do clero secular, incluindo seminaristas, 12 bispos e um administrador apostólico, 2.365 religiosos e 283 religiosas. Assim, por exemplo, na diocese de Barbastro, de 140 sacerdotes ficaram 17; em Madri, morreram 30% do clero; em Toledo 48%. Em Valência, foram destruídos total ou parcialmente 2.300 templos; em Barcelona, foram atingidos todos menos dez, etc.

Os processos para o reconhecimento oficial destes mártires da Igreja na Espanha continuam seu curso. Sua presença e testemunho, contudo, fundamentaram o renascer da Igreja após a guerra e aproximaram a sociedade espanhola da graça da reconciliação.

Pois seu testemunho se inscreve muito nitidamente no drama então vivido na Espanha. Muitos sofreram e morreram dedicando suas últimas palavras a Cristo Rei, único verdadeiro Senhor, em contraposição com as pretensões da Europa então e que, na Espanha, em formas comunistas ou anarquistas, pretenderam submeter suas consciências e fazê-las blasfemar de Deus e negar a Jesus Cristo. Outros dedicaram suas últimas palavras precisamente à misericórdia e ao perdão, em imitação do exemplo dado por Cristo na cruz e seguido já pelo primeiro mártir, Santo Estevão. Muitos testemunharam até o final seu amor à própria vocação e à Igreja, não querendo abandonar sua missão, permanecendo ao lado de seus irmãos no perigo, despedindo-se deles com fé e esperança firmíssima de encontrar-se de novo na vida verdadeira dos céus.

Em tudo isso, deram de muitos modos o testemunho maior de amor ao Senhor, pondo de manifesto a grandeza de sua graça, que triunfava em sua humana debilidade, assim como a profundidade das raízes de sua fé, que pôde florescer assim na perseguição e cuja fortaleza confortou e sustentou a fé de muitos outros. E deram um testemunho decisivo de amor aos irmãos, aos amigos e aos inimigos. Deste modo, seu martírio se converteu em uma luz extraordinariamente necessária para que a Igreja e, com ela, a sociedade espanhola encontrassem em meio de tão grande obscuridade o caminho da reconciliação e da paz.

Esta multidão de mártires constitui até o dia de hoje para a Igreja na Espanha motivo de grandíssima alegria e de agradecimento ao Senhor, que salva os simples e humildes, enaltecendo-os de modo admirável; que levanta o desvalido, humilhado, dolorido e morto à glória maior, unindo-o a Ele mesmo; a pedra que rejeitaram os construtores é agora a pedra angular, na edificação da verdadeira cidade dos homens, a Jerusalém que vem de cima, lugar de liberdade e de vida vitoriosa sobre a morte.


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