domingo, fevereiro 22, 2009

Espanha atrasou canonização

ANA TOMÁS RIBEIRO

Religião. Bento XVI anunciou ontem a canonização de D. Nuno Álvares Pereira. "Desde a restauração da independência de Portugal que os espanhóis o passaram a ver o condestável com maus olhos", diz D. Duarte de Bragança, seu descendente. Um factor que atrasou o processo, tal como a guerra colonial

D. Nuno passará a santo em cerimónias em Fátima ou Vila Viçosa

"A partir da restauração da independência de Portugal os espanhóis passaram a ver D. Nuno Álvares Pereira com maus olhos. E esta foi a grande razão pelas qual o processo de canonização nunca foi para a frente. " Quem o diz é D. Duarte de Bragança, descendente do Condestável e um dos grandes promotores da causa, que de acordo com as suas próprias palavras terá desenvolvido, a partir de 2000, contactos com as igrejas espanhola e portuguesa, para que esta fosse reconhecida e o processo avançasse. Contudo, reconhece, a guerra colonial, nos anos 60 também terá dado um contributo para os atrasos neste processo, que se arrastou durante décadas, porque D. Nuno Álvares Pereira era um militar.

Ontem a causa atingiu o seu fim. O Papa Bento XVI anunciou a canonização de dez beatos, entre os quais o português Nuno de Santa Maria Álvares Pereira, de acordo com um comunicado do Vaticano. Nuno Álvares Pereira integra, ao lado de quatro italianos, o primeiro grupo, que será canonizado no dia 26 de Abril próximo.

O guerreiro e carmelita Nuno Álvares Pereira, que viveu entre 1360 e 1431, já fora beatificado em 1918 por Bento XV. Mas só nos últimos anos, a Ordem do Carmo (em que ingressou em 1422), em conjunto com o Patriarcado de Lisboa, decidiu retomar a defesa da causa da sua canonização. E o processo foi reaberto a 13 de Julho de 2004, nas ruínas do Convento do Carmo, em Lisboa, em sessão solene presidida por D. José Policarpo. Uma cura milagrosa reconhecida pelo Vaticano, relatada por Guilhermina de Jesus, uma sexagenária natural de Vila Franca de Xira, que sofreu lesões no olho esquerdo, por ter sido atingida com salpicos de óleo a ferver quando estava a fritar peixe, foi o passo final.

Apesar dos atrasos, D. Duarte considera que a canonização de D. Nuno Álvares Pereira chegou no momento certo. "Porque os valores que ele defendia, como o amor pelos adversários, a tolerância religiosa e a defesa da pátria, estão nesta altura a precisar de ser realçados".

D. Duarte recorda ainda que o processo de canonização esteve para ser concluído por decreto durante a segunda Guerra Mundial, pelo Papa Pio XII, mas o Governo português da altura não aceitou por considerar que não teria o mesmo valor.

Agora, a Fundação D. Manuel I está a promover "uma peregrinação ao Vaticano" para assistir à cerimónia da sua canonização, diz o descendente da família rela portuguesa. Mas D. Duarte quer também que se realizem no mesmo dia cerimónias em Fátima e em Vila Viçosa. Esta, por ser um local a que o Santo Condestável estava muito ligado, tendo lá mandado construir uma igreja. E em Fátima, por ser um local de culto, mas também porque a vila pertence ao concelho de Ourém e D. Nuno Álvares Pereira era conde de Ourém, salienta D. Duarte. Com Lusa

in DN

sábado, fevereiro 21, 2009

Faz de conta

CARTA DO CANADÁ

Fernanda Leitão

É Carnaval na minha terra e estou cansada de tanta coisa séria nos jornais e na TV. À falta de máscaras e de corso, apetece-me imaginar uma história picaresca.
Chama-se Lélé e desde que se conhece como gente, na ilha rodeada de mar bravo, quis ser diplomata. Não porque conhecesse algum diplomata ou algum houvesse na família, que era de lavradores e emigrantes, mas por ter lido um romance que lhe passou a ideia de a diplomacia ser coisa de palácios e vénias, cerimoniais e segredos de estado. Se bem o acreditou, melhor o concretizou, através de cunhas e mais cunhas, num rapapé perseverante.
Um dia, magricela sem graça e com poucas maneiras, viu-se cônsul num país importante. Ao ver como se vergavam diante dela os emigrantes do seu país, atavicamente temerosos de tudo quanto cheire a serviços do governo, sentiu-se, como dizem os brasileiros, a Raínha da Cocada Preta. Enfunou que nem uma vela ao vento. Passou a tratar à patada todo e qualquer tuga que lhe passasse por perto, fosse ele residente no local onde reinava, fosse funcionário enviado pelo governo de Lisboa. Mas, manhosamente, fazia-se mansa como um cordeirinho diante do embaixador, não fosse ele reportar sobre ela. Ora, como os tugas são, historicamente, de comer e calar, a Lélé reinava na maior impunidade. Fazia o que muito bem queria, e aliava-se ao lado mais corrupto da administração, como ficou demonstrado pela sua íntima amizade com uma governante divertida que misturava o conhaque com o trabalho.
O tempo encarregou-se de lhe toldar o entendimento, de modo que passou a julgar seus súbditos os cidadãos do país de acolhimento. Quando, por dever de cargo, foi visitar um tuga na prisão, entrou por ali dentro, sem autorização, na postura de um tanque de guerra. A autoridade prisional cortou-lhe o passo e intimou-a a saír. A Lélé perdeu a paciência e a cabeça, berrou que era diplomata, que ninguém a podia proibir de coisa nenhuma. Os apelos ao bom senso só aumentaram o tom da peixeirada. O director da prisão, secamente, expulsou-a e garantiu-lhe que, se não saísse imediatamente, a prenderia. Comunicado o incidente aos serviços competentes pelo director da prisão, a Lélé foi considerada persona non grata. Dali a pouco tempo percebeu não ter sido convidada para uma cerimónia na embaixada, e foi aos ares, refilou. Mas caíu das nuvens quando a informaram de que não podia estar presente por terem sido convidadas individualidades do governo do país onde exercia as suas funções. Só então percebeu que o seu superior hierárquico já sabia da cena na prisão. E ficou varada de medo. Mas, determinada, imediatamente pôs a funcionar as suas cunhas.
Não lhe aconteceu nada. Terminou o mandato em paz e foi colocada num país ainda melhor. Porque, sendo ela uma personagem faz de conta, só este epílogo caberia num estado faz de conta. Um estado carnavalesco e de mascarada, de fórró e deixa andar.
E é isso que me deixa tão aliviada neste Domingo Gordo.

quinta-feira, fevereiro 19, 2009

Uma releitura de Dom João VI

Por Gastão Reis Rodrigues Pereira

Nosso objetivo é demonstrar que a figura caricata de Dom João VI como rei glutão, fujão e medroso não faz jus aos méritos desse grande príncipe. Na verdade, foi um dos maiores estadistas de sua época e do Brasil. Nota-se, felizmente e finalmente, que justiça começa a lhe ser feita por ocasião da comemoração dos 200 anos da chegada da família real portuguesa ao Brasil. Livros, eventos e debates estão permitindo que as luzes se façam.

É importante retroceder no tempo e ter claro o panorama europeu entre o final do século XVIII e início do XIX, período marcado pelo furacão da Revolução Francesa, seguido de outro chamado Napoleão. Pouco antes, entre 1750 e 1777, Portugal foi comandado pelo Marquês de Pombal que se empenhou na modernização, ainda que autoritária, do país, tendo tido a ousadia de enfrentar a influência asfixiante da Igreja Católica sobre quase todos os setores da vida laica portuguesa. Dom João VI nasceu em 1776, tendo vivido os 10 primeiros anos de existência nesse Portugal que buscava se livrar do atraso sob a batuta de Pombal. Após a queda deste em 1777, pessoas formadas por ele continuaram a exercer influência político-administrativa ainda que no geral o país estivesse novamente sob a poderosa influência do clero, beneficiado pela religiosidade extremada de Dona Maria I, que assumiu o trono após a morte do rei Dom José I. Para se ter uma idéia da mentalidade que se impôs, merece registro o fato de que a rainha, depois enlouquecida, não autorizou que se usasse a vacina já existente contra a varíola contraída pelo herdeiro do trono porque isso seria interferir nos desígnios da Providência Divina. E assim morreu o futuro rei de Portugal, criado sob o signo das luzes que Pombal lhe incutira. Dom João VI foi criado exposto a esses dois mundos: o da religiosidade extremada e carola e o do iluminismo europeu. E nunca se entregou totalmente a nenhum dos dois. Seu senso de equilíbrio nas horas críticas decorreu dessa dicotomia sempre presente em sua vida.

Posto isto, vamos avançar no tempo e verificar as condições objetivas em que se encontrava o país no início do século XIX. A melhor expressão que me ocorre é a do Portugal-mexilhão, literalmente espremido entre o mar, representado pelo poderio naval inglês, e o rochedo (terra), em que a França dava as cartas com seus exércitos imbatíveis até então. Este é um primeiro ponto a ser destacado: o ambiente muito hostil à tomada de decisões já que o país estava submetido àquele tipo de equilíbrio que os economistas definem como o do fio de navalha. Ou seja, qualquer passo em falso poderia ser fatal.

Nossa habitual capacidade de só enxergar o lado vazio do copo nos leva a ver no lento processo de tomada de decisão de Dom João VI apenas o homem de personalidade indecisa e protelatória, como se fosse realmente possível tomar decisões num estalar de dedos em situação tão delicada e difícil. Ele estava enfrentado dois gigantes ao mesmo tempo. A respeito de um deles, Napoleão, Wellington, que o venceu em Waterloo, dizia que ele sozinho valia 50.000 soldados em campo de batalha. Curiosamente, quando se trata da rainha Elizabeth II, que viveu no pós-guerra, num mundo bem menos tumultuado que o de Dom João VI, sua demora em tomar decisões é vista como a atitude de pessoa ponderada e equilibrada. Dois pesos e duas medidas para esvaziar ainda mais o nosso copo.

A idéia da transferência da sede do Império Português para o Brasil era antiga. O Marquês de Pombal foi mais um dos que compraram essa proposta. Ele havia aconselhado, em época bem menos tumultuada, a Dom José I a se transmigrar para o Brasil, onde estaria, segundo ele, o futuro de Portugal. As circunstâncias propícias só se deram naquele início do século XIX. Ao invés de se deixar paralisar pelo medo, Dom João VI fez uma retirada estratégica. Essa decisão tornou Portugal inconquistável mesmo que a metrópole fosse, como o foi, fisicamente ocupada. Mas a cabeça do Império Português estava erguida e a salvo, diferentemente da situação de vários monarcas europeus que caíram prisioneiros de Napoleão. Tanto assim o foi que este último disse que o Príncipe Regente português foi o único que o enganara. Sendo Napoleão quem era, temos que reconhecer que foi uma tacada de mestre de nosso príncipe.

Dom João VI veio para cá com o intuito de fundar um grande império, benéfico a todos, como foi comunicado ao povo português antes de partir para o Brasil. E se empenhou em cumprir a promessa.

Embarcaram com Dom João VI entre 10 e 15 mil pessoas. Nobreza, conselheiros reais e militares, juízes, advogados, comerciantes e suas famílias. E ainda médicos, engenheiros, bispos, padres, damas de companhia, pajens, cozinheiros e cavalariços. Falar apenas no lado corrupto da corte portuguesa, como se as demais européias fossem primores de honestidade, nos leva, mais uma vez à síndrome do lado vazio do copo, impedindo-nos de ver que o Brasil estava recebendo na época uma dose maciça de capital humano vital para nosso desenvolvimento. Isso para não falar de capital financeiro.

Dom João VI trouxe para cá cerca de 21 milhões de libras esterlinas, ou 80 milhões de cruzados, ou cerca de metade do meio circulante português. Sem contar os diamantes estimados na época em 100 milhões de dólares pelo cônsul americano em Lisboa. Caso não o fizesse, o general invasor Junot teria levado tudo para o tesouro francês, o que teria sido uma ajuda substancial ao esforço de guerra francês. A prova disso é que Junot derreteu e levou para Paris a prataria das igrejas deixadas no cais na correria de última hora da partida.

A chegada em salvador na Bahia ocorreu em 22 de janeiro de 1808. Não foi obra do acaso. Dom João VI precisava mais que nunca de um país unido em torno da Coroa portuguesa. Primeira medida: abertura dos portos às nações amigas. O Brasil deixa de ser colônia e passa a ser um país independente. Certamente o primeiro dos grandes benefícios resultantes de sua vinda. Aproveita e cria a Escola de Medicina de Salvador. A despeito dos pedidos, segue para o Rio de Janeiro, onde chega a 7 de março de 1808. Desembarca no dia 8, tendo uma recepção apoteótica pela população que o tocou profundamente. Mandou celebrar um Te Deum na Igreja do Rosário dos Homens Pretos. Ficou fascinado com os dotes musicais do Padre José Maurício, um mulato a quem prestigiou durante os 13 anos em que esteve aqui com uma pensão, não se deixando contaminar pelos fortes preconceitos raciais europeus.

No Rio de Janeiro, aquele príncipe “lerdo” passa a agir como um furacão. Os ares do Novo Mundo lhe fizeram bem. Merece registro sua equipe de trabalho, em especial o ultra-competente Dom Rodrigo de Souza Coutinho, o futuro Conde de Linhares, afilhado do Marquês de Pombal. Foi ele, Pombal, que, como Ministro dos Negócios Estrangeiros, se aproximou da elite brasileira, mandando brasileiros estudar na Universidade de Coimbra, entre eles nosso José Bonifácio de Andrade e Silva. Isto desmente uma visão um tanto simplista que via na corte portuguesa a mais atrasada da Europa na época. O espírito de Pombal continuava a vagar pela corte até mesmo pela proximidade no tempo histórico.

Merece registro a obra de Dom João VI no Brasil: criação de escolas superiores (medicina no Rio e na Bahia), inclusive escolas militares, entre elas a naval; bibliotecas no Rio de Janeiro, 60.000 volumes da chamada Biblioteca dos Reis, vinte vezes maior na época do que a do Congresso Americano, oriunda dos 5.000 livros de Thomas Jefferson, e na Bahia para onde enviou acervo de porte para a Faculdade de Medicina de Salvador, que dobrou de tamanho na época; criação do Arquivo Nacional; implantação do Jardim Botânico, onde aclimatou inúmeras espécies através de pesquisas sistemáticas; apoio e proteção a patentes de invenções; abertura de inúmeras estradas, interligando o país por terra; imprensa régia; autorização para a circulação de jornais; a criação de uma escola para moças; bolsas de estudo para estudantes pobres; a já mencionada abertura dos portos às nações amigas; incentivo à implantação de novas fábricas (pólvora, fundições, etc.), suspendendo a proibição formal de indústrias no país que só durou de 1785 a 1808 e ainda a revogação de privilégios concedidos a reinóis. Enfim, ele criou uma Nação, dotando-lhe das instituições indispensáveis para tanto, dentre elas a unidade linguística ainda não consolidada. Imitar o falar da Corte virou moda generalizada.

Cabe aqui um momento de pausa. Dom João VI não nos legou apenas o lado material (na época, nossa renda per capita se equiparava à americana), trazendo para cá metade do meio circulante português e ainda os diamantes que daqui saíram, mas ele nos legou sobretudo instituições.

Mas, afinal, o que são instituições em linguagem cristalina? Douglas North, prêmio Nobel em economia, nos responde: “Instituições são as restrições estabelecidas por nós de forma a estruturar a interação humana. Elas são constituídas de restrições formais (regras, leis, constituições), informais (normas de comportamento, convenções e códigos de conduta auto-impostos) e suas características impositivas. Em conjunto, as instituições definem a estrutura de incentivos das sociedades e, especificamente, das economias. As instituições e a tecnologia empregada determinam os custos de transação e transformação que se somam aos custos de produção.”

Para se ter noção de como a questão institucional pesa na explicação do padrão de vida e riqueza de um povo, basta citar um estudo recente e conclusivo da ONU. Esta pesquisa, de alcance mundial, demonstra que, atualmente, 77% da riqueza produzida no mundo são explicados pelo capital intangível (capital humano e qualidade das instituições formais e informais de um país) contra apenas 5% dos capitais naturais (recursos naturais) e 18% dos chamados capitais produtivos (bens de capital: máquinas e equipamentos).

Este estudo diz muito sobre o legado de Dom João VI e os efeitos de longo prazo dos 13 anos em que ele aqui viveu e nos governou. Ainda que tenha levado de volta apenas 5 dos 22 milhões de libras esterlinas ao retornar a contragosto a Portugal, não é este o ponto crítico da questão. O cerne do processo de crescimento sustentável, como vimos, passa básicamente pelo acúmulo de capital intangível. Concretamente, no caso brasileiro, isso se manifestou de diversos modos. Das 15 mil pessoas que vieram com ele, apenas 5 mil o acompanharam na viagem de volta. A qualidade dos homens públicos, como José Bonifácio e muitos outros, oriundos da corte joanina, deram o tom do primeiro e segundo reinados. Eles foram importantíssimos para dar respaldo político-administrativo ao jovem Imperador Dom Pedro I. Deles partiu a implementação da idéia genial do Poder Moderador inserida em nossa constituição imperial. Era o pouvoir royal de Benjamin Constant, o suíço, que existe na prática até hoje nos países europeus como instrumento indispensável para debelar crises. Quer em monarquias, quer em repúblicas européias, as chefias de Estado e de governo são poderes independentes, com o primeiro entrando em ação como poder moderador quando surgem as crises, como já ocorreu na Espanha na rebelião militar golpista sufocada pelo rei Juan Carlos.

Outro legado de valor inestimável foi a manutenção da integridade do território nacional. Historiadores são quase unânimes em afirmar que o Brasil teria quase que certamente se fragmentado em 4 ou 5 países sem a vinda de Dom João VI. A união econômica (e política, no futuro) dos países europeus hoje dá bem a medida do acerto em nos mantermos unidos em um único país. As vantagens econômicas da união são evidentes.

Estes mesmos homens prepararam outros como o Marquês de Itanhaém, tutor de Pedro II por 7 anos contra apenas 2 de José Bonifácio. As primorosas Instruções aos preceptores de Pedro II, elaboradas por Itanhaém juntamente com Frei Pedro de Santa Mariana, resistem à passagem do tempo. Ainda hoje seriam atuais para educar nossa juventude. Elas nos permitem entender por que Dom Pedro II se saiu tão bem durante os quase 50 anos de seu governo constitucional e democrático.

Ainda no que tange aos efeitos de longo prazo da presença de Dom João VI no Brasil, há que se reconhecer que o poder moderador antecipou de quase um século o que poderíamos chamar de Princípio de Karl Popper, filósofo austríaco radicado na Inglaterra por muitos anos. Para Popper, o fundamental era que maus governos durassem pouco. E não que o poder, para atender ao interesse público maior, fosse exercido por aristocratas, trabalhadores, operários, poetas ou filósofos. A besteira e a corrupção são democráticas e podem contaminar qualquer classe social. A constituição imperial de 1824 tinha dispositivos que permitiam abreviar a vida de maus governos. Nenhuma de nossas constituições republicanas preservou este dispositivo tão saudável para manter em alta a autoestima dos brasileiros.

Não é surpreendente que o Brasil pudesse resolver em 24 horas, no século retrasado, uma crise como a do mensalão via queda do gabinete ou dissolução do congresso com convocação imediata de eleições, e que hoje se veja sem instrumentos legais para pôr a casa em ordem a não ser recorrendo ao primitivo golpe de Estado? Em países civilizados, um governo cai porque não detém mais a confiança do Parlamento ou este é dissolvido porque não é mais digno da confiança popular. Não se trata de ter que provar em juízo, como fazemos aqui, que o político A ou B prevaricou, postergando a punição para o Dia de São Nunca.

Para terminar, retomemos a visão simplista do glutão, medroso e fujão. Glutão ele era mesmo, mas isso nunca o impediu de exercer sua sagacidade. Outros estadistas europeus muito espertos também o foram. Quanto ao seu lado medroso, o que importa saber é se o medo o imobilizava. Certamente não foi este o caso tanto que se lançou aos riscos nada desprezíveis na época de uma travessia transatlântica para vir para cá. De mais a mais, todos nós temos nossos medos. A questão é saber se nos congelam. Se não for este o caso, trata-se apenas de uma reação humana normal em nossas vidas com a qual convivemos e superamos. Quanto à pecha de fujão, não se pode, por exemplo, achar genial incendiar Moscou e bater em retirada, como fez o general russo Kutusov, para deixar Napoleão sem víveres, e encarar a retirada estratégica de Dom João VI para cá como coisa de príncipe medroso que abandonou o seu povo.

Na verdade, Dom João VI foi, exagerando apenas um pouco, uma espécie de nave interestelar que aqui pousou trazendo-nos de presente os ingredientes necessários à construção de uma grande nação. Se não soubemos aproveitar, pouco adianta terceirizar a culpa. Pessoas adultas são capazes de assumir seus próprios erros e corrigi-los. Oxalá possamos no futuro retomar os bons hábitos propiciados pelas instituições que já tivemos no passado. Dom João VI ficaria feliz, onde quer que esteja, com a volta do filho pródigo. Mais ainda: adulto e responsável.

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quinta-feira, fevereiro 12, 2009

Pedras com memória

por Rosalina Melro

Subo lentamente as Escadinhas das Figueiras onde deparo com ruínas e abandono.

Se Almeida Garrett, de quem os portugueses deveriam lembrar, já, no próximo dia 4 de Fevereiro, os 210 anos de nascimento, ai! se ele cá voltasse, repetiria, gritando: "Ai Santarém, Santarém, abandonaram-te, mataram-se e, agora, cospem-te no cadáver!". Penso isto ao ver o mau estado a que chegou a Casa da Felícia. Ali, era a hospedaria onde Alexandre Herculano muitas vezes pernoitou. Em "Apontamentos de Viagem", pode ler-se a primeira impressão que o escritor recolheu de Santarém, região que escolheria para se afastar das intrigas da Corte oitocentista. Há um trecho que acaba assim: " Era sol posto quando nos despedimos da Alcáçova,e voltámos a Casa da Tia Felícia." Durante a instalação na Quinta de Vale de Lobos e, nos últimos anos da sua vida, sempre que tinha de ficar em Santarém, por falta de transporte para Vale de Lobos, Herculano era naquela casa que dormia.

Mais tarde, será Camilo Castelo Branco que em Casa da Felicia faz decorrer algumas passagens de um novo estilo de romance, onde explora o prazer do humorismo. A obra, intitulada Coração, Cabeça e Estômago, é dada à estampa em 1862. Certamente, Herculano ainda a terá conhecido. Teria sido por sua informação que Camilo conheceu a Casa da Tia Felícia? Os nossos vindouros é que já não a conhecerão. Lamentos para nada servem, pois não é a primeira vez que publico lamentações, mas vozes fracas não chegam ao céu.

Olho as janelas meio arrancadas. Oiço o vento bravio e vejo o miserável lixo urbano a entrar pelos quartos. Mais uma casa que cai em ruínas. A quem importa? Será que já ninguém sente mágoa, porque Santarém esquece o respeito devido à Cultura e às Memórias? Ou ninguém se importa com escritores de outros tempos? Por isso, não se incomodam em conservar os lugares da cidade que os evocam. Herculano ali dormiu. Ali, Camilo imaginou novo estilo. Ora, que importam estes autores à actual Santarém? Quem pensa no valor cultural destas memórias? Muito triste é ver a Casa da Felícia a desaparecer, quando Santarém tem à frente do município um escritor.

Enfim, as Escadinhas das Figueiras têm, do outro lado, moradias ainda bem cuidadas. A casa decorada com uma coluna do Paço Real à qual Pedro se ampara, quando trinca o coração do Coelho, vingando, assim, a morte da amada Inês. Coluna oferecida ao Capitão Júlio Costa Pinto (1884-1969), homenageado durante a Comemoração dos 90 Anos da Revolta de Santarém, do Golpe de Monsanto e da Monarquia do Norte. As cerimónias organizadas pela Câmara Municipal de Santarém e pela Santa Casa da Misericórdia de Santarém: Exposições, Conferências, Eucaristia e Visita ao Túmulo, no Cemitério dos Capuchos, contaram com participação de D. Duarte de Bragança e outras personalidades civis e militares que visitaram os lugares onde foi prestada homenagem ao Homem de Causas que cultivou o lema Deus, Pátria e Rei. Um homem que amava a poesia e esta terra onde viveu e fez muitos amigos, e onde quis ficar na campa da família, como recordou seu afilhado, o Professor Doutor Joaquim Veríssimo Serrão que na juventude partilhara com outros jovens escalabitano o prazer de escutar a falar de poetas e histórias antigas, um homem que ensinava "Os velhos papéis quando se lêem … que coisas curiosas nos contam".

in O Ribatejo - Edição Impressa.

quarta-feira, fevereiro 11, 2009

Soluções para as crises económicas

"If there is to be a solution of economic problems compatible with human liberty, it will have to be a solution formulated in terms of precepts to individuals and not in terms of plans for governments"

Se houver uma solução para os problemas económicos compatível com a liberdade humana, ela terá que ser formulada em preceitos para os indivíduos e não em planos para os governos.

Bernard Lonergan

O rei que espiou Napoleão

No título brasileiro, o título é "O Rei que Espionou Napoleão"

A escritora Valdívia Beauchamp, nascida no Recife, residente em Nova York, vai lançar em Brasília, dia 4 de março, quarta-feira, no restaurante Carpe Diem o romance histórico O Rei que Espionou Napoleão (Because of Napoleon, título original) editado pela Thesaurus Editora. Sobre este novo trabalho de Valdívia, Josélia Costandrade critica de arte da ABCA, escreveu o seguinte:

"Um importante período da História do Brasil e de Portugal, emnarrativa ágil, plena de epsódios abarca as últimas decadas do século XXVIII até a primeira metade do século XIX. Lucas, o camponês vinhateiro, criado palaciano, narra os fatos, a partir dos vinhedos do Douro, das ogivas em estilo gótico manuelino de igrejas e mosteiros, o interior dos palácios de Cintra e Queluz,, as alegrias, pesares e intrigas ao redor da família real portuguesa, nas entrelinhas, onde perpassam as colorações e os aromas do vinho do porto.

A sombra de Bonaparte pairando sobre a Europa, a iminência de anexação de Portugal aos vastos domínios conquistados pelo corso, a luz esperançosa representada pelo Brasil, ensejaram uma viagem estratégica e apressada. Surpreendente manobra do príncipe-regente D. João, uma vitória sobre o imperador francês, que outros reis não lograram impor. A autora segue pelos meandros de um significativo romance histórico e apresenta com a elegância de seu estilo algumas filigranas de uma artimanha política sofisticada e que asseguraria a permanência da dinastia de Bragança em Portugal e no Brasil."

Lançamento: 4 de março de 2009, quarta-feira
Local: Restaurante Carpe Diem 104 sul
Horário: A partir das 19h
Thesaurus Editora de Brasília
Tel.: (61) 3344-3738 ou www.thesaurus.com.br

terça-feira, fevereiro 10, 2009

Bernard Lonergan - - Conferências e debates

Conferências e Debates - Introdução ao Pensamento Económico de Bernard Lonergan

Terá lugar na Universidade Católica, próximo sábado dia 14, pelas 9H15, com a presença do Reitor da Universidade.

Esta inciativa do CEFi da UCP em conjugação com o IDP é uma forma de dar conteúdo à tão falada "sociedade do conhecimento".

As conferencias contarão com a participação de economistas como Braga de Macedo Vitor Bento e Acacio Catarino, sendo o curso orientado por Ricardo Gomes da Silva.

Para os interessados em conhecer o pensamento de Lonergan, veja, registe-se, e entre no Arquivo Lonergan, com muitos dos seus textos, e ficheiros audio.

http://www.bernardlonergan.com/index.php


...

Lonergan, quem ?
por Mendo Castro Henriques

O CEFi da Universidade Católica vai iniciar no proximo sábado, dia 14, as Conferências sobre o Pensamento Económico de Bernard Lonergan. Lonergan, quem ? Baste aqui indicar que a sua famosa teoria da probabilidade emergente é uma ferramenta que permite demonstrar que a probabilidade de um ciclo de negócio se transformar em um ciclo puro aumentará se (1) o número de empreeendores for maximizado; e se (2) a competição macroeconómica for assegurada. Estes dois factores estão condicionados pelo nível de conhecimento sobre o processo macroeconómico. E a formação eleva a probabilidade do ciclo puro económico.
Esta sequência de condicionalismos é a maneira de Lonergan exprimir o que de há muito se diz: estamos a caminho da "Sociedade do Conhecimento". Vamos crer que é verdade! Ainda temos que aprender a viver pacificamente com o nosso próximo e com a natureza. Mas a Sociedade de Conhecimento tem de começar por um esforço de educação nas complexidades da macroeconomia. Só assim daremos melhores respostas. A primeira etapa é fácil: expandir os bens de produção. Mas quando a desaceleração dos lucros começa a sinalizar a expansão básica para melhorar o padrão de vida da sociedade, o significado da desaceleração é mal entendido, e os investidores (incluindo os banqueiros e os accionistas) ficam frenéticos.
Como Lonergan diz: "A dificuldade surge na segunda etapa, a expansão básica. Os moralistas responsabilizam a ganância, a avidez. Mas a causa principal é a ignorância. Poucos percebem e poucos ensinam a dinâmica da produção. E quando as pessoas não compreendem o que está a acontecer, não se pode esperar que actuem de modo inteligente. Quando a inteligência desaparece, a primeira lei da natureza é a auto-preservação. São esses esforços frenéticos que transformam a recessão em depressão, e a depressão em falência."
Oa Investidores pouco mais têm para racionalizar as suas decisões do que a célebre filosofia de Keynes que "o mal é útil, o justo não é." Há melhor que auto-preservação, mesmo que conduza às guerras e ao terrorismo ? Segundo Lonergan, há uma alternativa racional ainda por adoptar. Num sentido muito real, o ciclo puro é a onda do futuro. Mas perceber exige mais que o fim da ganância. Exige uma conversão intelectual.

segunda-feira, fevereiro 09, 2009

A enxerga podre

CARTA DO CANADÁ

por Fernanda Leitão



Guerra Junqueiro nunca foi um poeta na minha mesa de cabeceira nem é figura pública que me seja simpática depois de ter sabido que, estando em Madrid por ocasião do assassinato do Rei D. Carlos e do Príncipe D. Luís Filipe pelos republicanos, teve o mau gosto de lamentar estar longe e não poder beijar a mão dos criminosos. Mas pouco depois, desiludido com aquilo a que Eça de Queiroz chamou a “balbúrdia sanguinolenta da República”, escreveu pelo seu punho que toda a movimentação frenética de partidos, governos e maçonaria, estando o país em estado lastimoso, lhe parecia “uma enxerga podre cheia de percevejos”. Hoje acho apropriado lembrá-lo.
E acho porque, com a internet e a RTP-Internacional, posso, com mais cerca de cinco milhões de portugueses expatriados, ver e ouvir o que vai pela Pátria. Ao que acrescento os jornais que recebo, e outros portugueses receberão, assim como os telefonemas de amigos. Estamos todos cientes. E fartos. Tão fartos que, em relação à programação televisiva, já não estou sózinha a abençoar o remote control que nos permite cortar o pio aos jovens carreiristas de hoje, dignos herdeiros dos lacaios das internacionais de ontem, quando matraqueiam ameaças, arrotam chicanas, bolsam ignorâncias primárias, papagueiam calúnias e intrigas, rebolando-se na enxerga podre a que reduziram Portugal, sem o menor rebuço ou remorso pois só conhecem o seu próprio umbigo, só defendem o seu lugar à mesa do orçamento que o povo, aflito, sustenta. Não os oiço e vejo sem que me lembre de Almada-Negreiros, quando em poema se referiu aos políticos: “maquereaux da Pátria que vos pariu ingénuos / e vos amortalha infames”.
O que mais dói neste estado de coisas é o absoluto desamor dessa gentinha por Portugal, o mal que essa gentinha tem feito, e faz, a Portugal, o egoísmo que todos eles mostram pelos compatriotas que sofrem o desemprego, a casa a caír, as dívidas para pagar, os medicamentos que não se podem comprar, os filhos que hão-de ficar com as asas cortadas por não terem meios para continuarem os estudos, e até a fome que já atinge uma substancial faixa da sociedade portuguesa. E poderiam muitos deles compreender se nunca trabalharam, se nunca tiveram de mostrar mérito e empenhamento, já que devem tudo à política? Se lhes falhar a carreira política, ficam sem emprego e sem préstimo. Será por sabê-lo que muitos entram na corrupção, no salve-se quem puder. Problemas deles, que se danem.
Portugal é que não merece o que se passou nos últimos cem anos, às mãos de vilões da política que lhe deram uma ditadura e dois arremedos de democracia, cujo balanço se afigura criminoso.
Que os comunistas desejem um regresso à ditadura, porque só na ditadura o comunismo medra, qual bacilo malfazejo, ainda posso compreender (e, de resto, Álvaro Barreirinhas Cunhal disse-o claramente à jornalista Oriana Fallaci, em 1975). Mas já me causa perturbação ver que, sem coração nem inteligência, sem vergonha nem senso, os outros partidos trabalhem no mesmo sentido. Se o povo português, por resistência activa ou passiva, não puser cobro a isto, se não deitar fogo à enxerga e matar os piolhos que a infestam, então poderemos dizer que tem o que merece.

Uma dúvida

Uma dúvida cresce: quem é que está disposto a emprestar dinheiro à actual classe política portuguesa? E em troca de quê?


European Finance Chiefs See ‘Worrying’ Trends in Bond Markets


By Meera Louis

Feb. 9 (Bloomberg) -- European finance ministers are increasingly concerned that certain governments are finding it harder to borrow in financial markets as budget deficits mount and economies slump, according to a confidential report prepared for this week’s Group of Seven meeting.

The widening gaps between the interest rates different euro-area nations must pay bond investors are “worrying developments,” according to a “speaking note” prepared for Luxembourg Finance Minister Jean-Claude Juncker. Ministers also are concerned about weak demand at some government bond auctions, according to the document. Juncker will represent counterparts from the euro-area nations at the gathering of G-7 finance chiefs on Feb. 14 in Rome.

The split between the rates Spain, Italy, Greece and Portugal must pay in financial markets to borrow for 10 years and the rate charged to Germany ballooned this year to the widest since before they joined the euro. That is threatening to hobble the recovery of the region’s weakest economies and even raising doubts about the future of the single currency bloc.

(...)

quinta-feira, fevereiro 05, 2009

Duas palavras de D. António dos Reis Rodrigues

Discurso de D. António dos Reis Rodrigues na apresentação dos seus livros sobre Doutrina Social da Igreja

Universidade Católica
2008 07 14

… E permitam que acrescente mais duas palavras.

Um dia, quando Jesus iniciou a sua pregação, encontravam-se a ouvi-lo dois discípulos que O haviam seguido. E o Senhor voltou-Se e, notando que eles O não largavam, perguntou-lhes: “Que pretendeis?” E eles responderam: “Mestre, onde é que moras?” Jesus respondeu-lhes. “Vinde e vereis”. Os discípulos seguiram-nO e viram aonde Aquele com quem falavam residia. Ficaram com ele nessa tarde e, desde então, para o futuro.

André era um dos que O seguiram. Encontrou primeiro o seu irmão Simão e disse-lhe: “Encontrámos o Messias”. Levou-o até Jesus, o qual, fixando nele o seu olhar, declarou: “Tu és Simão, o filho de João. Hás-de chamar-te Cefas”, que significa Pedro. Este Simão, este Cefas, veio a ser o primeiro Papa.

Estavam assim encontrados os dois primeiros discípulos. Outros, pouco a pouco, vieram, até constituírem os doze Apóstolos, chamando-se uns aos outros, com este simples convite, que era para qualquer um deles uma aventura: “Vinde e vereis”. E com estas palavras nasceu a Igreja.

Foi este chamamento que, à distância de tantos anos, eu também, surpreendentemente, ouvi: “Vem e verás!” Larguei o que tinha e, sem nada, apresentei-me no Seminário e, depois, servi onde o meu Prelado, os senhores Cardeal Cerejeira e depois o Cardeal António Ribeiro, que lembro todos os dias, tinham necessidade da minha presença. Anos depois, com estranheza minha, fui Bispo, onde continuei a servir a Igreja. E hoje, com noventa anos, continuo a servir a Igreja, como penso que sempre a servi, com as graças que Jesus me tem dado ao longo de uma vida inteira, deixando de lado os meus pecados e a triste consequência da miséria que nasce deles.

Foge-me o tempo e muito apreciaria, agora que já não sirvo para o ministério, publicar mais algumas páginas, a somar às que já foram tornadas públicas. O que não fiz na minha vida activa seria compensado com o trabalho que eu ainda poderia ter. Mas todos os dias me vem faltando a saúde e penso, a cada momento, que me aproximo da morte. “A terra produz por si, primeiro o caule, depois a espiga e, finalmente, o trigo perfeito na espiga. E, quando o fruto amadurece, logo ele lhe mete a foice, porque chegou o tempo da ceifa” (Mc. 4, 28-29).

Que posso mais dizer? O meu espírito abre-se de novo ao futuro, mas o futuro a Deus pertence. Talvez Deus tenha para mim algumas páginas ainda por escrever, apesar do peso dos anos que vou tendo.

Muito obrigado!


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Nota biográfica

D. António dos Reis Rodrigues nasceu em Ourém em 24 de Junho de 1918.
Enquanto estudante da Faculdade de Direito de Lisboa, onde se formou em 1941, foi presidente geral da Juventude Escolar Católica (JEC), dirigente das Conferências de São Vicente de Paulo, fundador e director da Flama, jornal de estudantes.
Em 1942, entrou para o Seminário dos Olivais, sendo ordenado sacerdote em 1947 e nomeado cónego da Sé Patriarcal em 1955.
Durante 18 anos (1947-1965) foi assistente nacional e diocesano da Juventude Universitária Católica (JUC) e durante 16 anos (1947-1963) capelão da Academia Militar.
No Instituto de Serviço Social foi professor de Doutrina Social da Igreja e durante alguns anos responsável pelo programa religioso da Radiotelevisão Portuguesa, programa de que resultou o volume O Tempo e a Graça, publicado em 1967.
Em Julho de 1966, foi nomeado Vigário-Geral Castrense, pouco depois Director Nacional da Obra Católica Portuguesa das Migrações e, em Outubro do mesmo ano, eleito Bispo titular de Madarsuma, tendo recebido a ordenação episcopal em 8 de Janeiro de 1967, na Igreja dos Jerónimos, em Lisboa. Desempenhou as funções de Pró-Vigário Castrense e Capelão-Mor das Forças Armadas entre 1967 e 1975, ano em que foi nomeado bispo-auxiliar do Patriarcado de Lisboa.
Na Conferência Episcopal Portuguesa, exerceu, de 1967 a 1981, o cargo de Presidente da Comissão Episcopal das Migrações e Turismo; de 1975 a 1981, o de Secretário da Conferência; e, de 1981 a 1984, o de Vice-Presidente. Fez parte, por vários mandatos, do Conselho Permanente da Conferência. No quinquénio de 1972-1977, foi, por designação pontifícia, membro da Comissão Pontifícia das Migrações e Turismo.
No Patriarcado de Lisboa foi Vigário Judicial do Tribunal Eclesiástico (de 1990 a 1995) e Vigário Geral, funções que exerceu desde 1983 até à data da sua jubilação em 5 de Setembro de 1998.
Foi membro da Academia Internacional de Cultura Portuguesa e da Sociedade Cientifica da Universidade Católica Portuguesa. É autor de diversos livros, nomeadamente o estudo Pessoa, Sociedade e Estado; Nuno Álvares, Condestável e Santo; Vidas Autênticas; O homem e a ordem social e política; Sobre o uso da Riqueza e A palavra de Deus saída do Silêncio.
Testemunho
D. António dos Reis Rodrigues deixa o seu nome ligado a gerações de jovens universitários pela formação que lhes ofereceu e pelo cunho de compromisso humano e cristão na sociedade com que impregnou as suas vidas. A homenagem que, há cerca de cinco anos, esses numerosos militantes da JUC lhe prestaram, foi um sinal público e eloquente do muito que lhe ficaram a dever. Muitos deles ocuparam e ocupam ainda, nestas três décadas de democracia portuguesa, lugares de particular relevo, em variadíssimas áreas da vida nacional, o que atesta o grau de empenhamento, adquirido através da acção do seu assistente religioso.
Como bispo-auxiliar de Lisboa, D. António dos Reis Rodrigues dedicou especial atenção à organização pastoral do Patriarcado de Lisboa, distinguindo-se pelo acompanhamento dos sacerdotes, párocos e responsáveis de outras estruturas eclesiais, zelando pelo cumprimento das suas obrigações e oferecendo perspectivas renovadas, impostas pelos novos tempos que entretanto surgiram.
O Patriarcado de Lisboa fica ainda devendo a D. António o enriquecimento cultural do espaço museológico de São Vicente de Fora, com justa e particular referência à criação do Museu dos Patriarcas.
D. António morreu no dia 3 de Fevereiro de 2009.

Fonte: Patriarcado de Lisboa

terça-feira, fevereiro 03, 2009

O novo partido do outlet

Nos últimos meses tem sido aventada a possibilidade de estar em gestação mais um partido ideológico na chamada “esquerda da esquerda”.

Há com efeito uma receita alemã, criada por Oskar Lafontaine, ainda por experimentar em Portugal. Em Maio de 2005, Lafontaine abandonou o SPD para formar com os ex-comunistas da Alemanha de Leste o chamado “Partido da Esquerda” (Die Linkspartei). A receita permitiu-lhe obter 8,7% dos votos nas eleições federais, mas tem estado a levedar nas sondagens, hoje com 12% a 13% das intenções de voto. Vai daí, a receita acaba de ser traduzida para francês por Jean-Luc Mélenchon, que lança agora o “Parti de Gauche” em dissidência com o PSF. Mélenchon pretende obviamente atrair as mais díspares irmandades das “esquerdas da esquerda” francesa, para conseguir garantir um bom número de assentos no próximo Parlamento de Estrasburgo.

Em Portugal, há uma “esquerda da esquerda” congénere da irmandade de Mélenchon, e que tem estado sobretudo dentro do PS, tal como em França estava dentro do PSF. As receitas dessa “esquerda” que fala português têm estado sob o signo da Alemanha desde o quadriénio de 1969-73. No entanto, e por uma quase atávica limitação linguística que vem desde o século XIX, para que adopte as receitas alemãs, tem o figurino que ser primeiro apresentado em Paris. Ora com o "Die Linke" agora traduzido para francês, já não deve faltar muito para surgir também em Portugal um novo “Partido da Esquerda”.

O que é que se tentará com esse novo partido? Juntar sob o mesmo tecto, em comunhão de mesa, as mais díspares irmandades da “esquerda da esquerda”. Com a crise que aí está, creio que os planos da irmandade do PS português, ávida por mais assentos em Estrasburgo, podem no entanto ainda vir a ser perturbados pelas outras irmandades da “esquerda”.

É muito antiga a irmandade que, nos arredores de Paris, acaba de lançar o “Parti de Gauche”. Tem dimensão europeia e, tal como os seus irmãos portugueses, vem do “socialismo republicano” saído das Luzes e do jacobinismo da Revolução francesa. A tabuleta e o figurino do outlet não enganam: já se vestiram sem coullotes, com cravatte, sem cravatte, com jaquetão de operário e, em Itália, até com camisas negras de tipo militar, quando os “socialistas revolucionários” de Mussolini fizeram a dissidência dos fasci no PS italiano.

Hoje, a moda do outlet é obviamente outra, com figurinos e slogans adaptados a estes tempos do cosmopolitismo financeiro. Nos dias que correm, tanto podem pôr gravata de seda, como enrolar um keffiyeh (lenço palestino) à volta do pescoço, ou ainda sair amarrotados e despenteados para ir à vernissage.

Esta irmandade tem sido um verdadeiro prodígio nas habilidades coreográficas, mas os slogans estão aí e, como a seu tempo se verá, não deverão ser muito diferentes dos alemães e franceses: “fazer prevalecer o interesse geral perante os interesses privados”; “combater o neoliberalismo”; a “economia de casino”; “ousar mudar de sistema”, “civilizar o capitalismo”, etc., etc.

Entre nós, na irmandade que fala português, ainda não há muito tempo se diziam “republicanos, laicos e socialistas”. Os mais calvos e grisalhos, manterão decerto a gravata de seda, e o tique da “ética republicana” e do “laicismo”, mas, pelo novo figurino do outlet, os restantes tenderão agora a usar cada vez menos a gravata e a dizer cada vez mais que são contra o “pensamento único” do “produtivismo capitalista". Para atrair outras franjas, dirão também, é claro, que são contra as “discriminações”, pelo “feminismo”, e pela “urgência ambiental”. Enfim, apresentar-se-ão como sendo a "Esquerda”, com maiúscula - a “Esquerda autêntica”.

Há porém por aqui outras irmandades, forjadas nos “movimentos operários” e nas “tradições revolucionárias" que fizeram viver o movimento comunista. O sucesso da tradução para português do Parti de Gauche, da irmandade jacobina do PS português, vai pois depender da adesão que conseguir obter junto dessas outras irmandades. Nestes novos tempos de convulsão e crise social, há cumplicidades e afinidades geopolíticas - com russos, sírios, palestinos, cubanos, bolivianos, venezuelanos – que não deixarão, a exemplo do que sucede na Alemanha e em França, de ter aqui também o seu papel.

Dir-me-ão que bastará juntar o “Bloco de Esquerda” com os futuros dissidentes do PS, para que a coisa produza uma apreciável quantidade de assentos em Estrasburgo. Sim, mas para se aplicar aqui a fórmula do outlet, terão ainda que lhe juntar ao menos alguma parte do PCP, e da sua base “sindical”, ou o que dela resta. Só então teremos no cadinho os ingredientes da receita alemã, recentemente traduzida em francês.

A continuarem por muito tempo estes dias cinzentos do outlet do Freeport, creio que, lá mais para diante, até mesmo “um novo socialismo científico” é bem capaz de conseguir aterrar no aeroporto da Portela.



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segunda-feira, fevereiro 02, 2009

Miguel Sousa Tavares e a rapariga dos vinte e tal

"Eu penso que Portugal não vale muito como nação e como povo - aquilo que nos separa da inviabilidade não é tanto como, por inércia, nos habituámos a pensar. Vejo Portugal um pouco como aquelas mulheres fatais que, entre os vinte e tal e os quarenta e poucos anos, se habituaram a reinar como princesas, seduzindo e cativando tudo à roda e julgando-se eternamente senhoras do jogo. Mas, um dia, olham-se ao espelho, percebem que o seu poder de sedução está a desaparecer e correm para as plásticas, para os ginásios ou para um sem-número de truques com os quais julgam poder enganar eternamente o que, pela natureza das coisas, tem um fim. Um dia, dissipado o nevoeiro do espelho, com a miserável realidade das facturas para pagar, extinto o charme do fado, do sol e do bidonville algarvio, Portugal dar-se-á conta de que está sozinho e de que já ninguém se deixa seduzir pelo seu jogo de mulher fatal da Europa, o país "que deu novos mundos ao mundo", o Infante, as caravelas e toda essa conversa gasta (estive em Sagres no fim-de-semana passado, fui visitar, mais uma vez, aquela "intervenção" na Fortaleza e o que vi não foram rastos da memória do Infante, mas sim uma infame paisagem de terceiro-mundo, que é o verdadeiro e eloquente retrato da suposta 'modernidade' com que os tolos se distraem e nos pretendem distrair). Os países, tal como as pessoas, podem viver da aparência ou da substância. Mas não viverão sempre da aparência se não tiverem substância que a suporte."

in Expresso, Segunda-feira, 2 de Fevereiro de 2009.

Não sei se neste excerto MST reincide no assunto. Confesso que tenho lido muito pouco os seus textos e raramente vou além dos títulos e dos primeiros parágrafos. Desta vez, porém, levado pela melancolía do letreiro - «E este céu sempre cinzento» -, avancei ao ponto de encontrar o que aqui fica citado. Nunca é demais recordar estes verdadeiros testemunhos para prova de como em todos os tempos e em maravilhosa unidade, as flores do espírito nacional sempre vigorosamente desabrocham, mesmo nas suas mais remotas inteligências.

Dentro de um lusismo de sabor medievo, aqui e além penetrado de influxos renascentistas, cabe aqui salientar o alto sentido crítico e moralizador, em palavras dignas de registo como título de nobreza de uma inteligência afinal farta. Com tão inspirada fé e esperança, que a prancheta dos historiadores as venha a recolher entre as melhores flores de linguagem do seu hinário; aqui se depreendem e agitam conceitos que tocam ao problema do destino do homem, na difícil harmonia moral dos planos da vida e da morte. Ao sacrifício de uma rapariga de vinte e tal, princesa das seduções, ficam as letras portuguesas desde hoje devendo um título da mais alta nobreza e glória imortal.

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domingo, fevereiro 01, 2009

Merkel no papel de Ângela

O Congresso dos EUA aprovou o plano de salvação de Obama, no valor de 820 biliões de dólares, dos quais 563 biliões se destinam a projectos de infra-estruturas. A velha receita, continua afinal muito viçosa: enterrar-se-á a depressão sob o peso de toneladas e toneladas de cimento e aço.

O que não tem sido muito notado por esse mundo fora – talvez com a excepção do Canadá - é que o uso de aço estrangeiro ficou proibido. Oh Yes, They Can... Foi-se o "hard power" de Bush, e veio o "smart power" de Obama, mas nem por isso a pancada vai fazer doer menos aos vizinhos do norte.

A China, a Índia, e a Rússia, entre outros, foram a Davos criticar o proteccionismo dos EUA. Sim, mas todos eles já tomaram medidas de protecção e, no caso da Rússia, mesmo de ataque, desde a moeda às energias.

Enquanto isto, a sra. Merkel representou em Davos o papel de Ângela, lançando um grande e eloquente apelo à concórdia universal, com muitas loas ao comércio livre e à regulação monetária internacional. O lado mais escuro das suas palavras foram dedicadas às “experiências de direcção económica” dos EUA, dizendo a dado passo, com salivosa energia teutónica, que estes estão a “distorcer o comércio” com o seu plano de salvação da indústria automóvel. É claro que a Sra. Ângela não falou do seu próprio plano para o sector, e deve ter sido por isso que l’Osservatore Romano a colocou hoje a caminho dos altares.

Quando é assim, não será preferível dar aplauso a uma francesa como a Sra. Christine Lagarde que, candidamente, foi a Davos dizer que o proteccionismo se tornou um “mal necessário”?

Não sei se a Sra. Lagarde é crente, mas folgo em saber que não é hipócrita, e acredita, como eu, crente e pecador, que há valor nos peditórios que se fazem pelas almas dos que pagam os impostos no seio da sua tribo.

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Subscrição pública?

O tema do colapso do Euro já deixou de ser uma fantasia de uns quantos lunáticos. Tal hipótese, deixou de ser ignorada pela equipa do Spiegel. E, hoje mesmo, o tema subiu também para a 1ª página do jornal Le Monde (edição impressa). Cumpre saudar o discernimento de alemães e franceses. Enterrar a cabeça na areia, não é de facto a solução.

Em Portugal, porém, o assunto continua a ser tabu. Por aqui, só se fala dos milhões em falta nas contas dos donos do "outlet". Compreende-se. A actual classe política, e não apenas o actual primeiro-ministro, parece ter jogado todo o seu destino no "euromilhões" dos "outlets".

Hoje, há quem proponha uma subscrição pública - uma "colecta" - para "limpar" a honra portuguesa (Medeiros Ferreira, no Correio da Manhã). Pode ser uma solução para o caso, e talvez mesmo a melhor solução. Mas, quando é que começa a colecta pública para salvar o Estado português da bancarrota?

É que ainda há aqui muitos portugueses que nunca tomaram qualquer decisão acerca dos milhões de "outlets" europeus em Portugal, e a quem não saiu nem vai sair o "euromilhões" para pagar os calotes do "Estado a que isto chegou".

Ter-me-ei transformado num lunático, ao preocupar-me com o calote das futuras gerações de portugueses?

Recuperar a dignidade da Política, continua a ser a nossa mais urgente necessidade.

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A benção de Ramalho

O espaço «unica semper avis» acaba de juntar uma nova página ao seu corpus:

"A benção de Ramalho", por Hipólito Raposo. Eis o excerto que lhe dá o título:

[Ramalho Ortigão] "referindo-se então às desgraças, violências e crimes da República, entrava a acusar fortemente a sua gloriosa e nefasta geração [de 70]:

- Fomos demolidores, negativos e dissolventes. Nada respeitámos, nada soubemos salvar; e as ruínas que hoje deploramos, ao desvario mental, aos erros dos homens do meu tempo devem ser atribuídas. Vejo agora [por vós, jovens integralistas lusitanos] aberto o caminho da salvação nacional: sigam por ele, para bem da Pátria cega e martirizada. Neste exame de consciência, sinto remorsos, com grande pena de não vos acompanhar. Cheguei tarde, só a tempo de vos dar a benção para a jornada..."


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Hipólito Raposo, "A benção de Ramalho" in Oferenda, Lisboa, Empresa Nacional de Publicidade, 1950, pp. 144-156.

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