segunda-feira, fevereiro 02, 2009

Miguel Sousa Tavares e a rapariga dos vinte e tal

"Eu penso que Portugal não vale muito como nação e como povo - aquilo que nos separa da inviabilidade não é tanto como, por inércia, nos habituámos a pensar. Vejo Portugal um pouco como aquelas mulheres fatais que, entre os vinte e tal e os quarenta e poucos anos, se habituaram a reinar como princesas, seduzindo e cativando tudo à roda e julgando-se eternamente senhoras do jogo. Mas, um dia, olham-se ao espelho, percebem que o seu poder de sedução está a desaparecer e correm para as plásticas, para os ginásios ou para um sem-número de truques com os quais julgam poder enganar eternamente o que, pela natureza das coisas, tem um fim. Um dia, dissipado o nevoeiro do espelho, com a miserável realidade das facturas para pagar, extinto o charme do fado, do sol e do bidonville algarvio, Portugal dar-se-á conta de que está sozinho e de que já ninguém se deixa seduzir pelo seu jogo de mulher fatal da Europa, o país "que deu novos mundos ao mundo", o Infante, as caravelas e toda essa conversa gasta (estive em Sagres no fim-de-semana passado, fui visitar, mais uma vez, aquela "intervenção" na Fortaleza e o que vi não foram rastos da memória do Infante, mas sim uma infame paisagem de terceiro-mundo, que é o verdadeiro e eloquente retrato da suposta 'modernidade' com que os tolos se distraem e nos pretendem distrair). Os países, tal como as pessoas, podem viver da aparência ou da substância. Mas não viverão sempre da aparência se não tiverem substância que a suporte."

in Expresso, Segunda-feira, 2 de Fevereiro de 2009.

Não sei se neste excerto MST reincide no assunto. Confesso que tenho lido muito pouco os seus textos e raramente vou além dos títulos e dos primeiros parágrafos. Desta vez, porém, levado pela melancolía do letreiro - «E este céu sempre cinzento» -, avancei ao ponto de encontrar o que aqui fica citado. Nunca é demais recordar estes verdadeiros testemunhos para prova de como em todos os tempos e em maravilhosa unidade, as flores do espírito nacional sempre vigorosamente desabrocham, mesmo nas suas mais remotas inteligências.

Dentro de um lusismo de sabor medievo, aqui e além penetrado de influxos renascentistas, cabe aqui salientar o alto sentido crítico e moralizador, em palavras dignas de registo como título de nobreza de uma inteligência afinal farta. Com tão inspirada fé e esperança, que a prancheta dos historiadores as venha a recolher entre as melhores flores de linguagem do seu hinário; aqui se depreendem e agitam conceitos que tocam ao problema do destino do homem, na difícil harmonia moral dos planos da vida e da morte. Ao sacrifício de uma rapariga de vinte e tal, princesa das seduções, ficam as letras portuguesas desde hoje devendo um título da mais alta nobreza e glória imortal.

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