13/1/09
“Quem te manda a ti, sapateiro, tocar rabecão?”
Aforismo popular
O conhecido causídico que um dia ao ver-se ao espelho se deve ter achado o mais bonito e inteligente dos seres, assumindo desde então uma importância que só ele julga ter, veio num curto espaço de tempo escrever duas catilinárias sobre as FAs e os militares. Referimo-nos aos artigos “Um golpe de estado dos pequenitos”,de 7/11/08 e “O cilindro de comando”, de 9/1/09, no jornal “O Público”.
Como ainda estamos no reino do disparate e não no das ofensas (embora o primeiro artigo a coisa lá roce) vamos responder às diatribes com palavras em vez de bengaladas como tão bem sugeriria a ramalhal figura.
Não o faço com a finalidade de lhe iluminar o bestunto, que já vimos ser duro, mas para proveito dos leitores menos esclarecidos, bombardeados que são por papagaios que bolçam sobre o que não sabem sem terem a humildade de antecederem os seus ditos com pelo menos um “parece-me”.
Lá dizia o saudoso Comd.Virgilio de Carvalho que a ignorância era atrevida...
Lendo com algum cuidado os escritos nota-se uma diferença de estilo, mais cautelosa de um para o outro, que talvez a “moderação na exaltação” explique – devolvo-lhe a acintosa dos bêbados no romance do Lartéguy.
Quanto ao primeiro artigo vou deixar para alguns visados (gen. Loureiro dos Santos e cor Vasco Lourenço, por ex.) a incumbência de se defenderem e quero dizer-lhe claramente que não vou discutir as aleivosias que disse relativamente à extinção do Exército, da F.A. e quejandos. O senhor mostra ser demasiado incompetente e ridículo neste âmbito para que se possa ter consigo uma conversa séria. A sua visão do país deve resumir-se à Quinta das Lágrimas e ao escritório de advogados. Por isso a PSP chega-lhe.
Aceite um conselho e tenha cuidado com os alvitres que eventualmente lhe dêem entre duas garfadas no “Eleven”. A avaliar pela patética defesa que fez do Aristides Sousa Mendes no concurso sobre o melhor português de sempre, não devem ser grande coisa.
A única coisa acertada que diz nos artigos citados é a afirmação de que "a qualidade da formação dos militares é superior à da média nacional". De facto assim é, supondo-se por isso que os licenciados em Direito também estejam abrangidos nesta assumpção. Mas o nosso comentarista diletante invoca esta evidência como argumento para tentar reconverter os militares para outras funções públicas e assim diminuir os efectivos que ele está seguro – vá-se lá saber porque bulas – serem excessivos!
É caso para perguntar porque é que S. Exª quando era bastonário da ordem dos advogados não se lembrou de pôr em prática tal medida com os excedentes de licenciados que as 27 - leram bem! – faculdades de direito lançam no mercado todos os anos...
E para o caso de andar distraído sempre lhe lembro que os militares não são propriamente funcionários públicos, embora a maioria dos políticos desejem que passem a ser. Mas isso já é outra história.
Vamos então tocar nalguns pontos que aborda cujo nexo justifica umas linhas. As suas atoardas – não me atrevo a apelidá-las de críticas, pois estas subentendem alguma substância, objectivo e fio condutor – focam-se muito no alegado excesso de efectivos, nomeadamente generais; na desproporção que diz existir no número de oficiais, sargentos e praças e na reforma que é preciso fazer. E claro queixa-se do custo que tudo isto comporta.
O senhor acha que há efectivos a mais, mas qual é a sua referência? Estão a mais relativamente a quê? E baseados em que estudos? Ou é simplesmente porque o senhor acha e pronto? Depois afirma que há generais a mais, porquê? Já analisou a estrutura das FAs e os compromissos externos – que os governos sempre subscrevem e depois não dão meios para se cumprirem? Já lhe ocorreu que em vez de haver generais a mais (e há três tipos de generais) pode é haver soldados a menos? E já lhe passou pelas suas moléculas pensantes que as coisas devem também ser vistas em termos relativos? Isto é, considera que ter cerca de duas centenas de oficiais generais é muito, e não é muito existirem vários milhares de directores gerais e equiparados?
E já alguém lhe explicou que há dificuldade em recrutar soldados, sobretudo para o Exército que é onde a sua falta mais se faz sentir, porque se acabou (mal) com o serviço militar obrigatório, que os voluntários são muito mais caros e que não há dinheiro nem vontade politica para o arranjar?
Quando afirma que há mais generais agora do que quando o país estava em guerra, porque não compara também o ministério da defesa da altura com o actual? Pensa por acaso que a complexidade das relações internacionais, a gestão de conflitos e a maneira de fazer a guerra, parou no tempo? A matriz da sociedade de uma época para a outra tem alguma comparação?
O senhor tem alguma consciência daquilo que diz?
Quando fala da desproporção que supõe existir entre oficiais, sargentos e praças tem alguma noção de que na Marinha e FA, dado o modo como operam e a tecnologia envolvida a necessidade de praças se faz sentir em termos expressivos, apenas nos fuzileiros e na policia aérea? E no Exército este tipo de realidade também aumentou muito? E nunca lhe passou pela massa encefálica que os governos não podem andar a mudar de ideias relativamente ao que querem das FAs, como quem muda de camisa e que aos militares tem que se lhes proporcionar uma carreira cujas características não têm paralelo em mais nenhum grupo profissional? E que as carreiras, bem como as missões, o dispositivo e o sistema de forças, não são propriamente um bocado de plasticina que os políticos, no mais das vezes ignaros e nem sempre com boas intenções, que estão de passagem, podem moldar a seu belo prazer? - Para já não falar em advogados ociosos que se armam em comentaristas...
Será assim tão difícil de entender que decisões tomadas no âmbito da gestão de pessoal vão ter consequências nos próximos 10, 20 e 30 anos? Que um Exército não se improvisa, que é necessário garantir valencias, capacidades e conhecimento?
Ah, e as reformas, ele quer mais uma!
O senhor tem vivido cá? É que só pode! Desafio-o a apontar um único ministério, órgão do estado, empresa pública ou seja o que for que se tenha reformado tanto e reduzido tanto, como as FAs nos últimos 30 anos. Tendo, ao mesmo tempo, nos pretéritos 15 anos, visto os seus orçamentos diminuírem em termos reais. Não me venha, pois, falar em época de contenção, os militares estão fartinhos de dar para esse peditório. Nada lhes deve pesar na consciência tanto a nível de instituição como a nível individual. Pelo contrário tenho consciência nítida de que se tem apertado o cinto continuamente com espírito de serviço – embora não de cara alegre – enquanto a generalidade do país e sobretudo o estado e os políticos, que deviam dar o exemplo, têm andado no forrobodó da cigarra.
O senhor tem ainda o despautério de afirmar que os militares contribuem muito pouco para a produtividade nacional. Como é que é que entende que a Instituição Militar deve contribuir para a produtividade? Quer que produza automóveis? Cultive batatas? Promova o turismo? O senhor ignora por acaso que o produto acabado da força militar se chama defesa, segurança, dissuasão, afirmação de soberania, garante da unidade do estado, ser elemento fundamental da política externa do estado e seguro de vida da Nação? Possui indicadores para aferir tudo isto? O senhor tem ideia de que os sucessivos governos têm sistematicamente asfixiado as FAs em termos financeiros, em pessoal, em estruturas, em equipamentos, em autoridade, em termos legislativos, enfim, em tudo, e ao mesmo tempo aumentaram-lhes as missões? Ao passo que nos últimos 20 anos já foram empenhados em acções fora do território nacional cerca de 30000 homens em mais de 30 países diferentes? E que todas estas missões foram cumpridas e de um modo que não deslustra os nossos maiores? E que a Nação ignora tudo isto e os sacrifícios que tem acarretado?
Se o senhor não sabe nada disto peça contas aos responsáveis políticos, não aos militares, que ainda por cima não podem falar publicamente. Mas se o senhor não sabe e não sabe que não sabe, só tem que se queixar a si mesmo.
Finalmente, acha V. mercê que as FAs são caras. Pois, olhe, custam cerca de 1.1% do PIB, talvez a taxa mais baixa de todos os países da NATO à excepção do Luxemburgo. Mas, como já vimos, ao menos os militares ainda vão cumprindo razoavelmente as suas missões, que tem justificado o dinheiro.
Mas se tanto o preocupa os gastos do estado, dou-lhe um alvitre para uma acção patriótica: proponha na Ordem de que já foi bastonário que todas as firmas de advogados recusem as encomendas de pareceres jurídicos, resolução de contencioso, consultadorias e afins, que diferentes ministérios continuam a fazer em catadupas e que suposto seria serem tratados pelos respectivos serviços. Aceita o desafio?
Agora sempre lhe quero dizer que caro, caro, e injusto, injusto, é o facto de todos os cidadãos – militares incluídos – verem um ror de dinheiro dos seus impostos ser vertidos no ministério dito da Justiça, que tem certamente mais funcionários do que a Marinha, o Exército e a FAP juntos e um número de juízes conselheiros muito superior ao dos generais – e a ganharem o dobro daqueles – e nada funcionar.
De facto os tribunais só têm duas velocidades, que é devagarinho e parados; ninguém consegue dar conta do número de casos que prescrevem ou são mal instruídos; numerosas leis são desadequadas ao âmbito e pessoas em que se aplicam; as prisões estão a abarrotar e os presos não são postos a trabalhar nem regeneram; a impunidade campeia (bem como as providencias cautelares); a deontologia forense já conheceu melhores dias, etc. Em suma, o sistema é caro, burocrático, gerador de injustiças, revolta, sensação de insegurança, desmotivador das forças policiais e de investigação. Quanto à confiança dos portugueses, essa exauriu-se há muito.
Mas o Dr. Júdice está é preocupado com generais a mais, sendo duvidoso que conheça sequer os postos! O senhor já é crescidinho, falta agora tornar-se responsável.
Poderá até, como alega no fim do segundo artigo, gostar mais de pirâmides do que de cilindros, mas a mim parece, pelo que escreve, que se aproxima mais da esfera: não tem ponta por onde se lhe pegue.
Espero ficar por aqui, já estou velho para dar recrutas.
João J. Brandão Ferreira
Tcorpilav (Ref.)
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