domingo, maio 20, 2007

Urge restaurar Portugal

Em espíritos temerosos, a ideia da Aliança Peninsular tem despertado, bem se sabe, algumas desconfianças e compreensíveis receios. Aliás António Sardinha foi o próprio a dizer que “O estado espanhol herdeiro do centralismo absorvente do Conde-Duque, quando olha Portugal, olha-o como uma parte sua, que interesses criminosos separaram do sua integral gravitação”. Mas como não se muda a situação geográfica, nem é possível alterar ou ignorar a realidade que nos fez confinantes, e por conseguinte esquivarmo-nos é nossa circunstancialidade histórica, António Sardinha via na Aliança, o meio mais adequado para disciplinar as nossas relações de vizinhos. E, na verdade, é sempre mais fácil, por menos notório e menos escandaloso, faltar a um dever, se esse dever é simplesmente moral e não foi assumido voluntariamente na letra de um contrato. Uma aliança desempenha neste sentido as funções de um potente travão; pode tomar-se como um instrumento dissuasivo a conter instintos de atropelo e impulsos de ofensa. Todavia, a precaução de António Sardinha levou-o a considerar, na sua vária extensão, os perigos potenciais da Aliança. Uma boa parte do texto deste livro se lhes refere em concreto.

Não ignorando, não escondendo, nem menosprezando as ambições unitaristas ou unionistas acalentadas no seio das “direitas” nacionalistas espanholas ou das “esquerdas” de lá ou de cá, António Sardinha foi peremptório: antes, e como condição sine qua non do estabelecimento da Aliança, punha, para segura garantia das respectivas independências, o fortalecimento moral e institucional das duas nações. E, repare-se, não só de uma, mas das duas. Efectivamente uma união centrada em Madrid ou em Lisboa iria a dar no mesmo, especialmente para nós. Esse astucioso engodo de fazer a união com um rei português e a capital em Lisboa fora-nos, aliás, já lançado por mais de uma vez.

Na condição prévia de confiar a manutenção das independências nacionais – portuguesa e espanhola – à guarda das respectivas Dinastias reais, via António Sardinha o mais seguro, se não o único meio de evitar que uma aliança descambasse numa união ou numa absorção, de que, como é evidente, só nós poderíamos ser vítimas. E não é de estranhar ou de desvalorizar esta condição, pois que, em sentido inverso, também assim era visto o problema. Os unionistas ou federalistas (o que vem a dar no mesmo) confirmavam a sua validade ao acusarem a Dinastia portuguesa de impedir os seus desígnios. O grão-mestre Sebastião de Magalhães Lima o confessa em La Fédération Ibérique: - “La Fédération a eu jusq’ici un grand ennemi: c’est l’interet dinastique”. Do lado espanhol lê-se o mesmo, quase pelas mesmas palavras: “Sobre esa Dinastia (a de Bragança) pesa la responsabilidade de haber deshecho en tiempo de Filipe IV la obra de Filipe II, y si fuera restaurada renacerian con ella todos los obstáculos que desde 1640 vinieron impediendo la Union Ibérica”. (J. Segalerva)

Sirvam estas insuspeitíssimas palavras de solene aviso ao patriotismo dos Portugueses!

Enquanto estivermos em república e, pior ainda, se, quando restaurada a monarquia espanhola só nós estivermos em república, quaisquer ligações ou compromissos políticos, feitos embora dissimuladamente, esbatendo fronteiras sob o aspecto de fraternidades regionais ou a pretextos de intercâmbios festivos, de empresas de interesses comuns, etc., etc., temia-os também, com toda a clarividência, António Sardinha. São de ver os comentários veementes que lhe provocaram os planos de Afonso XIII apresentados na entrevista de Miramar.


(Excerto da nota prévia à 3ª edição da obra Aliança Peninsular de António Sardinha, por Mário Saraiva (Julho de 1972)

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