quinta-feira, maio 24, 2007

Este tempo de sombras

CARTA DO CANADÁ

por Fernanda Leitão

A notícia era curta e de pés ligeiros. Voou por todos os cantos das comunidades portuguesas. Dizia que, numa operação chamada Furacão, a polícia brasileira prendeu umas dezenas de pessoas ligadas ao ilícito Jogo do Bicho, novo Eldorado que uns quantos queriam implantar, com fachada de casino, em vários pontos do Brasil e, também, em Portugal e Macau. A nutrida lista de presos contou com dois portugueses. Um deles, considerado empresário de sucesso por ter dinheiro tão abundante que até financiava o Partido Socialista em terra brasileira, o que lhe proporcionou ser nomeado cônsul honorário em Cabo Frio. Era o escândalo de corrupção em corpo inteiro por todas as razões, incluindo o facto de Cabo Frio não ter portueses residentes e ser uma estância de turismo de alta reputação, donde o português comum que lê jornais logo concluíu que se estava perante mais um repugnante compadrio partidário à custa dos dinheiros dos contribuintes portugueses.
No meio desta corrupção posta a descoberto, o nome de José Lello foi citado como tendo sido uma espécie de mediador entre o detido e os dinheiros que ele esportulava para as andanças partidárias dos socialistas. E de caminho, o secretário de estado das Comunidades, António Braga, foi apontado como o responsável pela nomeação do “cônsul honorário”. A lama salpicou o (derrotado) candidato do PS pela emigração do chamado Resto do Mundo, nas últimas legislativas, Aníbal Araújo.
Em momentos de grande turvação é que se conhecem as pessoas e, mais uma vez, foi o caso. António Braga negou, meteu os pés pelas mãos, e acabou a desnomear o nomeado honorário. Lello, com aquele jeito expedito a que nos habituou, lavou as mãos como Pilatos ao sublinhar que o tal detido era amigo do Aníbal Araújo, deixando no ar a suspeição de ter sido enganado. Por fim, Aníbal Araújo teve a nobreza de carácter de afirmar com toda a nitidez que é amigo do implicado há muitos anos, que não deixará o ser por esta infeliz conduta, embora nada tenha a acusar-se de aproveitamento financeiro. E disse bem, porque só os canalhas abandonam os amigos quando estes tombam na má conduta. Quem anda no jornalismo há muitos anos e anda por vários países, e é o caso de Aníbal Araújo, está sujeito a tornar-se amigo de pessoas que, eventualmente, podem portar-se mal um dia. As coisas são o que são. Todos nós temos um ou outro amigo que não é flor que se cheire, mas consideramos que só Deus é quem julga e não negamos a amizade.
Conheço Aníbal Araújo há anos. É um homem honesto, mas perigosamente ingénuo para se meter nestas andanças de políticos que vivem da mentira. Em suma, profissionais do faz de conta, da hipocrisia, do venha a nós e a Pátria que se lixe. Afectuoso de seu natural, amigo do seu amigo, qualquer marau rodado na baixa política que se pratica em Portugal engana Aníbal Araújo.
É uma lição dura e dolorosa, mas é uma lição que, uma vez mais, vem provar quanto os portugueses residentes em Portugal ignoram os seus compatriotas residentes no estrangeiro. Com a maior facilidade acreditam que o sujeito tal é um empresário de sucesso, graças ao trabalho honrado, apenas fiados nas suas doces palavras. E, infelizmente, acreditam menos nos portugueses expatriados que os avisam quanto a certos figurões que, com o maior descaro, exploram, de forma vil, as comunidades em que vivem. Foi por uma unha que o PS não levou um escaldão em Toronto, precisamente porque um antigo secretário de estado das Comunidades se fez surdo e cego diante de quem o avisava. Como cega e surda sempre se fez Manuela Aguiar quando, por anos a fio, tutelou a pasta das Comunidades.
Manda Deus que se diga a verdade: não podem gabar-se outros partidos de serem mais sérios ou avisados. É tudo a mesma fruta sorvada a tornar intragável um 25 de Abril que todos desejámos redentor da Pátria sofrida. Com gente desta nem para o céu. Também o PSD, que esteve acampado cá por fora mais de 20 anos, fez enormidades no que respeita a compadrios, omissões e tratantadas. A menor das quais não foi a nomeação de cônsules honorários por José Cesário, ao tempo secretário de estado das Comunidades. Os do Canadá eram um espanto de incompetentes e inadequados. Um deles era padre e não teve pejo de instalar os serviços do PSD dentro da igreja! Acabou por ser recambidado dali pelo bispo e a cégada dos honorários acabou, sem honra nem glória, como acabou este de agora nomeado por Braga.
Os partidos políticos, todos eles, estão a precisar de uma excelentíssima limpeza à mangueirada, porque lançaram a Pátria neste lodaçal. Há que fazê-lo antes que surja outra ditadura. Palavra de emigrante.

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