La estrategia de Hizboláh; combatientes y civiles
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Hizboláh; combatientes y civiles
Finales de julio de 2006; las televisiones españolas muestran las imágenes captadas por una aeronave israelí que sobrevuela el sur del Líbano. En la pantalla, una docena de milicianos de Hizboláh combaten entre callejuelas contra el Ejército israelí. El espectador contiene el aliento; parece una película, pero están muriendo seres humanos de verdad. En un momento dado se ven forzados a retirarse, en un desordenado repliegue. Por fin llegan a sus vehículos, en los que se montan antes de que acabe la grabación.
El espectador acostumbrado a las soflamas antiisraelíes del presentador y del redactor puede no haber prestado atención a las furgonetas de los milicianos. Si lo hubiera hecho, hubiera observado las rayas oscuras sobre fondo blanco, los dos círculos brillantes en la parte delantera del techo y los dos menores en la trasera. Ambos transportes son iguales, sospechosamente iguales y uniformes. Entonces el atento espectador da un respingo en el sillón; las furgonetas en las que se meten los milicianos de Hizboláh son ambulancias.
Organizaciones no gubernamentales, periodistas, políticos árabes se escandalizan cuando las noticias hablan de voladuras de ambulancias o camiones cargados de alimentos en la carretera a Damasco. Denuncian la extensión de los bombardeos a la población civil, a los no-combatientes. Pero sobre el terreno la cosa no parece tan clara; ¿qué ambulancia transporta a un niño herido y qué ambulancia contiene un comando de Hizboláh fuertemente armado?¿qué espacio formalmente civil es, en realidad, un centro de combatientes pro-iraníes?
Lo que está poniendo de manifiesto la guerra en Oriente Medio es que el Ejército israelí tiene en frente a unas milicias de Hizbolah que han hecho saltar definitivamente por los aires la diferencia tradicional, a la que aún se acoge Occidente como último recurso de humanidad, entre combatientes y civiles. Hizbolah en Líbano, Hamas en Gaza o al-Qaeda en Iraq tienen en común la condición de sus miembros; todos ellos son, voluntaria y declaradamente, tanto civiles como combatientes, y su estrategia consiste, de hecho, en fusionar los dos mundos.
La novedad estratégica parece consistir no sólo en convertir al combatiente en civil, sino en convertir al civil en combatiente activo. La teoría clásica de la guerra irregular había bordeado tales límites; la guerra popular de Mao Tse Tung partía de la idea del apoyo activo del pueblo, escondiendo, avituallando, informando. Después, el analfabetismo estratégico y la atracción por la violencia brutal de Ernesto Guervara dieron lugar a la aberración del “foquismo”; la provocación revolucionaria de la máxima represión posible contra la población civil, en la creencia de que ésta se convertiría en combatiente. La estrategia revolucionaria buscaba convertir a los civiles en combatientes activos contra el Estado.
Pero algo diferente parece abrirse paso en la era de las ONGs, de la CNN y de las comisiones de derechos humanos. Los grupos terroristas islamistas, como revolucionarios, utilizan a la población civil; como observadores de la historia de las democracias occidentales, lanzan a los civiles a la guerra, pero con una novedad; lo hacen de forma pasiva, como instrumento estratégico y político contra Occidente, contra Estados Unidos o Israel.
A estas alturas, más allá de la desinformación que aqueja a los medios de comunicación europeos, más prestos a reportajes sentimentales y emotivos que a informaciones objetivas sobre el terreno, parece evidente que las milicias de Hizboláh utilizan ambulancias para moverse por las calles; sitúan sus almacenes y arsenales en mezquitas y hospitales; lanzan sus mísiles desde los patios de las escuelas. Sitúan sus cuarteles generales en las zonas más densamente pobladas de las ciudades. Características todas atribuibles también a Hamas o a los grupos terroristas en Iraq; la detención de los secuestradores de la cooperante italiana Sgrena destacaron “la frialdad y complicidad de los familiares con las actividades de los detenidos” (ABC, 23-07-2006), que preparaban armas y operaciones en una casa repleta de niños jugando.
(...)
Copiado de http://www.gees.org
GEES, Apontamento nº 35, 31 de Julho de 2006
Nos liberi sumus; Rex noster liber est, manus nostrae nos liberverunt... [Nós somos livres; nosso Rei é livre, nossas mãos nos libertaram...]
segunda-feira, julho 31, 2006
Terroristas, Fariseus & Ca.
CARTA DO CANADÁ
por Fernanda Leitão
Nos anos 60 do século passado foi-me enviado, com pedido de fazer tudo o que pudesse para ajudar, um rapaz de Angola, acabado de saír da prisão do Tarrafal que queria passar-se para o estrangeiro. Tivemos uma longa conversa e pude, a certa altura, verificar com os meus próprios olhos as suas costas cortadas a chicote. Cicatrizes umas a seguir às outras. Era um jovem mestiço de bom aspecto, muito limpo e alinhado. Arranjei, com amigos, maneira de o esconder e o passar para Marrocos a partir do Algarve. Na hora da largada, deu-me um livro que, de vez em quando, relia: “O Último Justo”.
Depois disso nunca mais o vi. Nessa altura eu ia por vezes a países da Europa, onde em geral havia um substancial número de exilados portugueses, e perguntava por ele. Ninguém o conhecia nem sabia dele. Em 1975, com Angola já no braseiro que conduziu à guerra civil, uma jornalista, que tinha feito parte do grupo que o passou para o estrangeiro, telefonou-me. Tinha acabado de chegar de Luanda e viu o desaparecido. Era o chefe da polícia política e responsável por prisões arbitrárias, torturas, espancamentos e outras distorsões de quem perdeu o respeito por tudo e todos. Estava a fazer aos outros aquilo que a PIDE lhe tinha feito, nas prisões de Angola e do Tarrafal. Acabou abatido a tiro dentro do seu gabinete. Grandes alçapões tem a alma humana!
Por essa altura eu já estava farta de saber que um sujeito que põe bombas e usa armas de morte, alegando razões políticas, só é terrorista o tempo necessário e suficiente para chegar a ministro, presidente de República ou diplomata.
Chamaram terroristas aos actuais governantes e autoridades das antigas colónias portuguesas. E também a várias personalidades do actual regime português. Em suma, a palavra terrorista já por essa altura andava desvalorizada, estafada, gasta. Só voltou a ter importância quando rebentaram com as torres de New York, porque os ataques bombistas em França, Itália, Espanha, Alemanha e outros países, incluindo da Ásia e América do Sul, nunca tiveram importância aos olhos dos Estados Unidos e de Israel. Israel que, diga-se de passagem, foi um alfobre de terroristas, não foi só o Ben Gurion, houve muitos mais.
Hoje, 30 de Julho de 2006, o mundo estremeceu com a matança de Canaã, a sul do Líbano, em que perderam a vida 67 civis, dos quais 37 eram crianças e os restantes quase todos mulheres. Mais um bombardeio cego e cruel, como aqueles que têm destruído aquele país, que já vai em mil mortos e um milhão de desalojados. Em três semanas! Notícias fiáveis de jornalistas que ali aguentam a pé firme em nome da verdade e da informação, e aí se devem destacar os repórteres portugueses que lá estão, dizem-nos da destruição sem tréguas, da matança sem hesitações. A Igreja que Sofre dá-nos a saber que alguns conventos têm sido atingidos rudemente. Os refugiados que chegam aos milhares ao Canadá contam histórias medonhas de crueldade. Os israelitas estão a fazer aos povos vizinhos aquilo que o monstro alemão fez com eles. Grandes alçapões tem a alma humana!
Israel nega tudo. Diz que só entrou no Líbano para acertar contas com o Hezbollah e para resgatar um soldado raptado. Bush e Blair, apontados a dedo como municiadores de Israel, negam a pés juntos tal estatuto. Condoleeza Rice, sempre com aquele sorriso de plástico, vai apresentando condolências e prometendo o cessar fogo para daqui uns dias, isto é, quando Israel lhe comunicar que já não há mais nada para bombardear. O Hezbollah, que também não é flor que se cheire, riposta com mísseis cada vez mais potentes, o que dá a perceber que o destino último será Telavive, ao mesmo tempo que oferece, no corpo a corpo, uma resistência com que os israelitas não contavam. A águia americana está de olho no Irão e na Síria, pronta a invadir em nome da democracia mal cheirosa, essa que cheira a petróleo. Por aqui, no Norte da América, receia-se que estejamos a caminhar para a Terceira Guerra Mundial. Todos o dizem.
Há culpas de lado a lado, sabe-se. Mas os Estados Unidos da América, useiros e vezeiros em semear tempestades, encontraram a alma gémea em Israel. A mesma teimosia cruel, o mesmo sectarismo bronco, a mesma falta de respeito pelos seres humanos que não tenham nascido sob as suas bandeiras. Não é assim que se esvazia o radicalismo islâmico e se incentiva o islamismo moderado e inteligente. Apenas o Desenvolvimento, a Justiça, o Respeito e o Diálogo podem conseguir aquilo que as armas nunca conseguirão.
por Fernanda Leitão
Nos anos 60 do século passado foi-me enviado, com pedido de fazer tudo o que pudesse para ajudar, um rapaz de Angola, acabado de saír da prisão do Tarrafal que queria passar-se para o estrangeiro. Tivemos uma longa conversa e pude, a certa altura, verificar com os meus próprios olhos as suas costas cortadas a chicote. Cicatrizes umas a seguir às outras. Era um jovem mestiço de bom aspecto, muito limpo e alinhado. Arranjei, com amigos, maneira de o esconder e o passar para Marrocos a partir do Algarve. Na hora da largada, deu-me um livro que, de vez em quando, relia: “O Último Justo”.
Depois disso nunca mais o vi. Nessa altura eu ia por vezes a países da Europa, onde em geral havia um substancial número de exilados portugueses, e perguntava por ele. Ninguém o conhecia nem sabia dele. Em 1975, com Angola já no braseiro que conduziu à guerra civil, uma jornalista, que tinha feito parte do grupo que o passou para o estrangeiro, telefonou-me. Tinha acabado de chegar de Luanda e viu o desaparecido. Era o chefe da polícia política e responsável por prisões arbitrárias, torturas, espancamentos e outras distorsões de quem perdeu o respeito por tudo e todos. Estava a fazer aos outros aquilo que a PIDE lhe tinha feito, nas prisões de Angola e do Tarrafal. Acabou abatido a tiro dentro do seu gabinete. Grandes alçapões tem a alma humana!
Por essa altura eu já estava farta de saber que um sujeito que põe bombas e usa armas de morte, alegando razões políticas, só é terrorista o tempo necessário e suficiente para chegar a ministro, presidente de República ou diplomata.
Chamaram terroristas aos actuais governantes e autoridades das antigas colónias portuguesas. E também a várias personalidades do actual regime português. Em suma, a palavra terrorista já por essa altura andava desvalorizada, estafada, gasta. Só voltou a ter importância quando rebentaram com as torres de New York, porque os ataques bombistas em França, Itália, Espanha, Alemanha e outros países, incluindo da Ásia e América do Sul, nunca tiveram importância aos olhos dos Estados Unidos e de Israel. Israel que, diga-se de passagem, foi um alfobre de terroristas, não foi só o Ben Gurion, houve muitos mais.
Hoje, 30 de Julho de 2006, o mundo estremeceu com a matança de Canaã, a sul do Líbano, em que perderam a vida 67 civis, dos quais 37 eram crianças e os restantes quase todos mulheres. Mais um bombardeio cego e cruel, como aqueles que têm destruído aquele país, que já vai em mil mortos e um milhão de desalojados. Em três semanas! Notícias fiáveis de jornalistas que ali aguentam a pé firme em nome da verdade e da informação, e aí se devem destacar os repórteres portugueses que lá estão, dizem-nos da destruição sem tréguas, da matança sem hesitações. A Igreja que Sofre dá-nos a saber que alguns conventos têm sido atingidos rudemente. Os refugiados que chegam aos milhares ao Canadá contam histórias medonhas de crueldade. Os israelitas estão a fazer aos povos vizinhos aquilo que o monstro alemão fez com eles. Grandes alçapões tem a alma humana!
Israel nega tudo. Diz que só entrou no Líbano para acertar contas com o Hezbollah e para resgatar um soldado raptado. Bush e Blair, apontados a dedo como municiadores de Israel, negam a pés juntos tal estatuto. Condoleeza Rice, sempre com aquele sorriso de plástico, vai apresentando condolências e prometendo o cessar fogo para daqui uns dias, isto é, quando Israel lhe comunicar que já não há mais nada para bombardear. O Hezbollah, que também não é flor que se cheire, riposta com mísseis cada vez mais potentes, o que dá a perceber que o destino último será Telavive, ao mesmo tempo que oferece, no corpo a corpo, uma resistência com que os israelitas não contavam. A águia americana está de olho no Irão e na Síria, pronta a invadir em nome da democracia mal cheirosa, essa que cheira a petróleo. Por aqui, no Norte da América, receia-se que estejamos a caminhar para a Terceira Guerra Mundial. Todos o dizem.
Há culpas de lado a lado, sabe-se. Mas os Estados Unidos da América, useiros e vezeiros em semear tempestades, encontraram a alma gémea em Israel. A mesma teimosia cruel, o mesmo sectarismo bronco, a mesma falta de respeito pelos seres humanos que não tenham nascido sob as suas bandeiras. Não é assim que se esvazia o radicalismo islâmico e se incentiva o islamismo moderado e inteligente. Apenas o Desenvolvimento, a Justiça, o Respeito e o Diálogo podem conseguir aquilo que as armas nunca conseguirão.
segunda-feira, julho 17, 2006
Testemunhos para a História
por João Mattos e Silva
Apareceram nas livrarias, quase simultaneamente, dois livros que falam de personagens da História portuguesa do século XX e que, cada um à sua maneira, nos ajudam a compreender pessoas, situações, episódios, mitos da história da República e dos monárquicos, após a revolução de 1910: uma biografia, "Um Herói Português - Henrique de Paiva Couceiro", de Vasco Pulido Valente e " Salazar e a Rainha", de Fernando Amaro Monteiro.
Na biografia de Paiva Couceiro o enfoque está na figura, hoje de difícil compreensão, do " Comandante", como militar nas guerras de ocupação colonial dos fins do século XIX e inícios de XX e como Governador Geral de Angola mas, acima de tudo, como Paladino da Monarquia derrubada no 5 de Outubro. E é neste papel de último defensor do regime que fez Portugal durante oitocentos anos, que Paiva Couceiro se agiganta e é lembrado pela História. Ao traçar o seu percurso, traça-se, ainda que em largas pinceladas, a história da República até 1944 e, para a compreensão das incursões armadas, a história dos movimentos monárquicos, na opinião de vários autores que a este período se dedicaram e que comungo, os grandes causadores do insucesso das acções restauracionistas, a par do carácter voluntarista e quixotesco do "condestável". De realçar nesta biografia a crueza - e mesmo rudeza terminológica - com que Pulido Valente avalia a I República e os dirigentes republicanos e como acaba com certos mitos da historiografia republicana, como a dos "heróicos defensores de Chaves".
Fernando Amaro Monteiro, centrado na relação de Salazar com a Rainha D. Amélia, através da correspondência trocada, acaba por escrever uma autêntica história dos movimentos monárquicos sob a I República e as duas primeiras décadas da II, enfatizando as suas divisões, as suas pusilanimidades e, nalguns casos, as autênticas traições ao ideal que diziam defender. E traça esplêndidos retratos: de D. Carlos, da Rainha D. Amélia, de João Franco, de vários outros políticos que apressaram (fica-se, mais uma vez, na dúvida, se por incapacidade se por traição) o fim da Monarquia, dos dirigentes monárquicos, Lugares-Tenentes de D. Manuel II e de D. Duarte Nuno de Bragança e de outros, do último rei e de Salazar (para além dos dois primeiros chefes do Estado da II República, Carmona e Craveiro Lopes).
O grande mérito deste trabalho de Fernando Amaro Monteiro, monárquico de toda uma vida de 72 anos com envolvimento na acção política, é desfazer o grande mito que alguns ainda cultivam contra todas as evidências, de que Salazar era monárquico e de que, certamente numa manhã de nevoeiro, haveria de restaurar a Monarquia. E a de que se não o fez foi por culpa ou omissão dos monárquicos. Podia tê-la restaurado com D. Manuel, por quem tinha grande apreço, como poderia tê-lo feito com D. Duarte Nuno de quem só sabia o que lhe interessava, ou preparar para o futuro a restauração, como fez o Caudilho de Espanha, Francisco Franco. Por formação tradicionalista, Salazar era deferente com os Reis e com os Príncipes, sobretudo porque esses reis e príncipes, uns porque viveram o fim catastrófico do fim do constitucionalismo monárquico e o regicídio hediondo e, ainda que de fora, a balbúrdia republicana, os outros porque formados numa concepção de monarquia tradicionalista, viram nele o garante da ordem, paz social e da recuperação económica do País e o admiraram até à abdicação do que representavam.
A história da Causa Monárquica que Amaro Monteiro traça é o espelho dessa abdicação, da submissão de uma grande parte dos monárquicos ao regime republicano do Estado Novo. Salazar, com os seus gestos respeitadores da tradição, a deferência – mas também em certas ocasiões a vileza do dono do poder absoluto – para com os Príncipes, manipulou os monárquicos, dispôs a seu bel prazer da Causa Monárquica e dos seus dirigentes, incorporou-os no seu Estado Novo. Terá dito um dia, que a sua vocação seria a de "primeiro-ministro de um rei absoluto" e sabia que nem D. Manuel II nem D. Duarte Nuno – que em 1958 foi impedido de assinar uma Proclamação pelo Lugar-Tenente indigitado por Salazar, em que se assumia, porque Herdeiro dos Reis de Portugal, como garante das "liberdades públicas perante a força, a autoridade e as largas funções que caracterizam o Estado Moderno" - tinham o perfil de um D. José e que ele dificilmente seria com eles um Marquês de Pombal. Para o estatismo de Salazar, que era a própria encarnação do Estado cujos Chefes fazia e desfazia a seu bel prazer – e deixou tantos herdeiros nesta III República… – era inconcebível que alguém que representava a Nação histórica pudesse estar acima dele e para além do Estado.
Estes livros, tão diferentes nas pessoas e no pensamento político dos seus autores, mais do que meras páginas de uma história que precisa ser conhecida, devem fazer pensar os monárquicos e todos os portugueses de boa fé, amantes da " lusitana antiga liberdade".
In Diário Digital, em 14 de Julho de 2006
Apareceram nas livrarias, quase simultaneamente, dois livros que falam de personagens da História portuguesa do século XX e que, cada um à sua maneira, nos ajudam a compreender pessoas, situações, episódios, mitos da história da República e dos monárquicos, após a revolução de 1910: uma biografia, "Um Herói Português - Henrique de Paiva Couceiro", de Vasco Pulido Valente e " Salazar e a Rainha", de Fernando Amaro Monteiro.
Na biografia de Paiva Couceiro o enfoque está na figura, hoje de difícil compreensão, do " Comandante", como militar nas guerras de ocupação colonial dos fins do século XIX e inícios de XX e como Governador Geral de Angola mas, acima de tudo, como Paladino da Monarquia derrubada no 5 de Outubro. E é neste papel de último defensor do regime que fez Portugal durante oitocentos anos, que Paiva Couceiro se agiganta e é lembrado pela História. Ao traçar o seu percurso, traça-se, ainda que em largas pinceladas, a história da República até 1944 e, para a compreensão das incursões armadas, a história dos movimentos monárquicos, na opinião de vários autores que a este período se dedicaram e que comungo, os grandes causadores do insucesso das acções restauracionistas, a par do carácter voluntarista e quixotesco do "condestável". De realçar nesta biografia a crueza - e mesmo rudeza terminológica - com que Pulido Valente avalia a I República e os dirigentes republicanos e como acaba com certos mitos da historiografia republicana, como a dos "heróicos defensores de Chaves".
Fernando Amaro Monteiro, centrado na relação de Salazar com a Rainha D. Amélia, através da correspondência trocada, acaba por escrever uma autêntica história dos movimentos monárquicos sob a I República e as duas primeiras décadas da II, enfatizando as suas divisões, as suas pusilanimidades e, nalguns casos, as autênticas traições ao ideal que diziam defender. E traça esplêndidos retratos: de D. Carlos, da Rainha D. Amélia, de João Franco, de vários outros políticos que apressaram (fica-se, mais uma vez, na dúvida, se por incapacidade se por traição) o fim da Monarquia, dos dirigentes monárquicos, Lugares-Tenentes de D. Manuel II e de D. Duarte Nuno de Bragança e de outros, do último rei e de Salazar (para além dos dois primeiros chefes do Estado da II República, Carmona e Craveiro Lopes).
O grande mérito deste trabalho de Fernando Amaro Monteiro, monárquico de toda uma vida de 72 anos com envolvimento na acção política, é desfazer o grande mito que alguns ainda cultivam contra todas as evidências, de que Salazar era monárquico e de que, certamente numa manhã de nevoeiro, haveria de restaurar a Monarquia. E a de que se não o fez foi por culpa ou omissão dos monárquicos. Podia tê-la restaurado com D. Manuel, por quem tinha grande apreço, como poderia tê-lo feito com D. Duarte Nuno de quem só sabia o que lhe interessava, ou preparar para o futuro a restauração, como fez o Caudilho de Espanha, Francisco Franco. Por formação tradicionalista, Salazar era deferente com os Reis e com os Príncipes, sobretudo porque esses reis e príncipes, uns porque viveram o fim catastrófico do fim do constitucionalismo monárquico e o regicídio hediondo e, ainda que de fora, a balbúrdia republicana, os outros porque formados numa concepção de monarquia tradicionalista, viram nele o garante da ordem, paz social e da recuperação económica do País e o admiraram até à abdicação do que representavam.
A história da Causa Monárquica que Amaro Monteiro traça é o espelho dessa abdicação, da submissão de uma grande parte dos monárquicos ao regime republicano do Estado Novo. Salazar, com os seus gestos respeitadores da tradição, a deferência – mas também em certas ocasiões a vileza do dono do poder absoluto – para com os Príncipes, manipulou os monárquicos, dispôs a seu bel prazer da Causa Monárquica e dos seus dirigentes, incorporou-os no seu Estado Novo. Terá dito um dia, que a sua vocação seria a de "primeiro-ministro de um rei absoluto" e sabia que nem D. Manuel II nem D. Duarte Nuno – que em 1958 foi impedido de assinar uma Proclamação pelo Lugar-Tenente indigitado por Salazar, em que se assumia, porque Herdeiro dos Reis de Portugal, como garante das "liberdades públicas perante a força, a autoridade e as largas funções que caracterizam o Estado Moderno" - tinham o perfil de um D. José e que ele dificilmente seria com eles um Marquês de Pombal. Para o estatismo de Salazar, que era a própria encarnação do Estado cujos Chefes fazia e desfazia a seu bel prazer – e deixou tantos herdeiros nesta III República… – era inconcebível que alguém que representava a Nação histórica pudesse estar acima dele e para além do Estado.
Estes livros, tão diferentes nas pessoas e no pensamento político dos seus autores, mais do que meras páginas de uma história que precisa ser conhecida, devem fazer pensar os monárquicos e todos os portugueses de boa fé, amantes da " lusitana antiga liberdade".
In Diário Digital, em 14 de Julho de 2006
sexta-feira, julho 14, 2006
Homenagens a Henrique Barrilaro Ruas
em A Voz Portalegrense (Mário Martins),
em Ave Azul (Martim de Gouveia e Sousa),
e em O sexo dos anjos (Manuel Azinhal) .
Hoje, a nossa homenagem a Henrique Barrilaro Ruas, consiste em lançar também à terra mais algumas sementes:
Abertura de uma página em Unica Semper Avis , na secção do Integralismo Lusitano, especialmente dedicada a Afonso Botelho.
Publicação da intervenção de Henrique Barrilaro Ruas no Colóquio sobre o Pensamento e a Obra de Afonso Botelho (organizado por José Esteves Pereira, em Maio de 1997) sob o título "O Pensamento Político de Afonso Botelho".
Publicação de um texto de António Sardinha intitulado "24 de Julho" , onde se trata do significado daquela data, em 1833, e da derrota de Portugal em Évora-Monte (1834).
JMQ
em Ave Azul (Martim de Gouveia e Sousa),
e em O sexo dos anjos (Manuel Azinhal) .
Hoje, a nossa homenagem a Henrique Barrilaro Ruas, consiste em lançar também à terra mais algumas sementes:
Abertura de uma página em Unica Semper Avis , na secção do Integralismo Lusitano, especialmente dedicada a Afonso Botelho.
Publicação da intervenção de Henrique Barrilaro Ruas no Colóquio sobre o Pensamento e a Obra de Afonso Botelho (organizado por José Esteves Pereira, em Maio de 1997) sob o título "O Pensamento Político de Afonso Botelho".
Publicação de um texto de António Sardinha intitulado "24 de Julho" , onde se trata do significado daquela data, em 1833, e da derrota de Portugal em Évora-Monte (1834).
JMQ
quinta-feira, julho 13, 2006
Agostinho da Silva - Cartas inéditas
"Continuo firme na ideia de que a Monarquia coordenadora de Municípios Republicanos foi o regime mais certo para Portugal"
"O regime de que o mundo precisa para sair do atoleiro em que está metido é realmente o da Monarquia Portuguesa anterior a D. João I...
Acima disso, o município, clara e inteiramente "republicano". Como "coordenador geral" e "inspirador" o Rei...
..." gosto muito de Dom Duarte: tenho-o visto de excelente porte em várias e às vezes difíceis situações"
Agostinho da Silva
Teresa Sabugosa - Viva a República! Viva o Rei! - Cartas inéditas de Agostinho da Silva, Lisboa, Zéfiro, 2006.
"O regime de que o mundo precisa para sair do atoleiro em que está metido é realmente o da Monarquia Portuguesa anterior a D. João I...
Acima disso, o município, clara e inteiramente "republicano". Como "coordenador geral" e "inspirador" o Rei...
..." gosto muito de Dom Duarte: tenho-o visto de excelente porte em várias e às vezes difíceis situações"
Agostinho da Silva
Teresa Sabugosa - Viva a República! Viva o Rei! - Cartas inéditas de Agostinho da Silva, Lisboa, Zéfiro, 2006.
A única lição
por Luciano Amaral*
Há quem diga que a II Guerra Mundial começou há 70 anos atrás, em 18 de Julho de 1936, com a revolta de certos militares espanhóis (de que viria a destacar-se o general Francisco Franco) contra o Governo dito da "Frente Popular" da II República.
A revolta deu origem a um dos mais dramáticos episódios do século XX, a Guerra Civil de Espanha, e quando se diz que inaugurou a II Guerra Mundial pensa-se no facto de nela se terem enfrentado alguns dos mais emblemáticos actores do conflito mundial, a Alemanha hitleriana e a Itália mussoliniana, do lado revoltoso, e a URSS estalinista, do lado do Governo. Para além de que, uma vez terminado o enfrentamento espanhol, em 1939, logo começou o mundial.
Há quem no entanto tome esta comparação por superficial. Lembram que a II Guerra Mundial foi lançada por Hitler depois de se ter entendido com Estaline no Pacto Germano- -Soviético. E lembram que da Guerra Civil espanhola estiveram muito conspicuamente ausentes os países democráticos (França, Inglaterra e EUA), os quais viriam, depois, a ser os primeiros a entrar em guerra com a Alemanha e a Itália. A Guerra Civil deveria então ser antes vista como mais uma materialização do conflito revolução vs. contra-revolução inaugurado pela revolução soviética de 1917, que atravessou o século XX e constituiu o seu fio condutor, resultando na impossibilidade de mediação entre extremos radicais.
Há no entanto um sentido mais profundo no qual os dois episódios se ligam. Em ambos ocorreu uma associação espúria entre democracia e comunismo. Assim como os aliados democráticos na II Guerra Mundial acabaram por juntar-se à URSS estalinista em nome da democracia, também na Guerra Civil de Espanha o lado dito republicano, mas na verdade cada vez mais dominado pelo PCE e a facção leninista do PSOE, acabou por ser propagandisticamente identificado com a democracia. A ambiguidade da II Guerra Mundial resultou na prática entrega de cerca de metade da Europa à tirania comunista. A ambiguidade na Guerra Civil de Espanha resultou na grande mentira histórica segundo a qual a vitória de Franco teria significado a derrota da democracia.
A verdade é que a II República e a Guerra Civil são episódios com algo de semelhante ao da República de Weimar: um regime de matriz democrática e liberal revelou-se incapaz de se defender perante os extremos, o fascista, de um lado, e o comunista, do outro. Não há dúvidas sobre os procedimentos democráticos da II República. Mas também não há dúvidas de que, dominada pela esquerda republicana e o PSOE (um partido muito diferente do PSOE de hoje), a República viu esses procedimentos sistematicamente atraiçoados pela esquerda: quando a Confederação Espanhola das Direitas Autónomas (CEDA) ganhou as eleições de 1933, a esquerda inicialmente conseguiu impedi-la de governar. E quando a CEDA finalmente entrou no Governo (embora em pastas secundárias), uma coligação do PSOE com anarco-sindicalistas, comunistas e independentistas catalães e bascos juntou-se para desencadear uma revolta em 1934. Acaso esta revolta (de que resultariam cerca de um milhar de mortos) tivesse triunfado, ter-se-ia instaurado em Espanha uma ditadura de esquerda.
O cálculo do horror gratuito está muito bem distribuído pelos dois lados durante a Guerra Civil de 1936-39. Do lado republicano, aos cerca de sete mil padres assassinados juntam-se os milhares de presos, torturados e assassinados nas famosas tchekas (segundo o modelo estalinista, como o nome indica), não faltando mesmo episódios emblemáticos, como a execução sumária de 2500 presos em Paracuellos de Jarama (diz-se que às ordens do ainda vivo Santiago Carrillo) ou a morte dos escritores Pedro Muñoz Seca e Ramiro de Maetzu. Do lado dito nacionalista, contam-se também os milhares de execuções sumárias, os campos de concentração e mortes famosas como a de Federico Garcia Lorca. Lugar de destaque merece a Guerra Civil dentro da guerra civil que George Orwell celebrizou, na qual PCE, PSOE e esquerda republicana suprimiram brutalmente os seus supostos aliados anarco-sindicalistas e da esquerda radical (o POUM), depreciativamente intitulada de trotskista.
A vitória e a longa sobrevivência de Franco não nos deve fazer esquecer quem estava do outro lado. A vitória de Franco não foi a derrota da democracia, no sentido em que a derrota de Franco seria a vitória da democracia. A Guerra Civil de Espanha é um daqueles episódios que relembram a dimensão fundamentalmente trágica da História: nem sempre é possível escolher um dos lados e ficar de bem com a nossa consciência. A esquerda e a direita que dela procuram tirar lições edificantes para o seu lado respectivo, como ainda hoje tristemente acontece em Espanha ou no Parlamento Europeu, deviam antes tirar lições edificantes acerca daquilo que cada uma fez então. E depois, procurar não repetir.
*Professor universitário
In Diário de Notícias, 13-07-2006.
Há quem diga que a II Guerra Mundial começou há 70 anos atrás, em 18 de Julho de 1936, com a revolta de certos militares espanhóis (de que viria a destacar-se o general Francisco Franco) contra o Governo dito da "Frente Popular" da II República.
A revolta deu origem a um dos mais dramáticos episódios do século XX, a Guerra Civil de Espanha, e quando se diz que inaugurou a II Guerra Mundial pensa-se no facto de nela se terem enfrentado alguns dos mais emblemáticos actores do conflito mundial, a Alemanha hitleriana e a Itália mussoliniana, do lado revoltoso, e a URSS estalinista, do lado do Governo. Para além de que, uma vez terminado o enfrentamento espanhol, em 1939, logo começou o mundial.
Há quem no entanto tome esta comparação por superficial. Lembram que a II Guerra Mundial foi lançada por Hitler depois de se ter entendido com Estaline no Pacto Germano- -Soviético. E lembram que da Guerra Civil espanhola estiveram muito conspicuamente ausentes os países democráticos (França, Inglaterra e EUA), os quais viriam, depois, a ser os primeiros a entrar em guerra com a Alemanha e a Itália. A Guerra Civil deveria então ser antes vista como mais uma materialização do conflito revolução vs. contra-revolução inaugurado pela revolução soviética de 1917, que atravessou o século XX e constituiu o seu fio condutor, resultando na impossibilidade de mediação entre extremos radicais.
Há no entanto um sentido mais profundo no qual os dois episódios se ligam. Em ambos ocorreu uma associação espúria entre democracia e comunismo. Assim como os aliados democráticos na II Guerra Mundial acabaram por juntar-se à URSS estalinista em nome da democracia, também na Guerra Civil de Espanha o lado dito republicano, mas na verdade cada vez mais dominado pelo PCE e a facção leninista do PSOE, acabou por ser propagandisticamente identificado com a democracia. A ambiguidade da II Guerra Mundial resultou na prática entrega de cerca de metade da Europa à tirania comunista. A ambiguidade na Guerra Civil de Espanha resultou na grande mentira histórica segundo a qual a vitória de Franco teria significado a derrota da democracia.
A verdade é que a II República e a Guerra Civil são episódios com algo de semelhante ao da República de Weimar: um regime de matriz democrática e liberal revelou-se incapaz de se defender perante os extremos, o fascista, de um lado, e o comunista, do outro. Não há dúvidas sobre os procedimentos democráticos da II República. Mas também não há dúvidas de que, dominada pela esquerda republicana e o PSOE (um partido muito diferente do PSOE de hoje), a República viu esses procedimentos sistematicamente atraiçoados pela esquerda: quando a Confederação Espanhola das Direitas Autónomas (CEDA) ganhou as eleições de 1933, a esquerda inicialmente conseguiu impedi-la de governar. E quando a CEDA finalmente entrou no Governo (embora em pastas secundárias), uma coligação do PSOE com anarco-sindicalistas, comunistas e independentistas catalães e bascos juntou-se para desencadear uma revolta em 1934. Acaso esta revolta (de que resultariam cerca de um milhar de mortos) tivesse triunfado, ter-se-ia instaurado em Espanha uma ditadura de esquerda.
O cálculo do horror gratuito está muito bem distribuído pelos dois lados durante a Guerra Civil de 1936-39. Do lado republicano, aos cerca de sete mil padres assassinados juntam-se os milhares de presos, torturados e assassinados nas famosas tchekas (segundo o modelo estalinista, como o nome indica), não faltando mesmo episódios emblemáticos, como a execução sumária de 2500 presos em Paracuellos de Jarama (diz-se que às ordens do ainda vivo Santiago Carrillo) ou a morte dos escritores Pedro Muñoz Seca e Ramiro de Maetzu. Do lado dito nacionalista, contam-se também os milhares de execuções sumárias, os campos de concentração e mortes famosas como a de Federico Garcia Lorca. Lugar de destaque merece a Guerra Civil dentro da guerra civil que George Orwell celebrizou, na qual PCE, PSOE e esquerda republicana suprimiram brutalmente os seus supostos aliados anarco-sindicalistas e da esquerda radical (o POUM), depreciativamente intitulada de trotskista.
A vitória e a longa sobrevivência de Franco não nos deve fazer esquecer quem estava do outro lado. A vitória de Franco não foi a derrota da democracia, no sentido em que a derrota de Franco seria a vitória da democracia. A Guerra Civil de Espanha é um daqueles episódios que relembram a dimensão fundamentalmente trágica da História: nem sempre é possível escolher um dos lados e ficar de bem com a nossa consciência. A esquerda e a direita que dela procuram tirar lições edificantes para o seu lado respectivo, como ainda hoje tristemente acontece em Espanha ou no Parlamento Europeu, deviam antes tirar lições edificantes acerca daquilo que cada uma fez então. E depois, procurar não repetir.
*Professor universitário
In Diário de Notícias, 13-07-2006.
segunda-feira, julho 10, 2006
"Obrigado"
por João César das Neves*
A vida tem sentido. A realidade do mundo, a evolução da humanidade, os acontecimentos da nossa história pessoal têm uma lógica, uma sequência, uma finalidade. Só por isso é que, perante algo que não entendemos, sempre perguntamos: "Porquê?" Queremos saber a razão, a causa, o propósito. Se as coisas à nossa volta fossem sempre arbitrárias e fortuitas, ninguém as tentaria compreender.
Até os livres-pensadores, presos a uma visão materialista, cega e efémera da existência, se indignam quando sofrem uma injustiça, ficam confusos quando não entendem o que observam ou vivem. Todos, de alguma maneira, esperamos ordem e equilíbrio à nossa volta. Como se poderia viver num mundo ilógico? Numa sociedade aleatória? Numa história caprichosa? A vida tem sentido.
Esse sentido da vida não é uma lei férrea, um destino predeterminado. Ele pode ser distorcido, oculto, perdido, atacado. Existem naturalmente muitas coisas que não entendemos, acidentes fortuitos, desastres destruidores, factos incompreensíveis, porquês sem resposta. Por isso, naturalmente, nem sempre o sentido é o que nós gostaríamos. Nem sempre a vida encaixa nos projectos que vamos fazendo. Mas tudo isso só confirma a existência do sentido da vida. Tal como a doença manifesta a realidade da saúde e o crime não anula a existência da lei, antes a revela. Por isso continuamos a perguntar "porquê?".
A era moderna nasceu quando esta pergunta "porquê?" ganhou um novo teor. Antes era apenas uma súplica de motivo; depois passou a ser a investigação de uma causa. O ser humano foi sondando e analisando o mecanismo da realidade. Perguntar "porquê?" passou a exigir uma teoria explicativa. Graças à nova atitude, a humanidade ganhou muito. A ciência abriu as portas à técnica e esta trouxe conforto, medicina, progresso, prosperidade. Perguntar "porquê?" permitiu um enorme domínio sobre a realidade. O sentido da vida pare- ceu acessível, decifrável, controlável.
A era contemporânea começou quando este resultado trouxe um novo tom à pergunta "porquê?". Agora, perante algo que não entendemos, assumimos um acento exigente, indignado, reivindicativo: "Porque nos acontece isto? Como é possível que não tenha sido evitado? Não há um estudo, uma política, uma solução?" O ser humano começou a impor direitos, a fazer exigências à realidade. Vivemos, mas sob condições, segundo as regras que reclamamos. Esta evolução, se nos concedeu enormes benefícios, também nos fez perder dois dos elementos fundamentais do sentido da vida.
O primeiro é que a vida é um dom, algo que só temos porque nos foi dado. Recebemo-la um dia, tal como a haveremos um dia de entregar. Até lá temos de seguir o caminho que ela escolhe. Mesmo no mundo da tecnologia, não controlamos o que nos acontece, apenas aquilo que fazemos com o que nos acontece. A existência tem sentido, mas é tudo menos controlável.
O segundo aspecto que a visão actual ignora é que todas as situações, mesmo as mais desesperadas, têm em si sempre algo de bom. O mal absoluto não existe. A vida tem sentido. Os horrores da violência, miséria, desespero são bem visíveis no meio do conforto da modernidade. Chocamos contra as tristes situações em que o sentido da vida é distorcido, oculto, perdido, atacado. Mas há sempre um raio de luz no fundo da maior escuridão.
Muita gente recusa estes aspectos como atitudes passivas, conformistas, medíocres. É preciso, dizem, ser sempre proactivo, exigente, inovador, inconformado. Esses espíritos tacanhos só vêem duas alternativas: a exuberância irrequieta ou a apatia boçal. Mas respeitar o sentido da vida e promover o lado positivo dos acontecimentos, por ínfimo que seja, é a única forma realista de construir a sociedade justa, o desenvolvimento sustentado, a vida com sentido. Os edifícios utópicos bem-intencionados foram causa dos maiores desastres da humanidade.
Esquecendo estes dois aspectos, o ser humano actual, até no meio da prosperidade, sente uma amargura que o passado desconhecia. Para quem exige direitos, a quem impõe projectos, é difícil sentir-se grato por viver no mundo, mesmo quando chove, por ter um corpo, mesmo com dores. "A sabedoria na vida não está em fazer aquilo de que se gosta, mas em gostar daquilo que se faz", como diz o provérbio que o meu pai gosta de repetir. A verdadeira felicidade é daqueles que, perante os obstáculos e contrariedades, não perguntam "porquê?", mas conseguem dizer sinceramente "obrigado!".
*Professor universitário
"Não digas 'porquê', diz 'obrigado'", Diário de Notícias, 10 de Julho de 1996.
A vida tem sentido. A realidade do mundo, a evolução da humanidade, os acontecimentos da nossa história pessoal têm uma lógica, uma sequência, uma finalidade. Só por isso é que, perante algo que não entendemos, sempre perguntamos: "Porquê?" Queremos saber a razão, a causa, o propósito. Se as coisas à nossa volta fossem sempre arbitrárias e fortuitas, ninguém as tentaria compreender.
Até os livres-pensadores, presos a uma visão materialista, cega e efémera da existência, se indignam quando sofrem uma injustiça, ficam confusos quando não entendem o que observam ou vivem. Todos, de alguma maneira, esperamos ordem e equilíbrio à nossa volta. Como se poderia viver num mundo ilógico? Numa sociedade aleatória? Numa história caprichosa? A vida tem sentido.
Esse sentido da vida não é uma lei férrea, um destino predeterminado. Ele pode ser distorcido, oculto, perdido, atacado. Existem naturalmente muitas coisas que não entendemos, acidentes fortuitos, desastres destruidores, factos incompreensíveis, porquês sem resposta. Por isso, naturalmente, nem sempre o sentido é o que nós gostaríamos. Nem sempre a vida encaixa nos projectos que vamos fazendo. Mas tudo isso só confirma a existência do sentido da vida. Tal como a doença manifesta a realidade da saúde e o crime não anula a existência da lei, antes a revela. Por isso continuamos a perguntar "porquê?".
A era moderna nasceu quando esta pergunta "porquê?" ganhou um novo teor. Antes era apenas uma súplica de motivo; depois passou a ser a investigação de uma causa. O ser humano foi sondando e analisando o mecanismo da realidade. Perguntar "porquê?" passou a exigir uma teoria explicativa. Graças à nova atitude, a humanidade ganhou muito. A ciência abriu as portas à técnica e esta trouxe conforto, medicina, progresso, prosperidade. Perguntar "porquê?" permitiu um enorme domínio sobre a realidade. O sentido da vida pare- ceu acessível, decifrável, controlável.
A era contemporânea começou quando este resultado trouxe um novo tom à pergunta "porquê?". Agora, perante algo que não entendemos, assumimos um acento exigente, indignado, reivindicativo: "Porque nos acontece isto? Como é possível que não tenha sido evitado? Não há um estudo, uma política, uma solução?" O ser humano começou a impor direitos, a fazer exigências à realidade. Vivemos, mas sob condições, segundo as regras que reclamamos. Esta evolução, se nos concedeu enormes benefícios, também nos fez perder dois dos elementos fundamentais do sentido da vida.
O primeiro é que a vida é um dom, algo que só temos porque nos foi dado. Recebemo-la um dia, tal como a haveremos um dia de entregar. Até lá temos de seguir o caminho que ela escolhe. Mesmo no mundo da tecnologia, não controlamos o que nos acontece, apenas aquilo que fazemos com o que nos acontece. A existência tem sentido, mas é tudo menos controlável.
O segundo aspecto que a visão actual ignora é que todas as situações, mesmo as mais desesperadas, têm em si sempre algo de bom. O mal absoluto não existe. A vida tem sentido. Os horrores da violência, miséria, desespero são bem visíveis no meio do conforto da modernidade. Chocamos contra as tristes situações em que o sentido da vida é distorcido, oculto, perdido, atacado. Mas há sempre um raio de luz no fundo da maior escuridão.
Muita gente recusa estes aspectos como atitudes passivas, conformistas, medíocres. É preciso, dizem, ser sempre proactivo, exigente, inovador, inconformado. Esses espíritos tacanhos só vêem duas alternativas: a exuberância irrequieta ou a apatia boçal. Mas respeitar o sentido da vida e promover o lado positivo dos acontecimentos, por ínfimo que seja, é a única forma realista de construir a sociedade justa, o desenvolvimento sustentado, a vida com sentido. Os edifícios utópicos bem-intencionados foram causa dos maiores desastres da humanidade.
Esquecendo estes dois aspectos, o ser humano actual, até no meio da prosperidade, sente uma amargura que o passado desconhecia. Para quem exige direitos, a quem impõe projectos, é difícil sentir-se grato por viver no mundo, mesmo quando chove, por ter um corpo, mesmo com dores. "A sabedoria na vida não está em fazer aquilo de que se gosta, mas em gostar daquilo que se faz", como diz o provérbio que o meu pai gosta de repetir. A verdadeira felicidade é daqueles que, perante os obstáculos e contrariedades, não perguntam "porquê?", mas conseguem dizer sinceramente "obrigado!".
*Professor universitário
"Não digas 'porquê', diz 'obrigado'", Diário de Notícias, 10 de Julho de 1996.
Patrioteirismo
por Manuela Salvador Cunha*
Estamos a viver numa bolsa de histeria eufórica e o causador deste estado é o futebol. De repente acordamos para o facto de que somos portugueses, a bandeira nacional recobre as janelas, as varandas, as portas; as senhoras ostentam lencinhos com as cores nacionais, usam saias feitas da nossa bandeira, não sei se brincos com o escudo português – isso não vi, mas quem sabe… –Também vi cães cuja coleira era uma bandeirinha enrolada à medida do pescoço e vi, na televisão, um burro cuja albarda era a bandeira nacional. Não é que não goste de burros. Até têm um olhar meigo e podem ser muito prestáveis. Mas não há dúvida que culturalmente este simpático animal não está propriamente muito bem cotado.
Perante tal exuberância nacionalista recordei o que me havia explicado, aqui há uns anos, um simpático sueco quando lhe mostrei a minha estranheza por muitas casas ostentarem um mastro onde era hasteada a bandeira sempre que um acontecimento mais ou menos importante marcava o dia. “Sabe, nós cá temos muito orgulho na nossa bandeira. E também muito respeito. Imagine que ela nunca pode tocar no chão.“ “Às vezes pode ser complicado…” contrapuz. “Mesmo nos casos difíceis. Olhe, aqui há algum tempo participei num festival de paraquedismo. O primeiro homem a saltar trazia a bandeira sueca desfraldada. Era evidente que desta vez ela teria, inevitavelmente, de tocar no chão no momento da aterragem. Pois bem, enganei-me”. “Como assim?” estranhei eu, curioso. ”Muito fácil. Quando o paraquedista se aproximou do chão, um homem, que já esperava no local, correu ao lado dele durante uns metros e quando a bandeira ficou ao alcance das suas mãos agarrou–a pela ponta que vinha solta e assim, quando o paraquedista pousou no chão, a bandeira flutuava no ar sustentada pelas mãos dos dois homens.”
Um espanto, não é? Um exagero, opinarão alguns. Talvez, direi eu. Mas entre isso e a nossa bandeira no lombo do burro ou no pescoço do cão, não tenho dúvidas para que lado pende a minha opção.
Esta crónica poderia ficar por aqui. Se calhar era o que eu devia fazer. Ficar-me pelo anedótico da questão e deixar no ar um sorrisinho brincalhão.
Mas a tentação de comentar esta bolsa de nacionalismo é mais forte do que eu. Não tenho nada contra o futebol e até confesso que a minha corda patriótica vibrou com as nossas vitórias futebolísticas. Mas um nacionalismo que chega ao rubro por causa do futebol e amornece logo de seguida, um patriotismo que vibra tão intensamente com as proezas no relvado e adormece com as grandes causas nacionais, um nacionalismo que grita que somos os maiores diante das proezas do estádio e se lamenta que afinal somos uns coitados sem auto-estima, quando o nosso nacionalismo está na ponta do pé em vez de ser um modo de estar que nos impulsione para a frente, quando o nosso patriotismo não passa de uma manifestação de histeria colectiva, então, pobre Portugal! Continuaremos a ser o irmão pobre da Europa, com elevados níveis de insucesso escolar, com poucos incentivos válidos para o desenvolvimento tecnológico e intelectual, sem capacidade de resposta para os grandes desafios deste tempo, construtores de estádios, mas sem capacidade de construir hospitais e outras estruturas fundamentais. Continuaremos a ser um povo culturalmente medíocre e ignorante.
O poeta Fernando Pessoa acaba a sua obra “Mensagem” com este verso lapidar:
“ É a hora!”
Parafraseando o poeta, eu diria que está na hora de aproveitar este renascer do patriotismo que avassalou o país para o relançar para as grandes causas nacionais. E então sim, o futebol terá prestado um grande serviço à nação.
* Professora do Ensino Secundário
In O Primeiro de Janeiro, 10 de Julho de 2006.
Estamos a viver numa bolsa de histeria eufórica e o causador deste estado é o futebol. De repente acordamos para o facto de que somos portugueses, a bandeira nacional recobre as janelas, as varandas, as portas; as senhoras ostentam lencinhos com as cores nacionais, usam saias feitas da nossa bandeira, não sei se brincos com o escudo português – isso não vi, mas quem sabe… –Também vi cães cuja coleira era uma bandeirinha enrolada à medida do pescoço e vi, na televisão, um burro cuja albarda era a bandeira nacional. Não é que não goste de burros. Até têm um olhar meigo e podem ser muito prestáveis. Mas não há dúvida que culturalmente este simpático animal não está propriamente muito bem cotado.
Perante tal exuberância nacionalista recordei o que me havia explicado, aqui há uns anos, um simpático sueco quando lhe mostrei a minha estranheza por muitas casas ostentarem um mastro onde era hasteada a bandeira sempre que um acontecimento mais ou menos importante marcava o dia. “Sabe, nós cá temos muito orgulho na nossa bandeira. E também muito respeito. Imagine que ela nunca pode tocar no chão.“ “Às vezes pode ser complicado…” contrapuz. “Mesmo nos casos difíceis. Olhe, aqui há algum tempo participei num festival de paraquedismo. O primeiro homem a saltar trazia a bandeira sueca desfraldada. Era evidente que desta vez ela teria, inevitavelmente, de tocar no chão no momento da aterragem. Pois bem, enganei-me”. “Como assim?” estranhei eu, curioso. ”Muito fácil. Quando o paraquedista se aproximou do chão, um homem, que já esperava no local, correu ao lado dele durante uns metros e quando a bandeira ficou ao alcance das suas mãos agarrou–a pela ponta que vinha solta e assim, quando o paraquedista pousou no chão, a bandeira flutuava no ar sustentada pelas mãos dos dois homens.”
Um espanto, não é? Um exagero, opinarão alguns. Talvez, direi eu. Mas entre isso e a nossa bandeira no lombo do burro ou no pescoço do cão, não tenho dúvidas para que lado pende a minha opção.
Esta crónica poderia ficar por aqui. Se calhar era o que eu devia fazer. Ficar-me pelo anedótico da questão e deixar no ar um sorrisinho brincalhão.
Mas a tentação de comentar esta bolsa de nacionalismo é mais forte do que eu. Não tenho nada contra o futebol e até confesso que a minha corda patriótica vibrou com as nossas vitórias futebolísticas. Mas um nacionalismo que chega ao rubro por causa do futebol e amornece logo de seguida, um patriotismo que vibra tão intensamente com as proezas no relvado e adormece com as grandes causas nacionais, um nacionalismo que grita que somos os maiores diante das proezas do estádio e se lamenta que afinal somos uns coitados sem auto-estima, quando o nosso nacionalismo está na ponta do pé em vez de ser um modo de estar que nos impulsione para a frente, quando o nosso patriotismo não passa de uma manifestação de histeria colectiva, então, pobre Portugal! Continuaremos a ser o irmão pobre da Europa, com elevados níveis de insucesso escolar, com poucos incentivos válidos para o desenvolvimento tecnológico e intelectual, sem capacidade de resposta para os grandes desafios deste tempo, construtores de estádios, mas sem capacidade de construir hospitais e outras estruturas fundamentais. Continuaremos a ser um povo culturalmente medíocre e ignorante.
O poeta Fernando Pessoa acaba a sua obra “Mensagem” com este verso lapidar:
“ É a hora!”
Parafraseando o poeta, eu diria que está na hora de aproveitar este renascer do patriotismo que avassalou o país para o relançar para as grandes causas nacionais. E então sim, o futebol terá prestado um grande serviço à nação.
* Professora do Ensino Secundário
In O Primeiro de Janeiro, 10 de Julho de 2006.
sexta-feira, julho 07, 2006
Salazar e a Rainha, por Fernando Amaro Monteiro
O lançamento do livro SALAZAR E A RAINHA de Fernando Amaro Monteiro decorreu em 6 de Julho, na Sociedade Histórica da Independência de Portugal (Palácio da Independência).
O Senhor Dom Duarte de Bragança apresentou o Autor. A Obra foi apresentada por Carlos Nuno Pinto Coelho.
Eis o ÍNDICE da Obra:
Um perfil de Salazar, segundo Franco Nogueira……………………………………….
Instantâneos da Rainha D. Amélia…………………………………………………………
Breve perfil biográfico e psicológico da Rainha………………………………………..
Em tempo………………………………………………………………………………………..
CAPÍTULO I : O triste depoimento de Teófilo Braga sobre o valor de “O Marquês da Bacalhôa”, de António de Albuquerque (vulgo “Lêndea” ou “Miqueque”), para a revolução : o veneno sobre a Rainha D. Amélia. Afinal, largos anos depois, o Lêndea pede “perdão notarial” à Rainha!...O texto da última carta de Mouzinho para a Rainha. D.Manuel II descreve o Regicídio: uma “batida” de “malvados animais”. A Rainha para João Franco, “com uma voz que metia medo : Mataram El-Rei. Mataram o meu Filho” (sic, D. Manuel). “Que país é esse?”... pergunta Eduardo VII. Viagem triunfal do Rei ao Porto. Mas desde Julho de 1910 que Jorge V de Inglaterra sabe do que se projectava…A grande manifestação lealista de centenas de Oficiais no Bussaco, em Setembro; de 3 para 5 de Outubro a maior parte foge ou não reage. A imcompetência total do Ministério. O Rei em Mafra, na tarde de 4, encontra 150 homens na Escola Prática de Infantaria : “Vim para aqui por conselho do Governo”. A Rainha na manhã de 5 : tão calma e altiva, até parecia vencedora! A ida para a Ericeira, com a Família Real escoltada por 1 Alferes, 1 Cadete, 1 Sargento e 22 Praças (10 só com espadas)… O embarque no Iate “Amélia”: o povo da terra, respeitoso e triste; as tripulações das barcas deram ainda os três “vivas” do estilo. A bordo , o Rei não conseguiu ou não quis dar uma ordem terminante :”Porto !”. A Rainha, sempre ao longo dos anos: “Os Braganças não fugiram para Gibraltar. Embarcaram para o Porto”. 21 tiros de salva e todo o protocolo real em Gibraltar. Em Inglaterra: um desembarque discreto………………………………………………………………………………………..
CAPÍTULO II: O Rei e a Rainha em Richmond entre 1911 e 1913. D. Manuel II atento às tentativas absorcionistas de Afonso XIII em Londres. A 1ª incursão de Paiva Couceiro : desastre. Os legitimistas, “D.Miguel II”, e o Pacto de Dover; o “poder competente das Cortes”, que o Rei não pode esquecer. O desgaste do Rei e da Rainha, sobretudo dele. Em 1912, o Rei, alarmado por informações de bastidor acerca de actos que se intentam contra Portugal, tenta conjugar valores e apela para João Franco, exilado em Biarrirtz : “(…) a nacionalidade corre tais riscos que julgo meu impretérito dever dirigir-lhe este supremo apelo”. O desastre da 2ª incursão e, em Lisboa, o fracasso de Outubro de 1913, contra as ordens explícitas que o Rei dera a Ayres de Ornellas. A acção da Rainha no casamento do Rei com a Princesa Augusta Victoria de Hohenzollern-Sigmaringen (ramo católico da Família Imperial Alemã). Doença da jovem Rainha logo a seguir : o triunfo do reles em Portugal. D. Manuel II e a Rainha D. Augusta Victoria: residência em Fulwell Park. D. Amélia para França; enfermeira durante a Guerra e condecorada. O Rei na Cruz Vermelha Britânica (1915/1919); desempenho brilhante como Director do Departamento Ortopédico do “Joint War Commiittee”. Sobre a revolta de Monsanto (1919) e Ayres de Ornellas, o Rei escreve :”Um crime que se cometeu contra todas as minhas instruções.” O Integralismo e o Pacto de Paris (1922). D.Duarte Nuno no horizonte da sucessão; friezas familiares. Em 2/Julho/1932: sufocação e morte do Rei em minutos do maior sofrimento ; a premonição da Rainha D. Amélia. O Governo decreta funerais nacionais.Todos os organismos monárquicos aclamam Rei o “sucessor de direito”: D. Duarte II. ………
CAPÍTULO III: No mês da morte do Rei já o seu Lugar-Tenente, João de Azevedo Coutinho, estava às ordens de Salazar… Uma pretensa filha de D. Carlos I começa uma longuíssima agitação histriónica. O apoio da Realeza à Ditadura: “Repetiu-me ElRei as instrucções formaes(…)”, dizia a Rainha D. Amélia em 1932 a Salazar. Começam a mistura da Causa Monárquica com a União Nacional e o desmantelamento do Nacional-Sindicalismo! Salazar em 30/Julho/1934: “(…) morreu El-Rei sem que eu pudesse exprimir-Lhe (…) quanto o Seu apoio e a orientação dada à política monárquica facilitaram a acção da Ditadura e especialmente a minha”. O risível golpe da Penha de França. Os exílios do Comandante Henrique de Paiva Couceiro. A Rainha D. Amélia em 23/Julho/1938 escreve para o Brasil sobre Salazar: “O que o eleva (…) é o seu desinteresse, o grande desprezo que mostra(…)pelas conjecturas desfazedoras dos imbecis”. Em 22/Dezembro/1938, depois de entrevistada, rejubila : “(…) o meu título de Rainha foi restabelecido nos jornaes de Portugal”. As duas Rainhas cortam entre si: D. Augusta Vitória fizera um segundo casamento, luterano, com o Conde Douglas.Em 13/Outubro/1939,face à Guerra, D. Duarte Nuno, Duque de Bragança, manda o Lugar-Tenente manifestar ao Embaixador britânico o seu apoio à Inglaterra. Os Centenários e a representação da Casa de Bragança. A Rainha na França ocupada; correspondência e diligências portuguesas. 1942 e o casamento, no Brasil, do Duque de Bragança com a Princesa D. Maria Francisca, do ramo brasileiro da Casa; a Rainha será madrinha. Salazar: “(…) enlace em que o Governo não podia deixar de ver vantagens nacionais”. Mas que os Duques saiam depressa quando regressarem…………………
CAPÍTULO IV: A situação da Rainha na França em Guerra e as diligências que isso suscita. O interesse do Marquês de Lavradio junto de Salazar pelo assunto representa o de uma Nobreza que ainda se sente protagonista ; Salazar indica a”via competente”. Em 15/Fevereiro/1944 Salazar convida a Rainha para entrar e ela responde em 20/Março, referindo-se ao seu pessoal francês: “É desejo meu , ficar por ora com elles, que tão infelizes são”. Uma diligência diplomática mais esclarecedora reporta todavia, em 12 de Abril, que o verdadeiro problema da Rainha é “(…)a falta em Portugal de pessoa amiga, cauta e competente, em cujo conselho desinteressado pudesse inteiramente confiar”. Salazar: quem? Em 23/Agosto/1944 Salazar comunica com o Lugar-Tenente de D. Duarte Nuno : duas das Infantas estão presas em Viena ; “da Senhora Dona Amélia nada sabemos”. Em 7 de Setembro persiste a falta de notícias da Rainha, que só em 23 se conseguem, avisando-se logo o Lugar-Tenente. Em 23/Abril/1945 a Infanta D. Filipa reporta a Salazar a organização monárquica. A Rainha é convidada a visitar Portugal e desembarca no dia 17 de Maio. Uma estadia estranha: momentos muito altos de triunfo, com multidões, mas entretanto D. Amélia vai-se esfumando… Nasce, na Embaixada de Portugal na Suiça, D. Duarte Pio, primogénito da Casa. O Conde de Barcelona, no Estoril, em choque aberto com Franco. Em 23/Agosto/1947, um espanto : por ordem de Salazar, Santos Costa visita o Presidente Carmona para saber o que pensaria ele da Restauração. Em 3/Dezembro/1948 missão secreta de Nosolini, junto da Rainha, fala-lhe da Restauração e pede-lhe que contemple os Príncipes, sobretudo o afilhado D. Duarte Pio, no seu testamento. A Rainha: “(…) A restauração da Monarquia? Mas pensa-se na restauração da monarquia? Um codicilo……………………………………………………………………………………………………………
CAPÍTULO V : Em 19/Abril/1949, a Rainha anuncia a Salazar que está “(…)disposta a fazer o que me pede sobre o meu testamento e os futuros Herdeiros da Monarquia em Portugal”. Salazar intervém, ele próprio, na redacção do codicilo em Francês. E a Rainha, talvez ainda com velhos ressentimentos familiares, diz no fim: “única e exclusivamente porque o Senhor m´o pediu”. Em 12/Julho/1949 Salazar comenta em apontamento pessoal, referindo-se ao Lugar-Tenente Professor Fezas Vital e ao património da Fundação da Casa de Bragança: “(…)disse que estava convencido não haver oposição a que a Casa de Bragança fosse entregue ao Senhor Dom Duarte. Não respondi nem comentei o dito”. Sem entusiasmo de Salazar (“os Reis no Trono ou no Exílio”) é em 27/Maio/1950 revogada a Lei do Banimento. Em 31/Janeiro/1951 Fezas Vital entrega a Salazar um “projecto preparado para ser presente à Assembleia Nacional”, com vista a resolver o problema dos bens da Casa de Bragança. Mas Salazar só queria para os Braganças, enquanto não reinassem, um razoável conforto… Entretanto, em Bellevue, a Rainha tem curtas alucinações durante as quais confunde o seu Aio, Capitão Júlio da Costa Pinto, com o Príncipe Real, e o “vê” coberto de sangue: - “O que te fizeram, meu filho queridíssimo?” . Recebe enfim D. Augusta Victoria. Entra em calma e perfeita lucidez, despedindo-se em Português e morrendo em 25 de Outubro.
Complicações em torno do Protocolo no funeral nacional, envolvendo o Duque de Bragança. Despacho secreto de Salazar para Santos Costa em 8/Novembro/1951 : “(…) O Fezas, a Causa, os monárquicos não constituem uma fonte de consulta e de orientação. Não sabem nem uns nem outros o que hão-de fazer”.
O Pretendente à espera do “oráculo”. As fúrias do Presidente Craveiro Lopes………………………….
Notas……………………………………………………………………………………
Fontes………………………………………………………………………………….
O Senhor Dom Duarte de Bragança apresentou o Autor. A Obra foi apresentada por Carlos Nuno Pinto Coelho.
Eis o ÍNDICE da Obra:
Um perfil de Salazar, segundo Franco Nogueira……………………………………….
Instantâneos da Rainha D. Amélia…………………………………………………………
Breve perfil biográfico e psicológico da Rainha………………………………………..
Em tempo………………………………………………………………………………………..
CAPÍTULO I : O triste depoimento de Teófilo Braga sobre o valor de “O Marquês da Bacalhôa”, de António de Albuquerque (vulgo “Lêndea” ou “Miqueque”), para a revolução : o veneno sobre a Rainha D. Amélia. Afinal, largos anos depois, o Lêndea pede “perdão notarial” à Rainha!...O texto da última carta de Mouzinho para a Rainha. D.Manuel II descreve o Regicídio: uma “batida” de “malvados animais”. A Rainha para João Franco, “com uma voz que metia medo : Mataram El-Rei. Mataram o meu Filho” (sic, D. Manuel). “Que país é esse?”... pergunta Eduardo VII. Viagem triunfal do Rei ao Porto. Mas desde Julho de 1910 que Jorge V de Inglaterra sabe do que se projectava…A grande manifestação lealista de centenas de Oficiais no Bussaco, em Setembro; de 3 para 5 de Outubro a maior parte foge ou não reage. A imcompetência total do Ministério. O Rei em Mafra, na tarde de 4, encontra 150 homens na Escola Prática de Infantaria : “Vim para aqui por conselho do Governo”. A Rainha na manhã de 5 : tão calma e altiva, até parecia vencedora! A ida para a Ericeira, com a Família Real escoltada por 1 Alferes, 1 Cadete, 1 Sargento e 22 Praças (10 só com espadas)… O embarque no Iate “Amélia”: o povo da terra, respeitoso e triste; as tripulações das barcas deram ainda os três “vivas” do estilo. A bordo , o Rei não conseguiu ou não quis dar uma ordem terminante :”Porto !”. A Rainha, sempre ao longo dos anos: “Os Braganças não fugiram para Gibraltar. Embarcaram para o Porto”. 21 tiros de salva e todo o protocolo real em Gibraltar. Em Inglaterra: um desembarque discreto………………………………………………………………………………………..
CAPÍTULO II: O Rei e a Rainha em Richmond entre 1911 e 1913. D. Manuel II atento às tentativas absorcionistas de Afonso XIII em Londres. A 1ª incursão de Paiva Couceiro : desastre. Os legitimistas, “D.Miguel II”, e o Pacto de Dover; o “poder competente das Cortes”, que o Rei não pode esquecer. O desgaste do Rei e da Rainha, sobretudo dele. Em 1912, o Rei, alarmado por informações de bastidor acerca de actos que se intentam contra Portugal, tenta conjugar valores e apela para João Franco, exilado em Biarrirtz : “(…) a nacionalidade corre tais riscos que julgo meu impretérito dever dirigir-lhe este supremo apelo”. O desastre da 2ª incursão e, em Lisboa, o fracasso de Outubro de 1913, contra as ordens explícitas que o Rei dera a Ayres de Ornellas. A acção da Rainha no casamento do Rei com a Princesa Augusta Victoria de Hohenzollern-Sigmaringen (ramo católico da Família Imperial Alemã). Doença da jovem Rainha logo a seguir : o triunfo do reles em Portugal. D. Manuel II e a Rainha D. Augusta Victoria: residência em Fulwell Park. D. Amélia para França; enfermeira durante a Guerra e condecorada. O Rei na Cruz Vermelha Britânica (1915/1919); desempenho brilhante como Director do Departamento Ortopédico do “Joint War Commiittee”. Sobre a revolta de Monsanto (1919) e Ayres de Ornellas, o Rei escreve :”Um crime que se cometeu contra todas as minhas instruções.” O Integralismo e o Pacto de Paris (1922). D.Duarte Nuno no horizonte da sucessão; friezas familiares. Em 2/Julho/1932: sufocação e morte do Rei em minutos do maior sofrimento ; a premonição da Rainha D. Amélia. O Governo decreta funerais nacionais.Todos os organismos monárquicos aclamam Rei o “sucessor de direito”: D. Duarte II. ………
CAPÍTULO III: No mês da morte do Rei já o seu Lugar-Tenente, João de Azevedo Coutinho, estava às ordens de Salazar… Uma pretensa filha de D. Carlos I começa uma longuíssima agitação histriónica. O apoio da Realeza à Ditadura: “Repetiu-me ElRei as instrucções formaes(…)”, dizia a Rainha D. Amélia em 1932 a Salazar. Começam a mistura da Causa Monárquica com a União Nacional e o desmantelamento do Nacional-Sindicalismo! Salazar em 30/Julho/1934: “(…) morreu El-Rei sem que eu pudesse exprimir-Lhe (…) quanto o Seu apoio e a orientação dada à política monárquica facilitaram a acção da Ditadura e especialmente a minha”. O risível golpe da Penha de França. Os exílios do Comandante Henrique de Paiva Couceiro. A Rainha D. Amélia em 23/Julho/1938 escreve para o Brasil sobre Salazar: “O que o eleva (…) é o seu desinteresse, o grande desprezo que mostra(…)pelas conjecturas desfazedoras dos imbecis”. Em 22/Dezembro/1938, depois de entrevistada, rejubila : “(…) o meu título de Rainha foi restabelecido nos jornaes de Portugal”. As duas Rainhas cortam entre si: D. Augusta Vitória fizera um segundo casamento, luterano, com o Conde Douglas.Em 13/Outubro/1939,face à Guerra, D. Duarte Nuno, Duque de Bragança, manda o Lugar-Tenente manifestar ao Embaixador britânico o seu apoio à Inglaterra. Os Centenários e a representação da Casa de Bragança. A Rainha na França ocupada; correspondência e diligências portuguesas. 1942 e o casamento, no Brasil, do Duque de Bragança com a Princesa D. Maria Francisca, do ramo brasileiro da Casa; a Rainha será madrinha. Salazar: “(…) enlace em que o Governo não podia deixar de ver vantagens nacionais”. Mas que os Duques saiam depressa quando regressarem…………………
CAPÍTULO IV: A situação da Rainha na França em Guerra e as diligências que isso suscita. O interesse do Marquês de Lavradio junto de Salazar pelo assunto representa o de uma Nobreza que ainda se sente protagonista ; Salazar indica a”via competente”. Em 15/Fevereiro/1944 Salazar convida a Rainha para entrar e ela responde em 20/Março, referindo-se ao seu pessoal francês: “É desejo meu , ficar por ora com elles, que tão infelizes são”. Uma diligência diplomática mais esclarecedora reporta todavia, em 12 de Abril, que o verdadeiro problema da Rainha é “(…)a falta em Portugal de pessoa amiga, cauta e competente, em cujo conselho desinteressado pudesse inteiramente confiar”. Salazar: quem? Em 23/Agosto/1944 Salazar comunica com o Lugar-Tenente de D. Duarte Nuno : duas das Infantas estão presas em Viena ; “da Senhora Dona Amélia nada sabemos”. Em 7 de Setembro persiste a falta de notícias da Rainha, que só em 23 se conseguem, avisando-se logo o Lugar-Tenente. Em 23/Abril/1945 a Infanta D. Filipa reporta a Salazar a organização monárquica. A Rainha é convidada a visitar Portugal e desembarca no dia 17 de Maio. Uma estadia estranha: momentos muito altos de triunfo, com multidões, mas entretanto D. Amélia vai-se esfumando… Nasce, na Embaixada de Portugal na Suiça, D. Duarte Pio, primogénito da Casa. O Conde de Barcelona, no Estoril, em choque aberto com Franco. Em 23/Agosto/1947, um espanto : por ordem de Salazar, Santos Costa visita o Presidente Carmona para saber o que pensaria ele da Restauração. Em 3/Dezembro/1948 missão secreta de Nosolini, junto da Rainha, fala-lhe da Restauração e pede-lhe que contemple os Príncipes, sobretudo o afilhado D. Duarte Pio, no seu testamento. A Rainha: “(…) A restauração da Monarquia? Mas pensa-se na restauração da monarquia? Um codicilo……………………………………………………………………………………………………………
CAPÍTULO V : Em 19/Abril/1949, a Rainha anuncia a Salazar que está “(…)disposta a fazer o que me pede sobre o meu testamento e os futuros Herdeiros da Monarquia em Portugal”. Salazar intervém, ele próprio, na redacção do codicilo em Francês. E a Rainha, talvez ainda com velhos ressentimentos familiares, diz no fim: “única e exclusivamente porque o Senhor m´o pediu”. Em 12/Julho/1949 Salazar comenta em apontamento pessoal, referindo-se ao Lugar-Tenente Professor Fezas Vital e ao património da Fundação da Casa de Bragança: “(…)disse que estava convencido não haver oposição a que a Casa de Bragança fosse entregue ao Senhor Dom Duarte. Não respondi nem comentei o dito”. Sem entusiasmo de Salazar (“os Reis no Trono ou no Exílio”) é em 27/Maio/1950 revogada a Lei do Banimento. Em 31/Janeiro/1951 Fezas Vital entrega a Salazar um “projecto preparado para ser presente à Assembleia Nacional”, com vista a resolver o problema dos bens da Casa de Bragança. Mas Salazar só queria para os Braganças, enquanto não reinassem, um razoável conforto… Entretanto, em Bellevue, a Rainha tem curtas alucinações durante as quais confunde o seu Aio, Capitão Júlio da Costa Pinto, com o Príncipe Real, e o “vê” coberto de sangue: - “O que te fizeram, meu filho queridíssimo?” . Recebe enfim D. Augusta Victoria. Entra em calma e perfeita lucidez, despedindo-se em Português e morrendo em 25 de Outubro.
Complicações em torno do Protocolo no funeral nacional, envolvendo o Duque de Bragança. Despacho secreto de Salazar para Santos Costa em 8/Novembro/1951 : “(…) O Fezas, a Causa, os monárquicos não constituem uma fonte de consulta e de orientação. Não sabem nem uns nem outros o que hão-de fazer”.
O Pretendente à espera do “oráculo”. As fúrias do Presidente Craveiro Lopes………………………….
Notas……………………………………………………………………………………
Fontes………………………………………………………………………………….
quinta-feira, julho 06, 2006
NACIONALISMO E BATOTA
CARTA DO CANADÁ
por Fernanda Leitão
Penso que o nacionalismo, em si mesmo, na forma pura, é bom como todas as coisas naturais. Porque é, ou deveria ser, natural as pessoas amarem, defenderem e exaltarem a sua pátria. E porque assim é, o nacionalismo puro não se trombeteia, vive-se sem alardes nem desfiles, no respeito pela nossa pátria e pelas pátrias dos outros, no respeito pelas nossas tradições e as que nos são alheias, no respeito pela nossa raça e por todas as raças. Numa prática quotidiana eivada de boa fé e rectas intenções.
Porque é que o nacionalismo, enquanto programa ou linha de acção, levanta tantas suspeições, e não apenas em Portugal? Tenho pensado muito nisso e chego sempre à mesma conclusão: porque vários países, e nós com eles, ficámos escaldados dessa profissão de fé nacionalista que afinal era uma desavergonhada batota. Uma capa de toureio que escondia o nazismo, o fascismo, o peronismo, o comunismo. Todos os líderes que usaram essa prática berravam o seu nacionalismo e no entanto, levaram as suas pátrias ao abismo e os seus povos a sofrimentos que a memória não pode esquecer. Quando aparece um movimento que, também ele, berra o seu nacionalismo como programa de acção, apenas um escasso número a ele adere, ficando-se a maioria por uma distância hostil e pronta a saltar se for caso disso. Porque se sente que aquele nacionalismo não é são, puro, natural, antes representa uma mmentira escondida, como que um vício escondido ou um aleijão da alma. Quarenta e oito anos desse “nacionalismo” sofridos em silêncio, com a polícia política à perna e os videirinhos do regime bem instalados, e depois mais uns anos das consequências, nacionais e internacionais, do “nacionalismo” que nos quiseram impor os lacaios da União Soviética, fizeram de nós, portugueses, um povo escaldado.
Ao que parece o mesmo se passa em países onde se viveu o mesmo e por isso se compreenderá que os grupelhos falsamente nacionalistas tendam a juntar-se, para uma ilusão de força internacionali, com todo o seu asqueroso folclore de cabeças rapadas, tatuagens, armas ilegais, paleio de ameaças e violências que, em geral, esconde fraquezas que Freud catalogou. O fenómeno é seguido com a maior atenção por um grande número de países.
A Turquia é um deles. E porquê? Segundo uma extensa reportagem passada recentemente na estação televisiva estadual do Canadá, e nas palavras de autoridades turcas, porque, se as suas comunidades emigrantes sofrerem perseguições por parte de nazis e fascistas na Europa, terão de decidir a invasão militar para defender os seus compatriotas. Nem mais nem menos.
Manter os grupos nazis, fascistas e comunistas, como inócua minoria, é um dever de todos os países cristãos e civilizados. Mas, penso, não é à bastonada que isso se consegue. É através da educação, da informação, da justa distribuição de bens, do respeito por cada ser humano. Só há uma maneira de erradicar os vírus sociais que essas ideologias veiculam: acabar com a fome, a ignorância e a injustiça social. Porque os vírus só medram em corpos doentes. Em boa verdade, só uma pessoa doente de carácter pode afirmar bacocamente, perante um país inteiro, que defende uma Europa apenas para brancos ou que dedica a sua vida a exaltar o sofrimento dos alemães durante a Segunda Guerra Mundial. Os doentes não se tratam a pontapé. Internam-se. E tratam-se.
por Fernanda Leitão
Penso que o nacionalismo, em si mesmo, na forma pura, é bom como todas as coisas naturais. Porque é, ou deveria ser, natural as pessoas amarem, defenderem e exaltarem a sua pátria. E porque assim é, o nacionalismo puro não se trombeteia, vive-se sem alardes nem desfiles, no respeito pela nossa pátria e pelas pátrias dos outros, no respeito pelas nossas tradições e as que nos são alheias, no respeito pela nossa raça e por todas as raças. Numa prática quotidiana eivada de boa fé e rectas intenções.
Porque é que o nacionalismo, enquanto programa ou linha de acção, levanta tantas suspeições, e não apenas em Portugal? Tenho pensado muito nisso e chego sempre à mesma conclusão: porque vários países, e nós com eles, ficámos escaldados dessa profissão de fé nacionalista que afinal era uma desavergonhada batota. Uma capa de toureio que escondia o nazismo, o fascismo, o peronismo, o comunismo. Todos os líderes que usaram essa prática berravam o seu nacionalismo e no entanto, levaram as suas pátrias ao abismo e os seus povos a sofrimentos que a memória não pode esquecer. Quando aparece um movimento que, também ele, berra o seu nacionalismo como programa de acção, apenas um escasso número a ele adere, ficando-se a maioria por uma distância hostil e pronta a saltar se for caso disso. Porque se sente que aquele nacionalismo não é são, puro, natural, antes representa uma mmentira escondida, como que um vício escondido ou um aleijão da alma. Quarenta e oito anos desse “nacionalismo” sofridos em silêncio, com a polícia política à perna e os videirinhos do regime bem instalados, e depois mais uns anos das consequências, nacionais e internacionais, do “nacionalismo” que nos quiseram impor os lacaios da União Soviética, fizeram de nós, portugueses, um povo escaldado.
Ao que parece o mesmo se passa em países onde se viveu o mesmo e por isso se compreenderá que os grupelhos falsamente nacionalistas tendam a juntar-se, para uma ilusão de força internacionali, com todo o seu asqueroso folclore de cabeças rapadas, tatuagens, armas ilegais, paleio de ameaças e violências que, em geral, esconde fraquezas que Freud catalogou. O fenómeno é seguido com a maior atenção por um grande número de países.
A Turquia é um deles. E porquê? Segundo uma extensa reportagem passada recentemente na estação televisiva estadual do Canadá, e nas palavras de autoridades turcas, porque, se as suas comunidades emigrantes sofrerem perseguições por parte de nazis e fascistas na Europa, terão de decidir a invasão militar para defender os seus compatriotas. Nem mais nem menos.
Manter os grupos nazis, fascistas e comunistas, como inócua minoria, é um dever de todos os países cristãos e civilizados. Mas, penso, não é à bastonada que isso se consegue. É através da educação, da informação, da justa distribuição de bens, do respeito por cada ser humano. Só há uma maneira de erradicar os vírus sociais que essas ideologias veiculam: acabar com a fome, a ignorância e a injustiça social. Porque os vírus só medram em corpos doentes. Em boa verdade, só uma pessoa doente de carácter pode afirmar bacocamente, perante um país inteiro, que defende uma Europa apenas para brancos ou que dedica a sua vida a exaltar o sofrimento dos alemães durante a Segunda Guerra Mundial. Os doentes não se tratam a pontapé. Internam-se. E tratam-se.
terça-feira, julho 04, 2006
SENTIMENTO DE PERTENCER
CARTA DO CANADÁ
por Fernanda Leitão
Começo por explicar que sou uma portuguesa à antiga, educada a não brincar com coisas sérias e para quem, por isso mesmo, Mãe é Mãe, Pai é Pai, Hino é Hino, Bandeira é Bandeira. Nasci numa antiga colónia portuguesa em que, desde as primeiras letras, cantávamos o hino e rezávamos o Pai Nosso antes de iniciar um dia de aulas, numa sala onde havia crucifixo na parede.
Posto isto, adianto duas coisas: o meu interesse pelo hóquei em patins e pelo futebol resumiu-se sempre à participação internacional de Portugal em competições. A outra coisa foi a amargura indizível quando verifiquei que, por ignorância ou medo de certas forças políticas estrangeiras, umas vermelhas e outras mais descoradas, que tentaram dominar o nosso país depois de 1974, ninguém exibia a bandeira nacional nem cantava o hino.
A minha geração foi sacrificada a uma ditadura de extrema direita, estreita de vistas, farisaica, injusta, que representou um atraso de 50 anos em todos os sectores por, entre outras coisas, ser a autora moral da “descolonização exemplar” que depois fizeram uns políticos enfeudados a interesses estrangeiros. Isso deu uma grande confusão nos espíritos de todos nós, o que foi aproveitado por uns que se julgam politicamente correctos para acusarem os patriotas e os crentes de coisas sujas que só poderiam ser imagináveis por mentes sujas caldeadas no cadinho de pactos germano-russos, em tempos de Hitler e Estaline. Tão bom um como o outro. O que sobrou intacto da minha geração não podia aceitar mais nenhuma ditadura, tivesse ela a cor que tivesse, e alegremente, sem complexos, continuou a acreditar em Fátima, a gostar de fado e de futebol, a comer sardinhas assadas e a beber vinho tinto, a prezar a amizade e a lealdade. É claro que de gente desta não podia saír ninguém que assobiasse ao hino ou pisasse a bandeira. O tempo encarregou-se de demonstrar quem eram os reaccionários e os inimigos da Pátria.
Vamos agora aos finalmente, como dizia o sinhôzinho Malta duma telenovela bréjeira.
Estou a 6 mil quilómetros de Portugal e prestando uma enorme atenção ao campeonato de futebol, a exemplo dos milhões de portugueses residentes no nosso país e espalhados por todo o mundo. Estou radiante com o desparrame de bandeiras portuguesas por todo o lado, com o hino cantado e recantado, até que a voz nos doa, por multidões que precisam de ver Portugal grande em alguma coisa perante o estrangeiro.
Perdido o Império, o futebol foi pretexto para nos irmanarmos no mesmo entusiasmo, de Lisboa a Dili – e há nesta simplicidade qualquer coisa das proféticas palavras de Agostinho da Silva, o banido por Salazar que, com sacrifício de uma vida inteira, foi um missionário da Língua Portuguesa por todo o mundo.
O Portugal-Inglaterra encheu-me as medidas. Ricardo à baliza, foi ali mais do que ele, foi a vontade de todos nós. Cristiano Ronaldo, o menino que beijou a bola como quem diz “tu não me falhes”, foi ali mais do que ele: foi a crença ingénua do povo que somos. O brasileiro Scolari, rubro de entusiasmo, quase dançando, foi mais do que um grande treinador, foi ali o fio invisível que une o mundo lusófono, esse que existe onde dois seres humanos se entendam em português.
Quando o jogo acabou liguei para um amigo de Angola, como eu, o Orlando, que vive na mesma cidade que eu. Respondeu-me com a voz embargada de quem chorava. Eu fui até ao lindo e castiço Mercado de São Lourenço, em frente da minha casa, para esvaziar a tensão. Era o 1 de Julho, Dia do Canadá, e o mercado estava apinhado de pessoas alegres e descontraídas, a comprarem e petiscarem. De repente, dei com os olhos num rapagão todo embrulhado numa bandeira portuguesa, com a cara pintada com as cores da bandeira, que berrava a plenos pulmões em inglês: “O meu Portugal ganhou”. E todos aqueles estrangeiros o felicitavam, lhe davam abraços e palmadas nas costas. Fui direita a ele e disse-lhe apenas: “Lá ganhámos”. O rapagão abraçou-se a mim com as lágrimas a saltar dos olhos. E eu quase chorei. Éramos dois desconhecidos que pertenciam a uma mesma Pátria, com um sentimento de pertença sem reticências a um destino comum.
Uma amiga minha perguntou-me: “E agora?”. Pois, agora que já não temos os estados de alma que pela certa teríamos jogando com o Brasil, vamo-nos aos franceses como Santiago ao mouros.
por Fernanda Leitão
Começo por explicar que sou uma portuguesa à antiga, educada a não brincar com coisas sérias e para quem, por isso mesmo, Mãe é Mãe, Pai é Pai, Hino é Hino, Bandeira é Bandeira. Nasci numa antiga colónia portuguesa em que, desde as primeiras letras, cantávamos o hino e rezávamos o Pai Nosso antes de iniciar um dia de aulas, numa sala onde havia crucifixo na parede.
Posto isto, adianto duas coisas: o meu interesse pelo hóquei em patins e pelo futebol resumiu-se sempre à participação internacional de Portugal em competições. A outra coisa foi a amargura indizível quando verifiquei que, por ignorância ou medo de certas forças políticas estrangeiras, umas vermelhas e outras mais descoradas, que tentaram dominar o nosso país depois de 1974, ninguém exibia a bandeira nacional nem cantava o hino.
A minha geração foi sacrificada a uma ditadura de extrema direita, estreita de vistas, farisaica, injusta, que representou um atraso de 50 anos em todos os sectores por, entre outras coisas, ser a autora moral da “descolonização exemplar” que depois fizeram uns políticos enfeudados a interesses estrangeiros. Isso deu uma grande confusão nos espíritos de todos nós, o que foi aproveitado por uns que se julgam politicamente correctos para acusarem os patriotas e os crentes de coisas sujas que só poderiam ser imagináveis por mentes sujas caldeadas no cadinho de pactos germano-russos, em tempos de Hitler e Estaline. Tão bom um como o outro. O que sobrou intacto da minha geração não podia aceitar mais nenhuma ditadura, tivesse ela a cor que tivesse, e alegremente, sem complexos, continuou a acreditar em Fátima, a gostar de fado e de futebol, a comer sardinhas assadas e a beber vinho tinto, a prezar a amizade e a lealdade. É claro que de gente desta não podia saír ninguém que assobiasse ao hino ou pisasse a bandeira. O tempo encarregou-se de demonstrar quem eram os reaccionários e os inimigos da Pátria.
Vamos agora aos finalmente, como dizia o sinhôzinho Malta duma telenovela bréjeira.
Estou a 6 mil quilómetros de Portugal e prestando uma enorme atenção ao campeonato de futebol, a exemplo dos milhões de portugueses residentes no nosso país e espalhados por todo o mundo. Estou radiante com o desparrame de bandeiras portuguesas por todo o lado, com o hino cantado e recantado, até que a voz nos doa, por multidões que precisam de ver Portugal grande em alguma coisa perante o estrangeiro.
Perdido o Império, o futebol foi pretexto para nos irmanarmos no mesmo entusiasmo, de Lisboa a Dili – e há nesta simplicidade qualquer coisa das proféticas palavras de Agostinho da Silva, o banido por Salazar que, com sacrifício de uma vida inteira, foi um missionário da Língua Portuguesa por todo o mundo.
O Portugal-Inglaterra encheu-me as medidas. Ricardo à baliza, foi ali mais do que ele, foi a vontade de todos nós. Cristiano Ronaldo, o menino que beijou a bola como quem diz “tu não me falhes”, foi ali mais do que ele: foi a crença ingénua do povo que somos. O brasileiro Scolari, rubro de entusiasmo, quase dançando, foi mais do que um grande treinador, foi ali o fio invisível que une o mundo lusófono, esse que existe onde dois seres humanos se entendam em português.
Quando o jogo acabou liguei para um amigo de Angola, como eu, o Orlando, que vive na mesma cidade que eu. Respondeu-me com a voz embargada de quem chorava. Eu fui até ao lindo e castiço Mercado de São Lourenço, em frente da minha casa, para esvaziar a tensão. Era o 1 de Julho, Dia do Canadá, e o mercado estava apinhado de pessoas alegres e descontraídas, a comprarem e petiscarem. De repente, dei com os olhos num rapagão todo embrulhado numa bandeira portuguesa, com a cara pintada com as cores da bandeira, que berrava a plenos pulmões em inglês: “O meu Portugal ganhou”. E todos aqueles estrangeiros o felicitavam, lhe davam abraços e palmadas nas costas. Fui direita a ele e disse-lhe apenas: “Lá ganhámos”. O rapagão abraçou-se a mim com as lágrimas a saltar dos olhos. E eu quase chorei. Éramos dois desconhecidos que pertenciam a uma mesma Pátria, com um sentimento de pertença sem reticências a um destino comum.
Uma amiga minha perguntou-me: “E agora?”. Pois, agora que já não temos os estados de alma que pela certa teríamos jogando com o Brasil, vamo-nos aos franceses como Santiago ao mouros.
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