domingo, março 27, 2005

O misterioso «big bang» da origem do cristianismo

Entrevista com o vaticanista Andréa Tornielli, autor de um livro sobre a ressurreição :

ROMA, domingo, 27 de março de 2005 (ZENIT.org).- Sem a ressurreição de Cristo não é possível compreender os inícios do cristianismo, afirma o jornalista italiano Andréa Tornielli, que acaba de dedicar um livro ao estudo de sua historicidade.

O volume, «Investigação sobre a Ressurreição. Mistérios, lendas e verdade. Dos Evangelhos ao Código Da Vinci», foi distribuído na quarta-feira passada em italiano em todas as bancas da Itália, junto ao jornal «Il Giornale».

No prólogo do livro, Dom Gianfranco Ravasi, prefeito da Biblioteca Ambrosiana de Milão e professor de Exegese do Antigo Testamento na Faculdade Teológica da Itália Setentrional, explica que «no momento da Ressurreição aparecem testemunhas, consideradas então pouco confiáveis, como as mulheres, que não podiam declarar em um tribunal porque sua palavra não tinha nenhum valor».

Ravasi sustenta que «um indício importante da Ressurreição é a mudança inexplicável de postura dos apóstolos: desorientados, aterrorizados, derrotados após a morte de seu Messias. De repente, este grupinho de pessoas sente-se revestido de uma incrível fortaleza para iniciar sua pregação no mundo, anunciando que Jesus ressuscitou».

«Nenhuma das pessoas que nega a historicidade da Ressurreição conseguiu explicar como se produziu esta mudança radical de postura, em pessoas muito realistas, nem possuídas nem visionárias, que pelo contrário, ao princípio, duvidavam do que viam. Há um misterioso “big bang” na origem do cristianismo».

Nesta entrevista concedida a Zenit, Andréa Tornielli explica os motivos que o impulsionaram a escrever um livro sobre este tema.

--Por que seguir pesquisando sobre a ressurreição de Cristo?

--Tornielli: É um trabalho que continua. Sigo investigando os indícios de historicidade dos Evangelhos. Na atualidade sublinha-se, demasiado com freqüência, inclusive na Igreja, o aspecto simbólico, ou o núcleo da mensagem pascal. Está bem, mas não devemos esquecer nunca que o cristianismo procede de um fato, um acontecimento que se produz em um momento bem determinado da história. E os Evangelhos não contêm uma filosofia ou conselhos para viver bem, mas narram como se produziu este fato. Por isto é importante a historicidade.

--De que provas e indícios dispomos para ilustrar a ressurreição de Jesus?

--Tornielli: Os Evangelhos canônicos, ao contrário dos apócrifos, que são sempre fantásticos e repletos de imaginação, não nos descrevem o momento da Ressurreição, mas nos falam, mediante testemunhos confiáveis, do sepulcro vazio, e, sobretudo, do fato de que Jesus se deixou ver e tocar por seus discípulos depois da Ressurreição.

São Paulo escreve, na primeira carta aos Coríntios, que viram Jesus mais de «quinhentos irmãos» juntos, alguns dos quais já haviam morrido, enquanto que «muitos vivem ainda». É como se o apóstolo dos gentis nos dissesse: podeis ir comprovar e perguntar a eles. Impressiona-me muito o fato de que as primeiras pessoas que viram Cristo ressuscitado são as mulheres que correram ao sepulcro. Encontramos aqui outro significativo indício de historicidade: as mulheres, na sociedade judaica da época, eram consideradas testemunhas sem credibilidade já que não podiam apresentar-se ante um tribunal. Se os Evangelhos, como afirmam alguns, foram a piedosa invenção de um grupo de possuídos que construíram, planejaram, uma nova religião, por que haveriam elegido testemunhas tão pouco estimadas por aquela sociedade?

--Como podemos saber que os apóstolos não eram uns visionários?

--Tornielli: Neles se produz o processo exatamente inverso ao dos visionários. Estes, em um primeiro momento, estão muito convencidos e são entusiastas, e pouco a pouco começam a duvidar da visão. Os discípulos de Jesus, ao contrário, ao princípio duvidam. Não crêem em seguida na Ressurreição. Tomé não se fia da palavra dos demais e quer tocar o corpo de Cristo ressuscitado. Assim eram aqueles homens: simples, concretos, realistas. A maioria era pescador, não eram nem visionários nem místicos. Um grupo de pessoas abatidas, aterrorizadas após a morte de Jesus. Nunca haveriam chegado por si só a um autoconvencimento de sua Ressurreição. Renderam-se a uma evidência concreta e experimentável.

domingo, março 20, 2005

Não esquecer África - «A Persistência da História»

Ciências Sociais - Título: “A Persistência da História” - Organizadores: Clara Carvalho e João de Pina Cabral - Editor: Imprensa de Ciências Sociais - Págs. 394.

Trabalhos de Wilson Trajano Filho, Ricardo Roque, Cristiana Bastos e João Vasconcelos, entre outros, preenchem esta antologia de estudos ora lançada pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, sobre o passado e a contemporaneidade na África onde se fala o português, designadamente Cabo Verde, Guiné-Bissau, Angola e Moçambique. Estes ensaios começaram por ser apresentados num colóquio que a Brown University, dos Estados Unidos, organizou há três anos, pois que do outro lado do Atlântico também se promove a discussão sobre o papel jogado desde o século XV por Portugal nas relações entre a Europa e o continente que começa em Ceuta, para só ir acabar no Índico, depois de dobrado o Cabo da Boa Esperança. Neles se chega à complexidade do processo de exploração e dominação dos povos africanos, antes e depois de terem alcançado a sua actual independência.

Jorge Heitor

quinta-feira, março 17, 2005

O PACOTE

CARTA DO CANADÁ

por Fernanda Leitão

Envelhecer trouxe-me algumas coisas menos boas fisicamente, mas algumas muito boas no que diz respeito ao espírito. Uma delas foi ficar com a certeza de que se aprende muito ouvindo com atenção as pessoas simples, os desconhecidos de acaso, aqueles que nos prestam serviços e a quem nós não sei se servimos para alguma coisa.
Gosto de conversar com o porteiro do prédio em que vivo, uma unidade cooperativa no centro histórico de Toronto em que habitam mais de 200 pessoas, de várias idades e estados, entre as quais 15 crianças, algumas já aqui nascidas entre nós. É uma comunidade em que cada qual goza a absoluta privacidade do seu apartamento e o respeito da organização para a qual contribuímos através de grupos de trabalho, que vão desde o apoio a pessoas doentes até ao (belíssimo) jardim que temos no terraço sobre o Lago Ontário, passando pela organização de festas e um jornal (de que fiz parte até há pouco tempo). Trabalha-se bastante e ganha-se muito mais do que dinheiro, porque é a satisfação e a harmonia que recolhemos connosco. Os prémios anuais dados pela federação são um suplemento agradável, mas não um objectivo.
Sou a única portuguesa no prédio de 14 andares e 140 apartamentos. Sabe-me bem conversar em espanhol com o Luiz, assim se chama o porteiro, que é um exilado chileno desde que Allende foi morto e Pinochet subiu ao poder. Temos pontos em comum, para além do sange latino e da fala meridional. Não somos comunistas, abominamos ditaduras de qualquer cor, temos pena que o mundo não seja melhor, gostamos de rir, de boas piadas, de sangria e duns petiscos à nossa maneira, e em geral não temos pressa que a terra dê a volta. Aconteceu-nos vir parar a este país, que tão bem nos tem tratado, aceitamos a situação com realismo. Mas Pátria é Pátria, tal como Mãe é Mãe. Só há uma.
Como o leitor calcula, o Luiz e eu falamos muito de política. Contamos um ao outro factos passados, sonhos desfeitos dos nossos povos, façanhas de políticos. Sobretudo antes ou depois de eleições, sejam elas do Canadá ou dos nossos países, dá-nos para uns balanços sofridos. Criticamos esquerdas e direitas naquilo que parece ter passado a ser um denominador comum mundial: a corrupção, o laxismo, a irresponsabilidade.
Esta manhã o Luiz disse-me:
- Sabe, o problema com isto das eleições é que não podemos votar por parcelas. Temos de comprar o pacote todo. Vem de tudo e tudo misturado. El problema, señora, es el pacote.
Tenho pacote, ou lição, sem esperar. Surpreendo-me ao pensar que os povos, embora de forma difusa e remota, parecem sentir a nostalgia das democracias directas, das cortes em que, de facto, o povo tinha voz, lado a lado com as outras classes. E por isso formavam um todo, uma unidade, uma força. Quando luzia um ideal, todos se empolgavam. Quando surgia o inimigo, todos à uma o escorraçavam.
Era assim quando Portugal batia o pé à Espanha.
País de partidos divididos entre si e dentro de si, país partido, em que independentistas espanhóis já vêm ao beija-mão do patriarca das entregas sem consulta, enquanto os usurários e outros salafrários invadem a economia, aflitos com um dia a dia cada vez mais de circo e menos de pão, os portugueses precisam de um Ideal. Tanto quanto de chuva. Assim o Céu oiça.

quarta-feira, março 16, 2005

«O Código Da Vinci»... histórias sem História

Cardeal de Génova promove debate sobre O Código Da Vinci

O Cardeal Tarcisio Bertone, arcebispo de Génova, promove hoje um encontro-debate sobre o livro “O Código Da Vinci”, best-seller de Dan Brown.

A iniciativa, intitulada “O Código Da Vinci... histórias sem História”, é organizada pelo Departamento para a Cultura e a Universidade da arquidiocese de Génova com a participação de Massimo Introvigne, fundador e director do Centro de Estudos sobre as Novas Religiões (CESNUR). O Cardeal Tarcisio Bertone revelou ao periódico italiano “Il Giornale” estar “atónito e preocupado” por “tantas pessoas acreditarem nas mentiras” do romance.

Para o Cardeal, esta obra mostra que o “anti-catolicismo é o último dos preconceitos que a sociedade admite livremente”. Em entrevista à Rádio Vaticano, o arcebispo de Génova lamenta que “circule uma ideia nas escolas de que só consegue perceber as dinâmicas da História e todas as manipulações nela efectuadas pela Igreja quem ler este livro”.

Massimo Introvigne referiu à agência Zenit que “é necessário desmentir os enormes erros históricos do livro, pois, ainda que seja uma novela, contém uma página sobre informações históricas na qual afirma que ‘todas as descrições’ de documentos e ritos secretos contidos nesta novela reflectem a realidade”.

O “Código Da Vinci” dá a entender, entre outras coisas, que o Opus Dei é uma “seita que entrou em conflito com a Igreja pois conheceria a verdade sobre o Priorado de Sião”. Introvigne recorda que o Opus Dei, “onde entre outras coisas não há ‘monges’, ao contrário do que pensa Dan Brown”, “é uma instituição que está canonicamente aprovada e louvada pela Igreja Católica, e o seu fundador, S. Josemaría Escriva (1902-1975), foi canonizado pelo Papa em 2002”.

Introvigne explica o enorme êxito de vendas de “O Código Da Vinci” ao constatar que “une dois tipos de modas muito difundidas: a dos complôs e sociedades secretas que dominariam o mundo e a de um anti-catolicismo cada vez mais claro e virulento”.

fonte: ecclesia

segunda-feira, março 14, 2005

“A Eucaristia e a Verdade da Igreja”

Catequese do 5º Domingo da Quaresma


(Excerto)

(...) O que é que é mais importante no Cristianismo, a proclamação e a defesa da verdade ou o amor com as suas exigências e loucuras? A resposta só a encontram aqueles que perceberam, no mais íntimo do seu coração, que, em Jesus Cristo, a verdade e o amor são a mesma realidade, que brota da comunhão vital com Cristo. E a Eucaristia é o caminho para essa descoberta e o sacramento dessa harmonia. O mesmo Senhor que afirmou “Eu sou a Verdade” também nos disse que é a Vida. Ele, a Palavra eterna, o Verbo do Pai, só é verdade para nós quando nos unimos a Ele na comunhão de amor. Quando nos unimos a Ele nessa união vital, brota para nós uma luz nova sobre Deus, sobre o homem, sobre o caminho da vida. Para o cristão, a verdade é a luz que brilha no rosto de Cristo ressuscitado e nos faz ver de novo todas as coisas.

Esta é a luz da fé, que nos garante não nos desviarmos da Verdade. O Concílio Vaticano II afirmou que o Povo de Deus, guiado pelo sentido da fé, nunca se desviará da verdade, de tal modo que esse “sensus fidei” se torna critério e referência na explicitação da Verdade vivida e acreditada pela Igreja. Ora na Eucaristia só a luz da fé nos conduz à verdade que é vivida e experimentada na densidade do amor. Na Eucaristia, a glória de Cristo, que se manifestou na luminosidade da transfiguração e da ressurreição, “está velada”. O sacramento eucarístico é o “mistério da fé” por excelência. E, todavia, precisamente através deste sacramento da sua total ocultação, Cristo torna-se mistério de luz, mediante o qual o fiel é introduzido na profundeza da vida divina. A Eucaristia, sacramento do amor, revela-nos a dimensão mística da verdade cristã. A verdade é recebida e acolhida como revelação de Deus, que é sempre uma expressão do seu amor infinito.

Quando digo que a Eucaristia é momento de revelação, não quero sugerir que Deus pode revelar coisas novas. A sua revelação está completa no dom do seu Filho Jesus Cristo, Palavra eterna de Deus. Mas essa plenitude da revelação de Deus, em Jesus Cristo, pode ser acolhida, por nós, na Eucaristia, como surpresa amorosa de Deus. Se a Eucaristia é a actualização da Páscoa, que se torna presente em cada celebração, porque não o há-de ser da revelação de Deus? Aí podemos mergulhar, sempre de novo, no insondável abismo do coração de Deus.

A Eucaristia, enquanto momento de revelação da verdade e do amor, começa na maneira como acolhemos, em cada celebração, a Palavra de Deus. Nesse contexto, a proclamação da Palavra tem uma especial densidade de amor pessoal de Jesus Cristo. “É o próprio Cristo que fala quando na Igreja se lê a Sagrada Escritura”. E isto é possível, porque a assembleia eucarística é congregada pela fé e pelo amor a Jesus Cristo. O Senhor que procuramos, para com Ele celebrar a Páscoa, abre-nos o seu coração e revela-nos a Palavra do Reino e dos caminhos da vida.

Esta dimensão mística da verdade, graça própria da Eucaristia, não é alheia a todos os outros caminhos de recepção e proclamação da verdade revelada. Ela ajudará os catequistas, os pregadores, os teólogos, a nunca isolarem a verdade do amor e a não caírem em visões abstractas da verdade, que podem ser acolhidas como doutrina, mas não desencadeiam as exigências da caridade. Toda a luz de Cristo que, na Eucaristia, ilumina o nosso coração, vem carregada de sugestões para a prática da caridade, tanto como adoração de Deus, como amor dos irmãos. Só a verdade de Deus, que resplandece no rosto eucarístico de Cristo, nos impede de confundir a caridade com as expressões naturais do amor, tantas vezes desfiguradas pelo pecado; só o amor exigirá de nós que não façamos da verdade revelada uma afirmação fria de princípios, mas a luz que nos revela os caminhos da caridade e nos conduz ao amor.

Sé Patriarcal, 13 de Março de 2005


† JOSÉ, Cardeal-Patriarca

terça-feira, março 08, 2005

8 de Março - Festa de Santo Português - S. João de Deus

por Maria das Dores Folque

"É pelo fruto que se conhece a árvore." Mt 12,33b

O Santo de hoje é muito conhecido, sobretudo no mundo português. É São João de Deus, português, nascido em Montemor-o-Novo (1495) e falecido em Granada (Espanha, a 8 de Março de 1550).

De seu nome João Cidade conta-se que, tendo transportado aos ombros um menino andrajoso que com dificuldade se deslocava, este lhe mostrou uma granada ou romã, com uma representação da Santa Cruz e, referindo-se à cidade espanhola com esse nome, lhe disse: "Granada será a tua Cruz". A seguir desapareceu.

A primeira parte da vida deste santo foi marcada por aventuras, algumas até curiosas.

Abandonou a casa paterna aos oito anos. Fez-se soldado. Trabalhou em hospitais, como simples servente. Foi criado e comerciante. Manteve um pequeno negócio de livros. Ouvindo um sermão de São João d' Ávila sentiu-se tocado. Desfez-se de todos os seus bens. Reuniu esmolas e foi cuidar de doentes, especialmente dos loucos e dos incuráveis. Entre eles, como ele próprio conta, havia paralíticos, leprosos e até mudos. "Nas horas difíceis - dizia João de Deus - é Jesus Cristo quem provê tudo e dá de comer aos meus queridos doentes".

Mantinha ele mais de oitenta hospitais, que fundara só em Espanha. Por isso, tornou-se também o Fundador dos Irmãos dos Enfermos. E foi declarado patrono dos hospitais por Leão XIII.

domingo, março 06, 2005

O Papa visto por um filósofo: um retorno ao essencial

Entrevista com Rodrigo Guerra, especialista na obra de Karol Wojtyla

João Paulo II quebrou em cada um dos vinte cinco anos de seu pontificado o silêncio sobre o essencial, as questões transcendentes que afectam o homem e a mulher, e que com frequência ficam esquecidas pela sociedade consumista. Assim constata nesta entrevista o filósofo mexicano Rodrigo Guerra López, especialista na obra intelectual de Karol Wojtyla, cujo livro «Voltar à Pessoa», editado na Espanha por Caparrós, vai caminhando para converter-se em referência obrigatória no que se refere ao «método Wojtyla».

--É possível fazer um balanço do Pontificado de João Paulo II em seu 25º Aniversário?

--Rodrigo Guerra: Não é fácil. Contudo, creio que seu pontificado foi um esforço para voltar a visão para o essencial, ou seja, ajudar o mundo e a Igreja a reencontrar na humanidade de Jesus o caminho para descobrir aquilo que transborda o humano: Deus existe e está no meio de nós.

--Parece que há um paradoxo: a figura do Papa fascina as multidões e os meios de comunicação e ao mesmo tempo parece que sua voz não é ouvida. A que se deve isso?

--Rodrigo Guerra: João Paulo II é vigário de Cristo e, como tal, não pode fazer mais que uma proposta ao anunciar que ser cristão tem sentido. A liberdade é uma condição essencial para a recepção da verdade do Evangelho. Quando existe liberdade existe também o risco de não acolher a proposta. Contudo, o que convém destacar é que o esforço que João Paulo II realiza consiste precisamente em afirmar que Jesus não esquece ninguém, ainda quando as pessoas em certas ocasiões lhe voltam as costas. A fascinação que o Papa suscita me parece que não se deve à sua personalidade, à sua oratória ou ao «marketing», mas que a verdade do Evangelho desafia a consciência e a comove. Que esta verdade não seja ouvida em certos ambientes tenho a impressão que se deve mais à incoerência dos cristãos. Muitas vezes não cremos que o amor, a comunhão e o perdão são verdadeira fonte de renovação pessoal e social. O Papa sim cumpriu sua parte. Pergunto-me se nós o fizemos.

--Que tipo de renovação pessoal João Paulo II promoveu durante seu pontificado?

--Rodrigo Guerra: Estamos em uma época de mudanças globais rápidas e profundas. O «renovar-se para colocar-se em dia» é um lugar-comum. João Paulo II, contudo, não usa alguma moda administrativa ou algum humanismo “light” para promover a mudança. Neste tema é fácil ver como o Papa volta ao essencial: o núcleo afectivo da pessoa, o coração, somente pode transbordar em suas expectativas com um encontro definitivo. A hipótese cristã corresponde ao anseio mais fundo do coração. Contudo, o coração, por seu próprio ímpeto não pode, é incapaz!, de alcançar o que mais deseja. Este é o momento de descobrir a importância da gratidão, a primazia da Graça. A pessoa se renova com a graça. Ela é a que faz crescer em virtude e não vice-versa, como querem alguns neopelagianos.

--E no âmbito social, onde, talvez, foi menos escutada sua proposta de voltar ao essencial, de voltar à primazia da pessoa?

--Rodrigo Guerra: No âmbito sócio-político sucede algo análogo: quem assume o poder muitas vezes se torna medida de si mesmo. Escutar e aprender do outro lhes resulta difícil porque o poder exalta a eficácia e obscurece a capacidade para ler o qualitativo, o humano, o autenticamente «digno». A nova síntese da Doutrina Social da Igreja, articulada por João Paulo II, sustenta justamente que o Estado e o mercado somente podem servir e viver se a pessoa, seus direitos e sua cultura são colocados no centro. Não basta afirmar com a palavra que a pessoa é digna. É necessário entender como a Doutrina Social da Igreja pode ser usada como teoria crítica no momento de se traçar, por exemplo, políticas públicas.

--Esta «nova síntese da Doutrina Social da Igreja» é parte do legado de João Paulo II para a posteridade?

--Rodrigo Guerra: Com efeito, o fracasso especulativo e prático tanto dos coletivismos como dos neoliberalismos mostra, de maneira eloqüente, que não basta a boa intenção e uma certa capacidade técnica para a transformação do Estado e da sociedade. Os mais pobres não podem continuar esperando. Facilmente a anarquia e o sem-sentido podem emergir no cenário público quando não nos atrevemos a substituir o Estado-liberal-de-Direito por um Estado-social-de-Direito. João Paulo II através de seu Magistério deu uma contribuição qualitativamente nova e interior da controvérsia sobre o Estado; o Estado tem de se rearticular com a cultura para, assim, colocar o social como eixo substantivo.
--Onde se mostra com maior clareza esta postura do Santo Padre?

--Rodrigo Guerra: No capítulo quinto da encíclica «Centesimus annus». Ali se mostra que o Estado e seus homens devem adquirir capacidade para «ler» o social em termos culturais. Evidentemente, não nos referimos à cultura entendida como museus, concertos e balé. Nos referimos à cultura como «ethos» de um povo: valores, símbolos, crenças, história. Nos referimos aos motivos qualitativos que fazem que uma sociedade possa ser «sujeito» e não «objeto» do poder. O Papa lhe chama a este desafio: necessidade de criar «subjectividade social».

(Entrevista realizada por Jaime Septién, director de El Observador)

quinta-feira, março 03, 2005

EUA - O Supremo Tribunal de Justiça declarou inconstitucional a sentença de morte a menores de 18 anos

WASHINGTON, quarta-feira, 2 de março de 2005.

A Conferência de Bispos Católicos dos Estados Unidos aplaudiu a sentença do Supremo Tribunal de Justiça desse país, que esta terça-feira declarou inconstitucional a sentença de morte a menores de 18 anos.

A decisão, aprovada com cinco votos a favor e quatro contra, anula as sentenças de morte ditadas contra 72 condenados actualmente presos nas prisões do país. Estas sentenças eram aplicadas em 19 Estados.

A Conferência Episcopal, que há 25 anos está fazendo apelos para acabar com a pena de morte, «sente-se muito alentada pelo fato de que o Tribunal Supremo tenha reconhecido que executar menores é de fato algo cruel», afirma um comunicado.

O texto, firmado pelo bispo Nicholas DiMarzio, presidente da Comissão de Política Interior do episcopado americano, considera que «esta sentença confirma a posição mantida por uma corrente transversal de denominações religiosas, grupos de defesa de menores e de organizações legais e médicas».

«Enquanto seguimos trabalhando por opor-nos a todo uso da pena capital pelo que faz contra a vida humana», afirma o comunicado episcopal, alegramo-nos ao ver que o Tribunal Supremo confirmou que «os critérios de decência evoluíram e que os Estados Unidos se uniram ao restante do mundo ao proscrever as execuções daqueles menores que cometem crimes», afirmou Dom DiMarzio.

fonte: www.zenit.org

quarta-feira, março 02, 2005

Cabinda - EUA voltam a confirmar violações de direitos humanos

Washington - Ao longo de 2004, membros das Forças Armadas Angolanas (FAA) continuaram a ser responsáveis por assassinatos, torturas e «outras formas de tratamento cruel e degradante», incluindo violação, em Cabinda, revela o relatório anual do Departamento de Estado norte-americano sobre a situação dos direitos humanos em Angola, divulgado esta segunda-feira. O documento acusa ainda o Governo angolano de infringir continuamente os direitos civis.

No capítulo dedicado a Angola do relatório anual sobre a violação de direitos humanos no Mundo, os Estados Unidos da América (EUA) referem que apesar das melhorias registadas em algumas áreas, há ainda «sérios problemas». A começar pelo direito dos cidadãos a mudar de Governo, «que continuou restringido devido ao adiamento das eleições», lê-se no documento.

Tal como no relatório anterior, o Departamento de Estado chama a atenção para os assassinatos e torturas cometidos por membros das forças de segurança, «que foram responsáveis por desaparecimentos, torturas, maus-tratos, violações e outros abusos», mantendo-se a «impunidade», é ainda salientado.

Os EUA fazem referência a documentos - como o relatório sobre a situação dos direitos humanos no enclave publicado pela Mpalabanda - Associação Cívica de Cabinda (MACC) - que provam que forças militares executaram civis em Cabinda.

«Continuaram os conflitos entre tropas do Governo e a Frente de Libertação de Cabinda - Forças Armadas de Cabinda (FLEC-FAC)», é sublinhado no mesmo relatório, que acusa Luanda de contribuir para o número de mortes civis. «Em Janeiro, dois civis morreram em Mikuma, Cabinda, durante um combate entre a FLEC e as FAA», lê-se no texto, que também atribui aos independentistas alguns casos de violação de direitos dos cidadãos.

Segundo a mesma fonte, a Polícia foi também «frequentemente acusada» de usar métodos de confissão baseados na tortura durante investigações. «Pessoas suspeitas de terem ligações à Frente de Libertação de Cabinda (FLEC) foram alegadamente sujeitas a formas brutais de interrogatório», salienta.

O Departamento de Estado dos EUA refere ainda o desaparecimento de pessoas sob a custódia da polícia, sobretudo em zonas rurais. «Organizações de direitos humanos em Cabinda denunciaram vários desaparecimentos de pessoas detidas durante o ano por forças governamentais por alegadas ligações aos independentistas da FLEC», aponta.

No que concerne às detenções arbitrárias, pouco ou nada mudou em relação ao ano anterior. «A Polícia Nacional foi a principal fonte de abusos durante o ano; contudo, denúncias de detenções efectuadas pelas FAA continuaram em Cabinda», confirma o relatório. Como exemplo é apontado o caso, ocorrido em Março, de um homem detido pelas autoridades em Cabinda por ter obtido informação sobre a FLEC na Internet.

Além de infringir os direitos dos cidadãos, o Governo angolano é acusado de restringir a liberdade de expressão e de imprensa e de ter «abusado, espancado e detido jornalistas». Por vezes, acrescenta o relatório, o Executivo também impõe restrições à liberdade de associação.

«O Governo começou a implementar uma lei que pode aumentar as restrições a organizações não governamentais (ONG’s)», revela o documento, que também critica o Executivo angolano por «nem sempre respeitar os direitos dos trabalhadores».

fonte: PNN Portuguese News Network