Entrevista com Rodrigo Guerra, especialista na obra de Karol Wojtyla
João Paulo II quebrou em cada um dos vinte cinco anos de seu pontificado o silêncio sobre o essencial, as questões transcendentes que afectam o homem e a mulher, e que com frequência ficam esquecidas pela sociedade consumista. Assim constata nesta entrevista o filósofo mexicano Rodrigo Guerra López, especialista na obra intelectual de Karol Wojtyla, cujo livro «Voltar à Pessoa», editado na Espanha por Caparrós, vai caminhando para converter-se em referência obrigatória no que se refere ao «método Wojtyla».
--É possível fazer um balanço do Pontificado de João Paulo II em seu 25º Aniversário?
--Rodrigo Guerra: Não é fácil. Contudo, creio que seu pontificado foi um esforço para voltar a visão para o essencial, ou seja, ajudar o mundo e a Igreja a reencontrar na humanidade de Jesus o caminho para descobrir aquilo que transborda o humano: Deus existe e está no meio de nós.
--Parece que há um paradoxo: a figura do Papa fascina as multidões e os meios de comunicação e ao mesmo tempo parece que sua voz não é ouvida. A que se deve isso?
--Rodrigo Guerra: João Paulo II é vigário de Cristo e, como tal, não pode fazer mais que uma proposta ao anunciar que ser cristão tem sentido. A liberdade é uma condição essencial para a recepção da verdade do Evangelho. Quando existe liberdade existe também o risco de não acolher a proposta. Contudo, o que convém destacar é que o esforço que João Paulo II realiza consiste precisamente em afirmar que Jesus não esquece ninguém, ainda quando as pessoas em certas ocasiões lhe voltam as costas. A fascinação que o Papa suscita me parece que não se deve à sua personalidade, à sua oratória ou ao «marketing», mas que a verdade do Evangelho desafia a consciência e a comove. Que esta verdade não seja ouvida em certos ambientes tenho a impressão que se deve mais à incoerência dos cristãos. Muitas vezes não cremos que o amor, a comunhão e o perdão são verdadeira fonte de renovação pessoal e social. O Papa sim cumpriu sua parte. Pergunto-me se nós o fizemos.
--Que tipo de renovação pessoal João Paulo II promoveu durante seu pontificado?
--Rodrigo Guerra: Estamos em uma época de mudanças globais rápidas e profundas. O «renovar-se para colocar-se em dia» é um lugar-comum. João Paulo II, contudo, não usa alguma moda administrativa ou algum humanismo “light” para promover a mudança. Neste tema é fácil ver como o Papa volta ao essencial: o núcleo afectivo da pessoa, o coração, somente pode transbordar em suas expectativas com um encontro definitivo. A hipótese cristã corresponde ao anseio mais fundo do coração. Contudo, o coração, por seu próprio ímpeto não pode, é incapaz!, de alcançar o que mais deseja. Este é o momento de descobrir a importância da gratidão, a primazia da Graça. A pessoa se renova com a graça. Ela é a que faz crescer em virtude e não vice-versa, como querem alguns neopelagianos.
--E no âmbito social, onde, talvez, foi menos escutada sua proposta de voltar ao essencial, de voltar à primazia da pessoa?
--Rodrigo Guerra: No âmbito sócio-político sucede algo análogo: quem assume o poder muitas vezes se torna medida de si mesmo. Escutar e aprender do outro lhes resulta difícil porque o poder exalta a eficácia e obscurece a capacidade para ler o qualitativo, o humano, o autenticamente «digno». A nova síntese da Doutrina Social da Igreja, articulada por João Paulo II, sustenta justamente que o Estado e o mercado somente podem servir e viver se a pessoa, seus direitos e sua cultura são colocados no centro. Não basta afirmar com a palavra que a pessoa é digna. É necessário entender como a Doutrina Social da Igreja pode ser usada como teoria crítica no momento de se traçar, por exemplo, políticas públicas.
--Esta «nova síntese da Doutrina Social da Igreja» é parte do legado de João Paulo II para a posteridade?
--Rodrigo Guerra: Com efeito, o fracasso especulativo e prático tanto dos coletivismos como dos neoliberalismos mostra, de maneira eloqüente, que não basta a boa intenção e uma certa capacidade técnica para a transformação do Estado e da sociedade. Os mais pobres não podem continuar esperando. Facilmente a anarquia e o sem-sentido podem emergir no cenário público quando não nos atrevemos a substituir o Estado-liberal-de-Direito por um Estado-social-de-Direito. João Paulo II através de seu Magistério deu uma contribuição qualitativamente nova e interior da controvérsia sobre o Estado; o Estado tem de se rearticular com a cultura para, assim, colocar o social como eixo substantivo.
--Onde se mostra com maior clareza esta postura do Santo Padre?
--Rodrigo Guerra: No capítulo quinto da encíclica «Centesimus annus». Ali se mostra que o Estado e seus homens devem adquirir capacidade para «ler» o social em termos culturais. Evidentemente, não nos referimos à cultura entendida como museus, concertos e balé. Nos referimos à cultura como «ethos» de um povo: valores, símbolos, crenças, história. Nos referimos aos motivos qualitativos que fazem que uma sociedade possa ser «sujeito» e não «objeto» do poder. O Papa lhe chama a este desafio: necessidade de criar «subjectividade social».
(Entrevista realizada por Jaime Septién, director de El Observador)
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