Catequese do 5º Domingo da Quaresma
(Excerto)
(...) O que é que é mais importante no Cristianismo, a proclamação e a defesa da verdade ou o amor com as suas exigências e loucuras? A resposta só a encontram aqueles que perceberam, no mais íntimo do seu coração, que, em Jesus Cristo, a verdade e o amor são a mesma realidade, que brota da comunhão vital com Cristo. E a Eucaristia é o caminho para essa descoberta e o sacramento dessa harmonia. O mesmo Senhor que afirmou “Eu sou a Verdade” também nos disse que é a Vida. Ele, a Palavra eterna, o Verbo do Pai, só é verdade para nós quando nos unimos a Ele na comunhão de amor. Quando nos unimos a Ele nessa união vital, brota para nós uma luz nova sobre Deus, sobre o homem, sobre o caminho da vida. Para o cristão, a verdade é a luz que brilha no rosto de Cristo ressuscitado e nos faz ver de novo todas as coisas.
Esta é a luz da fé, que nos garante não nos desviarmos da Verdade. O Concílio Vaticano II afirmou que o Povo de Deus, guiado pelo sentido da fé, nunca se desviará da verdade, de tal modo que esse “sensus fidei” se torna critério e referência na explicitação da Verdade vivida e acreditada pela Igreja. Ora na Eucaristia só a luz da fé nos conduz à verdade que é vivida e experimentada na densidade do amor. Na Eucaristia, a glória de Cristo, que se manifestou na luminosidade da transfiguração e da ressurreição, “está velada”. O sacramento eucarístico é o “mistério da fé” por excelência. E, todavia, precisamente através deste sacramento da sua total ocultação, Cristo torna-se mistério de luz, mediante o qual o fiel é introduzido na profundeza da vida divina. A Eucaristia, sacramento do amor, revela-nos a dimensão mística da verdade cristã. A verdade é recebida e acolhida como revelação de Deus, que é sempre uma expressão do seu amor infinito.
Quando digo que a Eucaristia é momento de revelação, não quero sugerir que Deus pode revelar coisas novas. A sua revelação está completa no dom do seu Filho Jesus Cristo, Palavra eterna de Deus. Mas essa plenitude da revelação de Deus, em Jesus Cristo, pode ser acolhida, por nós, na Eucaristia, como surpresa amorosa de Deus. Se a Eucaristia é a actualização da Páscoa, que se torna presente em cada celebração, porque não o há-de ser da revelação de Deus? Aí podemos mergulhar, sempre de novo, no insondável abismo do coração de Deus.
A Eucaristia, enquanto momento de revelação da verdade e do amor, começa na maneira como acolhemos, em cada celebração, a Palavra de Deus. Nesse contexto, a proclamação da Palavra tem uma especial densidade de amor pessoal de Jesus Cristo. “É o próprio Cristo que fala quando na Igreja se lê a Sagrada Escritura”. E isto é possível, porque a assembleia eucarística é congregada pela fé e pelo amor a Jesus Cristo. O Senhor que procuramos, para com Ele celebrar a Páscoa, abre-nos o seu coração e revela-nos a Palavra do Reino e dos caminhos da vida.
Esta dimensão mística da verdade, graça própria da Eucaristia, não é alheia a todos os outros caminhos de recepção e proclamação da verdade revelada. Ela ajudará os catequistas, os pregadores, os teólogos, a nunca isolarem a verdade do amor e a não caírem em visões abstractas da verdade, que podem ser acolhidas como doutrina, mas não desencadeiam as exigências da caridade. Toda a luz de Cristo que, na Eucaristia, ilumina o nosso coração, vem carregada de sugestões para a prática da caridade, tanto como adoração de Deus, como amor dos irmãos. Só a verdade de Deus, que resplandece no rosto eucarístico de Cristo, nos impede de confundir a caridade com as expressões naturais do amor, tantas vezes desfiguradas pelo pecado; só o amor exigirá de nós que não façamos da verdade revelada uma afirmação fria de princípios, mas a luz que nos revela os caminhos da caridade e nos conduz ao amor.
Sé Patriarcal, 13 de Março de 2005
† JOSÉ, Cardeal-Patriarca
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