quinta-feira, fevereiro 10, 2005

Um "choque" para o interior

Lusitanos em extinção

por Florentino Beirão

Não há partido político que não escolhesse para prato forte da sua campanha um “choque”. O partido socialista arrancou com o “tecnológico”. Nele estaria a futura salvação da pátria. O partido social-democrata, não se ficando atrás, atira-nos com o da “gestão”. Por seu lado, o partido popular, logo colocou em cima da mesa, o “choque moral”. De choques já estamos bem servidos e tememos que sejam demais para um povo que está tremendamente “chocado” com uma vida tão complicada, de rastos.

Pelo nosso lado, gostaríamos de perguntar aos nossos políticos, para quando pensam colocar nos seus programas o “choque” para o interior do país. Com zonas completamente desertificadas, onde os votos, praticamente não contam, nestas alturas somos os eternos esquecidos. E mesmo quando aqui se deslocam, sempre à pressa, não é para falar dos nossos problemas, mas dos seus, lançando umas pedradas aos seus adversários políticos. Atiram e logo fogem de novo para Lisboa. Mais ou menos como os caçadores do litoral quando aqui se deslocam, em tempo de caça.

Se eles desconhecem os nossos reais problemas, nós até gostaríamos de lhes darmos umas dicas e lembrar-lhes algumas evidências gritantes. Se dúvidas houvesse sobre a desgraça que se tem abatido sobre o “homem lusitano”, do interior do país, que aqui ainda vegeta, graças ao apego e amor à sua querida terra, um recente estudo do Instituto da Segurança Social fornece dados elucidativos sobre o assunto.

Em matéria de pobreza e de exclusão social, refere este estudo, 68 concelhos do interior do país ostentam a bandeira negra da depressão e “morte social”. Em algumas zonas da raia, já há dois pensionistas por cada pessoa que trabalha. O valor médio das pensões de velhice, invalidez e sobrevivência é de 163 euros por mês (pouco mais de 30 contos). A taxa de desemprego, ronda os 20 por cento. O analfabetismo ainda atinge cerca de 19 por cento dos idosos. O isolamento destes não pára de crescer e, os poucos jovens que existem, partem para outras terras, à procura de trabalho.

Números que nos envergonham como povo e aos quais continuamos a fechar os olhos, incluindo nestas alturas de eleições. Com gente, sem peso nas urnas, para que gastar tempo com eles? E, contudo, deviam ser considerados cidadãos iguais aos dos grandes centros e do litoral.

Por tudo isto, senhores políticos, daqui lançamos o nosso grito - talvez para orelhas mocas - façam o favor de gastar algum tempo a pensar em nós que pagamos os nossos impostos e também somos descendentes dos bravos lusitanos. Cumpre a vós, tomar medidas em ordem a suster a desertificação desta parte do nosso país que se encontra a passos largos de uma morte social que se anuncia, sem apelo nem agravo, se nada for feito, com urgência. Os números são terríveis e não enganam.

Se não houver um “choque” positivo, com medidas apropriadas para estas gentes que sempre foram as mais sacrificadas, ao longo da nossa história, a tentação é pensarmos em virarmo-nos para “castela”, de onde já sobrevivemos, em grande parte, à base dos seus produtos e não só.

Acreditamos, contudo, que ainda teremos direito a um “choque” positivo.


(In «Jornal Reconquista», 03-02-2005; http://www.reconquista.pt/ )

Sem comentários: