Apelo aos portugueses
por «Arautos d'El-Rei»
A falta de um debate sério, elevado e com conteúdo ideológico, a respeito dos temas verdadeiramente em causa nestas eleições, ameaça a actual disputa eleitoral de inautenticidade e de falta de representatividade.
Aproxima-se a data em que os portugueses serão mais uma vez chamados às urnas a fim de escolherem os seus representantes para a Assembleia da República, em eleições antecipadas. Da distribuição das forças partidárias em confronto, sairá o próximo Executivo, que terá como missão dirigir os destinos políticos do País durante os próximos quatro anos.
Ao determinar artificialmente a dissolução da Assembleia com uma maioria parlamentar estável, o Chefe de Estado não conseguiu manter intacta a marca de isenção e de independência partidária a que está obrigado pelo cargo que desempenha. Gerou com isso um ambiente de inegável tensão política e de insegurança institucional: "Em nenhum regime monárquico europeu se assiste a este triste espectáculo de o Chefe do Estado interferir nas políticas e na duração dos governos eleitos" (Cf. Crise Política - Crise do Regime Republicano, in Diário Digital, 13/1/2005).
A gravidade da conjuntura em que se desenrolam estas eleições e dos temas nela envolvidos exige de todos os portugueses uma participação activa nos debates, motivo pelo qual nos sentimos animados a fazer este pronunciamento. Ao tecermos aqui considerações sobre a disputa eleitoral e partidária não é nosso intuito entrar na querela política, rasteira e mesquinha, mas tão-somente sugerir aos nossos leitores, que elucidem os seus familiares e os círculos das suas relações sociais e profissionais sobre aquilo que realmente está em causa no próximo dia 20.
Encruzilhada histórica
Há certas expressões que, em decorrência do uso abusivo e generalizado, acabam geralmente por perder a credibilidade, tornando-se banais. Assim tem acontecido, nas semanas mais recentes, com a palavra “crise”. Dizer que Portugal atravessa uma “crise” tornou-se uma expressão séria mas vazia de significado.
No entanto - ninguém poderá negá-lo - o nosso País encontra-se numa encruzilhada histórica, marcada por inúmeras incógnitas e por panoramas mal esclarecidos, de debates inexpressivos e de ideias indefinidas. Sobretudo, encontra-se imerso num clima psico-social morno, em que se vão avolumando as incertezas quanto ao futuro, parecendo, numa primeira análise, que a Nação está a caminhar para uma situação sem aparente solução à vista.
Decidir o nosso futuro com os olhos postos no mundo
Uma das virtudes do Povo Português - que se fez sentir de forma particular nas épocas áureas da nossa História, mas que é hoje tão frequentemente substituída pelo defeito oposto – foi a de saber considerar e decidir o seu futuro com os olhos postos no mundo, não se cingindo à sua pequena realidade continental.
Torna-se imperioso reconhecer que os dilemas profundos que perpassam a sociedade contemporânea, não se restringem às questões político-sociais de âmbito meramente nacional, mas dizem também respeito, em maior ou menor grau, à grande maioria das nações livres. E, consequentemente, as circunstâncias e contextos internacionais condicionam, de modo forçoso, o nosso cenário eleitoral, embora muitos dos nossos políticos pareçam omiti-los ou nem sequer prestar-lhes atenção.
É por isso que, a propósito do actual momento eleitoral português, somos levados a iniciar esta reflexão por uma breve análise da situação político-social internacional.
Terrorismo: uma máquina de guerra psicológica para induzir à capitulação da opinião pública ocidental
O terrorismo (quase sempre na sua versão islâmica) tornou-se uma constante de destruição e de morte a nível global, com uma nota niilista. O seu principal objectivo, mais do que a violência física imediata, reside no impacto psicológico mediante o qual se procura levar a opinião pública ocidental a uma atitude de capitulação ideológica e provocar, deste modo, uma instabilidade caótica que acabará por acarretar divisões e divergências entre países e populações que deveriam, por natureza e por laços históricos, manter-se coesos.
Urge, por conseguinte, que o nosso País não vacile na sua aliança anti-terrorista e mantenha, externamente, as suas posições euro-atlânticas, tema relegado ao esquecimento quase total nos debates para as presentes eleições.
Reagrupamento das esquerdas mundiais em torno do ideal de uma sociedade subconsumista e miserabilista
Entretanto, a esquerda internacional, nas suas diversas vertentes, tenta reagrupar-se no movimento “altermundialista”, uma rede anarco-comunista, que revela misteriosas e subterrâneas afinidades com esse mesmo terrorismo.
Essa nova esquerda, reunida nos Fóruns Sociais Mundiais (e organismos afins), tenta explorar e galvanizar certo descontentamento existente relativamente ao processo de globalização, lançando-se assim contra o capitalismo e, mais especificamente, contra o modelo rotulado de “neoliberal”. Contudo, o seu último e verdadeiro alvo é a aniquilação da propriedade privada e da livre iniciativa.
Acena essa esquerda para um “mundo novo”, de uma sociedade subconsumista e miserabilista, reabilitando até certas teorias anarquistas, propugnando a dissolução das nações, a abolição das grandes estruturas económicas, políticas, administrativas e sociais, bem como o surgimento de formas de vida comunitárias, autogestionárias, de pequenos grupos pretensamente autónomos, espontâneos, livres e iguais.
Para alcançar esse fim, o neo-socialismo propõe a transformação gradual e permanente das instituições sociais a partir de uma mudança das mentalidades, operada por uma revolução cultural. Utiliza, como força dinâmica dessa revolução cultural, minorias até há pouco mal vistas em termos sociais, como os homossexuais, as lésbicas, os transexuais, as prostitutas, os consumidores de drogas, certo tipo de ecologistas, activistas de minorias étnicas e muitos outros que se auto-proclamam de “excluídos”. Articula igualmente os chamados “movimentos sociais” que se aglutinam em torno das mais diversas reivindicações.
Existe o sério risco de que esta agenda neo-socialista possa vir a tornar-se uma agenda nacional, em função do resultado eleitoral do próximo dia 20.
Nos Estados Unidos, triunfo dos valores morais tradicionais
Na actual conjuntura internacional, em contraposição às metas da revolução cultural do neo-socialismo, ganhou especial destaque a vasta onda conservadora que se fez sentir na sociedade norte-americana e que assenta a sua acção em valores tradicionais, familiares, religiosos e morais. Esse autêntico movimento de opinião conduziu à aprovação, em mais de uma dezena de Estados, de emendas constitucionais que suprimem o chamado “casamento” homossexual, obtendo uma vitória claríssima no recente escrutínio eleitoral de Novembro de 2004 e desmentindo de forma espectacular as perspectivas de muitos analistas, observadores, institutos de pesquisas e de grande parte dos média a nível mundial.
Os dilemas europeus que condicionam de modo profundo as nossas eleições
Analisemos agora, num âmbito mais restrito, o do Continente Europeu, as circunstâncias em função das quais se desenrolam as nossas eleições legislativas.
O grande dilema que divide hoje os povos europeus é o de aderir ou não a uma Constituição transnacional, a qual nega frontalmente as origens cristãs da nossa Civilização Ocidental e que, por outro lado, consagra, em princípios e leis, a faceta libertária do Iluminismo e da Revolução Francesa, ou seja, de um laicismo agressivo, persecutório dos princípios cristãos que regiam os nossos povos.
Caminhamos para um futuro cheio de incógnitas, conduzidos por euroburocratas que parecem dispostos a consagrar, ao arrepio da vontade e da identidade da maioria dos povos europeus, esta grave imposição ideológica, em virtude da qual o laicismo constituirá a única categoria cultural e referencial possível na nova Europa.
A omissão ao Cristianismo, no Preâmbulo do Tratado Constitucional, levou S.S. João Paulo II a afirmar: "É a crise da memória e heranças cristãs, acompanhada por uma espécie de agnosticismo prático e indiferentismo religioso, fazendo com que muitos europeus dêem a impressão de viverem sem substrato espiritual e como herdeiros que delapidaram o património que lhes foi entregue pela História. Por isso, não causam assim tanta maravilha as tentativas de dar um rosto à Europa excluindo a sua herança religiosa e, de modo particular, a sua profunda alma cristã, estabelecendo os direitos dos povos que a compõem sem enxertá-los no tronco irrigado pela linfa vital do cristianismo".
Soma-se a esta perspectiva o enigmático esforço de fazer entrar na União Europeia um país islâmico como a Turquia. Sob o não menos enigmático pretexto – dado sempre por homens que se vangloriam do seu laicismo – de que o nosso Continente não é um “clube de cristãos”.
Curiosamente, os nossos homens públicos parecem esquecer ou silenciar por completo, nos debates eleitorais, estes temas cruciais e nem sequer temos a garantia plena de algum dia sermos ouvidos em referendo a respeito dos mesmos.
Espanha: o governo socialista leva a cabo uma agenda laica radical, agnóstica e anti-cristã
Se formos mais minuciosos na nossa análise, veremos que as actuais eleições portuguesas se inserem também, de modo fulcral, noutro contexto importante, ou seja, o contexto ibérico.
Seja qual for a perspectiva pela qual consideremos as relações com a vizinha Espanha, ninguém poderá negar que com ela constituímos um todo e uma realidade específica.
A Espanha atravessa actualmente um processo político, cada vez mais turbulento, iniciado a 11 de Março de 2004, com o misterioso atentado de Madrid, perpetrado por radicais islâmicos, ao qual não estiveram alheios – como hoje se sabe – os seus aliados da ETA.
José Luiz Rodríguez Zapatero, que manteve durante a campanha eleitoral o tom inexpressivo dos debates e um perfil moderado, uma vez eleito, passou a revelar a verdadeira face radical das actuais correntes da esquerda internacional.
O seu primeiro acto político foi a retirada das tropas espanholas do Iraque. Como amplamente reconheceram vários analistas, em todo o Continente Europeu, Zapatero cedeu à chantagem terrorista e os verdadeiros vencedores das eleições espanholas foram a Al-Qaeda e o terror. A partir de então a sua política externa tem-se baseado na quebra das relações euro-atlânticas. Na América Latina – onde é naturalmente vigorosa a influência da Espanha – reforçou o apoio à Cuba de Fidel Castro e tem sustentado o regime do Presidente venezuelano Hugo Chávez, novo ídolo das esquerdas mundiais, em vias de consolidar no seu País uma ditadura socialista.
Além disso, no plano interno, o governo socialista de Rodríguez Zapatero, começou por propor o “casamento” homossexual, alargou a legislação do divórcio e do aborto, lançou uma série de ataques aos valores cristãos, expulsou o representante das escolas católicas do mais alto Conselho Escolar do Estado e tem-se mostrado determinado em extinguir os privilégios de que goza a Igreja, ao mesmo tempo que anuncia a sua intenção de favorecer oficialmente o Islão.
Alardeando um fundamentalismo anti-religioso, o governo do Partido Socialista tem invectivado de aberrantes os ensinamentos morais da Igreja e a interferência dos católicos na vida pública, chegando o Ministro do Interior a propor o controle de toda a actividade religiosa, incluindo a censura prévia dos sermões nas igrejas.
Tais factos levaram o Primaz da Espanha a declarar que a Igreja agora enfrenta um governo e uns media “dispostos a despedaçá-la” (cfr. Agência Católica Internacional, 16/8/2004). E levaram o próprio João Paulo II a denunciar, ante um grupo de bispos espanhóis, que em Espanha se vai difundindo uma mentalidade inspirada num laicismo que visa restringir a liberdade religiosa, promovendo um desprezo pelo religioso e relegando a Fé à esfera privada (cfr. Gobierno convoca nuncio para expresar extrañeza por críticas del Papa, EFE, 26/1/2005).
Compreende-se, pois, que o reputado “The Wall Street Journal”, em recente editorial, tenha feito um “alerta aos navegantes”. Segundo o texto, as atitudes de Zapatero têm sido a perfeita nota de agradecimento aos terroristas que o empurraram inesperadamente para a Moncloa. Somente a sua visão ideológica pode explicar a afinidade com os ditadores dos últimos bastiões do socialismo na América Latina. Poderiam ser quatro longos e obscuros anos na Península Ibérica, conclui o editorial do reputado jornal.
Sim, longos e obscuros anos na Península Ibérica...
A confusão das ideias, o relativismo ideológico, a irreflexão induzida, imperam na cena política portuguesa
É hora de voltarmos os nossos olhares para o panorama político nacional. Tal como afirmámos atrás, não é nosso intuito entrar em discussões pessoais, na baixa política das manobras mesquinhas e dos artifícios desonestos, nem na análise dos temas económicos que parecem encher de forma desmesurada e quase exclusiva o cenário político pré-eleitoral. Embora nos situemos numa posição supra partidária, de modo a podermos abordar com objectividade o cenário político actual, não nos é possível omitir a referência específica a partidos políticos.
Há anos que, em decorrência de situações económicas, políticas e culturais concretas, Portugal vem imergindo num ambiente de distensão próspera, despreocupada e optimista.
Cultiva-se neste País a imagem de homens públicos risonhos, pouco voltados para as grandes reflexões, que parecem trazer consigo soluções políticas felizes e de... consenso!
O “consenso”, nunca definido, tornou-se quase um dogma na nossa vida pública, assim como a igualmente indefinida “estabilidade”. “Consenso” e “estabilidade” à custa dos quais se tem sacrificado o debate das ideias e das ideologias. O confronto e a polémica são-nos apresentados como espantalhos malfazejos.
Com a falta de um sadio debate de ideologias e de ideias, não se afirma claramente o que se pensa. Mais ainda, usa-se como arma política a estratégia de ocultar para não assustar e a nossa vida pública afunda-se, dia após dia, na confusão, no desinteresse, no desânimo, na trivialidade, na vulgaridade e na falta de autenticidade.
A confusão das ideias, o relativismo ideológico, a irreflexão induzida, o consequente debilitar do senso crítico, o “caos tranquilo” que se vai instalando na vida política, faz com que os movimentos do eleitorado sejam cada vez mais complexos, fluidos e mutáveis.
Líderes políticos, correntes culturais ou movimentos de opinião galgam a crista da onda e conquistam popularidade, vencem eleições, alcançam o poder. Pouco depois as águas baixam e na praia ficam apenas os restos inermes dos vencedores de ontem.
A desilusão crescente do eleitorado reflecte-se, entre outras coisas, no considerável contingente dos abstencionistas. Contingente este que deveria suscitar interrogações: serão comodistas todos os que se abstêm? Serão alheios à vida pública e ao bem comum, desinteressados dos destinos do seu País? Ou, pelo contrário, haverá muitas pessoas que não encontram nos políticos e na política a sua autêntica representação e, por conseguinte, se ausentam do debate político?
Tem-se a impressão de que o Portugal “oficial” desconhece e se distancia cada vez mais do Portugal autêntico e profundo, o qual vive longe dos holofotes da propaganda e dos media.
Vasta operação mediática para impor ao País uma maioria socialista
É neste cenário de relativismo ideológico que se realizam as actuais eleições. Numa enigmática conjugação de forças políticas, de homens públicos de correntes diversas, de empresários, de vastos sectores dos media, inculca-se no Povo português a ideia de que a solução para garantir a tão decantada “estabilidade”, para evitar o agravamento de uma “crise” está numa maioria absoluta do Partido Socialista, para a qual “não existe” qualquer alternativa. Derrubada a actual coligação PSD/CDS-PP tudo se resolveria como num passe de mágica!
Até mesmo a dança louca das sondagens parece conduzir-nos a estes ocultos desígnios. Afinal, os especialistas reconhecem a influência actual das sondagens sobre um público cada vez mais vacilante e sem ideologia. Mas, por outro lado, os erros destas mesmas sondagens vão-se tornando proverbiais. Recordemo-nos das recentes eleições americanas... ou das eleições autárquicas que levaram à queda do governo socialista do Eng. António Guterres em 2001.
É, pois, em ambiente de apatia quase geral e longe dos verdadeiros e reais interesses da Nação, que se desenrola o debate eleitoral, que se resume a uma discussão vazia de conteúdos, com os temas económicos a ganhar uma primazia desproporcionada e com as atenções a concentrarem-se em pequenos ataques pessoais, em questiúnculas políticas, nas fisionomias mais ou menos simpáticas, retocadas pelo “marketing” político.
Foi o que levou José Manuel Fernandes a perguntar há poucos dias, no editorial do jornal “Público”: “Será que em Portugal não existem divergências políticas, apenas pessoais? Ou técnicas? Será que nestas eleições se está de acordo quanto ao essencial, divergindo-se nos detalhes e nos protagonistas?” (Procuram-se Diferenças, 8/2/2005).
Ainda no jornal “Público” Teresa de Sousa afirmou: “Há qualquer coisa de profundamente estranho nesta campanha eleitoral. (...) Falo do tom geral da campanha, que alimenta e que é, por sua vez, alimentado pelo mundo virtual das televisões, num infernal ciclo vicioso que ninguém parece conseguir romper. A estranheza está em que, debates e comícios confundidos, o país já saiu, definitivamente, da realidade. (...) Não admira, pois, que tudo se meça na televisão em termos de decibéis dos comícios ou de litros de suor vertidos, de empatia televisiva ou da cor da gravata dos líderes - entre o "tijolo" ousado e o "azul-bébé" mais para o clássico” (Crise? Qual Crise?, 8/2/2005).
Falseamento da própria democracia representativa
A caça ao voto - sobretudo do chamado “eleitorado do centro” - tornou-se um fim em si mesmo e, “para não assustar”, deixam-se por clarificar as ideias e as posturas, o que, de si, leva a um falseamento da própria democracia representativa, podendo acarretar graves consequências para o sistema político vigente. O eleitorado, manipulado e induzido a manifestar-se a favor de um partido ou de outro, de um líder ou de outro, é impelido a votar em função de conveniências imediatas, de cálculos eleitoralistas manipulados, e não de acordo com as suas convicções. Uma vez chegados ao poder, políticos e partidos implementam uma agenda que só eles verdadeiramente conhecem.
Deste modo, a democracia dos “consensos” vai-se tornando cada vez mais inautêntica, identificando-se com a democracia da não-discussão, da não-reflexão, da inércia e da apatia.
Perante uma tal situação e uma vez realizadas as eleições legislativas, considerando a hipótese de o Partido Socialista vir a obter no Parlamento uma maioria absoluta ou uma maioria com partidos da esquerda radical, é legítimo questionarmo-nos se o eleitorado PS iria conhecer os verdadeiros fundamentos ideológicos que os seus líderes tentam agora ocultar da opinião pública e do seu eleitorado.
Em meio ao marasmo um alerta salutar, misteriosamente silenciado
Constituiu uma surpresa salutar, a quebrar o marasmo da total falta de ideias, a “Carta aberta aos Eleitores”, na qual um grupo de católicos de renome, nos meios intelectuais e sociais, apresenta uma “questão de consciência”. Relembram os autores da missiva, com muito acerto, que o pluralismo político dos católicos não pode ser confundido com relativismo moral e que é preciso ter noção do que está em jogo, isto é, a essência da ordem moral:
“Quando a acção política se confronta com princípios morais que não admitem abdicações, excepções ou compromissos de qualquer espécie, é então que o empenho dos católicos se torna mais evidente e cheio de responsabilidade. (...)
“É o caso das leis civis em matéria de aborto e da eutanásia, que devem tutelar o direito primário à vida, desde a sua concepção até ao seu termo natural. (...) Analogamente, devem ser salvaguardadas a tutela e promoção da família, fundada no matrimónio monogâmico entre pessoas de sexo diferente, e protegida na sua unidade e estabilidade, perante as leis modernas em matéria de divórcio. (...) Igualmente, a garantia da liberdade de educação, que os pais têm em relação aos próprios filhos, é um direito inalienável”.
É estranho – ou talvez não tanto! – que tão louvável iniciativa, de enorme alcance e seriedade, tenha recebido tão pouco destaque ou até mesmo sido silenciada por quase todos os grandes órgãos da comunicação social.
É-nos difícil omitir, de passagem, outra estranheza: a de que o nosso Episcopado não se pronuncie, com a clareza necessária, sobre a orientação do voto católico, e proclame de modo inequívoco a Doutrina da Igreja a respeito das uniões homossexuais, do aborto, da eutanásia, do divórcio, etc. Isso, quando as condições concretas mostram que, muitos portugueses – tantas vezes católicos – estão a ser irreflectidamente induzidos a votar em partidos que levarão à aprovação de leis que atentam frontalmente contra a verdade evangélica e contra a Família como célula natural da sociedade.
Os valores morais e religiosos, no centro do debate eleitoral
Temos a convicção de que as grandes opções em Portugal, neste pleito eleitoral – à imagem de muitos outros países – passam hoje por uma agenda cultural, incluindo-se aí com destaque os fundamentos morais e religiosos da nossa sociedade. E é esse, precisamente, o debate que está a ser silenciado!
Apontou com grande clareza o Prof. João César das Neves, em artigo para o “Diário de Notícias”: “As questões fracturantes existem. As recentes eleições americanas mostraram bem o que outros países também confirmam: as ‘guerras culturais’ são a grande batalha do nosso tempo. (...) A verdadeira luta doutrinal trava-se na definição da família e do direito à vida. (...) Antigamente a família onde se nascia marcava para sempre a sorte; hoje quer-se que a família seja fixada pelos caprichos sexuais mais variados. Aborto, eutanásia, divórcio, homossexualidade, droga, são temas de debates acesos e opiniões opostas. (...). Alguns países europeus sentem-se modernos e avançados ao substituir o debate por soluções laxistas e permissivas. (...) No fundo, fizeram a mesma opção que a URSS em 1917. (...) A liberdade de abortar e a diversificação do casamento parece hoje tão moderna como há umas décadas pareceu a sociedade sem classes. Aliás, os que hoje atacam a família e a vida são exactamente os mesmos que há uns anos defendiam a ditadura do proletariado” (A clivagem escondida das eleições, 7/2/2005).
Impor sorrateiramente à sociedade portuguesa a liberalização de certas leis e a libertinagem dos costumes
Temos por certo que a imensa e desconcertante articulação que visa impor ao Povo Português uma maioria absoluta do PS - ou uma maioria de esquerda - contém um objectivo certeiro e não declarado: desencadear sobre a sociedade portuguesa uma acção revolucionária, branda nas aparências mas radical nas metas, para acostumá-la gradualmente a conviver com situações de amoralidade e degradação dos costumes até há poucos anos energicamente repudiadas por largos sectores da população.
Pretendem-se impor ao povo português, de modo sorrateiro, reformas institucionais que acelerem uma mudança de mentalidades, escondendo cautelosamente o radicalismo ideológico que as inspira. Com hábeis métodos de propaganda, pretende-se estimular e exacerbar um clima de hostilidade em relação à moral católica tradicional, uma amnésia a respeito dos princípios morais, uma pressão social a favor da libertinagem dos costumes e de uma liberalização de certas leis com consequências imprevisíveis.
Aliás, já começam a fazer ouvir-se as vozes rancorosas do laicismo que tentam negar à Igreja Católica o direito de intervir na vida política do País, e de relembrar publicamente a sua doutrina divina e perene.
Na nossa opinião, pretende-se igualmente fazer “acertar o passo” do processo político português com o processo revolucionário que o governo socialista de Rodríguez Zapatero está a conduzir na vizinha Espanha.
Assim, temos por certo que qualquer maioria de esquerda que viesse a resultar das próximas eleições legislativas, introduziria no País a agenda do neo-socialismo, a qual contaria entre outras coisas com:
- um esforço no sentido de fazer aprovar a Constituição Europeia;
- a aprovação do “casamento” homossexual e a regulamentação das uniões de facto;
- a adopção de crianças por “casais” homossexuais
- a liberalização do aborto;
- a imposição da educação sexual nas escolas em todos os níveis;
- a despenalização das drogas;
- a regulamentação da prostituição;
- o intervencionismo do Estado na economia e na educação.
Apelo aos portugueses
Diante destas considerações, lançamos aqui um apelo a todos os portugueses no sentido de elucidar os seus círculos familiares e de levar às suas relações sociais e profissionais um esclarecimento sobre o que verdadeiramente está em causa nas eleições do próximo dia 20 de Fevereiro: os valores básicos de uma civilização autenticamente cristã. Não cremos que seja legítimo e patriótico dar o voto a partidos cujos programas preconizam a aprovação de leis que atentem contra a essência da ordem moral e da Família.
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Aos pés de Nossa Senhora da Conceição, Rainha e Padroeira de Portugal, depositamos este apelo, rogando-Lhe filialmente que abençoe os esforços de todos aqueles que anseiam ver a nossa Pátria resistir aos ardis dos que querem empurrá-la pelas vias sinuosas da descristianização.
Arautos d´El Rei, 13 de Fevereiro de 2005