Entrevista com Carlos Díaz, fundador do Instituto Mounier
MADRID, sexta-feira, 1 de Fevereiro de 2005 (ZENIT.org).
- Famoso em âmbito hispano-americano e em outros círculos, o filósofo Carlos Díaz segue incitando provocações com seus pontos de vista sobre a globalização, a filosofia e a identidade, entre outros temas.
A beatificação de Emmanuel Mounier, a vigência do personalismo e a reivindicação de um humanismo que fundamente os direitos humanos são alguns dos temas que Carlos Díaz compartilha com Zenit.
Autor de dezenas de livros sobre Mounier, este filósofo é também professor de fenomenologia da religião na Universidade Complutense de Madri.
--Que vigência tem hoje o personalismo?
--Díaz: No âmbito teórico, muito escassa. Vivemos momentos de pragmatismo e de positivismo onde a pessoa importa muitíssimo menos que o dinheiro e a satisfação material. Os projetos pessoais comunitários de conteúdo escatológico, as propostas pós-convencionais estão em férias. Por isso, também está em férias a identidade pessoal e a religiosa.
Só vigora e rege o indivíduo, o egocentrismo. Seria um erro pensar que a globalização interessa desde uma perspectiva de universalismo moral. Pós-modernidade é de todas as coisas rei.
--Ante isso, que quer ser a filosofia na cidade de Mounier?
--Díaz: Péguy ensinou Mounier a sonhar com a cidade real, não idealizada. Platão e Santo Agostinho a idealizar a cidade ideal. Nesse empenho continua o personalismo comunitário, apesar do ambiente pós-moderno, cuja «civitas democratia» se assemelha ao Reino dos Smurfs: uma série de chalés cômodos cortados por um padrão uniforme com vistas à exterioridade e pretensões de exclusividade. Essa pretensão de exclusividade, contudo, não pode dar-se quando o homem que habita o chalé tem uma alma convencional. Só os que constroem catedrais, dizia Mounier, podem habitar as favelas.
--Que tipo de humanismo propõe o filósofo Mounier?
--Díaz: Não há mais que um humanismo, dentro do qual podem florescer intermináveis estilos. Consiste em buscar, proclamar e encarnar o humano, ainda que seja «humano, demasiado humano». Esse humanismo do universal permitirá propor-se direitos humanos: como defendê-los, sem o humano que fundamenta os direitos? Se o homem edifica um edifício antropológico sobre os pés de barro do direito, tudo fracassará.
Sem o humano não há direitos humanos. Esta é a vantagem indelével e sempre recorrente do humanismo: que, sendo universal, pode viver-se particularmente, sem perder de vista o fundo de olho do humano: a ânsia de eternidade, de beleza, de unificação, de caridade, de absoluto.
Um humanismo auto-enclausurado não passa de ser uma jaula para prender gorilas. Patético me parece que os direitos humanos tenham tantos enamorados, mas ninguém quer se casar com eles. Sintoma dos tempos, mas sintoma patético.
--Em que sentido suas intuições têm peso hoje, no contexto da globalização?
--Díaz: A globalização, antecipava Xenófanes, é um grande animal com dois grandes orifícios: a boca pela qual degusta os manjares, e o anus por onde os defeca. Ambos orifícios, contudo, têm sorte desigual, já que uns poucos defecam em excesso e outros são defecados apenas sem comer: esse é o projeto imperial da macro-economia. O problema é o que vai acontecer com esse animal, quando os menos defecam mais e os mais são defecados pelos menos. Tal proposta repugna a razão cálida do personalismo comunitário, que por isso adota uma ontologia militante contra semelhante «desordem estabelecida»...
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