Viva o 5 de Outubro!
Por José Adelino Maltez
Sampaio discursa no 5 do feriado depois da ponte. Muito vivório sem foguetório. Milhares de criancinhas das escolas dão palmitas com os paizinhos, o lanche oferecido pelo Orçamento de Eetado, e os escuteiros batendo a pala, como sucedâneos da velha bufa. Sobretudo os do Corpo Nacional de Escutas, coisa que o Cerejeira não quis na Mocidade Portuguesa, mas que agora alinham atrás dos devotos de Afonso Costa, talvez por terem a suprema benção do numerário João Bosco, dado que os democratas-cristãos de bons costumes e limpeza de sangue nos governam e usam das corvetas para a defesa dos bons princípios, contra esses calvinistas donde vem o flamengo e donde era o Espinosa.
O discurso do presidente leva água no bico, talvez por ter a seu lado um Santana, eleito para a Câmara em coligação com o Partido Popular Monárquico, o que talvez explique este vazio de povo, na comemoração do regime. Esta velha senhora já de noventa e quatro anos, dita república, com quarenta e oito dos ditos em não-democracia, vinda do 28 de Maio, trinta de abrilismo e dezasseis de afonsismo e bonzos, o que dá apenas quarenta e seis em nome da democracia. Por outras palavras, por enquanto, a república é bem menos democrática do que a monarquia azul e branca. Mais de metade do respectivo tempo não respeita a representatividade consagrada pela constituição histórica e pelas constituições escritas de 1820, 1826 e 1838.
É perigoso transformar o 5 de Outubro em festa da democracia e muito mais da democracia pluralista, representativa e de sociedade aberta como é a nossa desde 25 de Novembro de 1975.
Porque o que se passou entre 1910 e 1926 foi uma jacobinada que reduziu o sufrágio, eliminou o pluralismo partidário (tivemos um partido único e as suas dissidências), transformou um errado paradigma pretensamente científico em ideologia oficial (positivismo), perseguiu estupidamente a Igreja, recusou a eleição do Presidente da República por sufrágio directo e universal, abusou do clientelismo e do viracasaquismo, etc.
Isto é, as glórias justas do presente regime nada devem à dita Primeira República. O presidente eleito por sufrágio directo e universal é uma herança do sidonismo e da Ditadura Nacional. O alargamento do sufrágio tem mais a ver com a monarquia liberal, tal como o pluripartidarismo.
Até os descendentes do partido de Afonso Costa, os soaristas do PS, decidiram rejeitar o legado e co-criar aquilo que de melhor temos.
Comemorar o 5 de Outubro tem de ser dizer a verdade. E recordar que a Ditadura e o Estado Novo também comemoravam o dito dia, embora esvaziando-o animicamente.
Porque a I República implantou-se apenas obedecendo à mera legitimidade da violência revolucionária e sempre temeu ser plebiscitada.
Agora, o que temos é um regime híbrido, constituído por usucapião ou prescrição aquisitiva, até porque já foram ultrapassados todos os prazos jurídicos sobre a posse incontestada da usurpação violenta e da própria má fé. Isto é, neste virar do milénio, nestas vésperas do centenário da república, todos somos republicanos por usucapião. Isto é, não somos nada.
O absurdo corte praticado pelos actuais historiadores oficiais do regime, de Fernando Rosas a António da Costa Pinto, face à tradição azul e branca dos regeneradores de 1820, 1834 ou 1851, não passa de uma mentira propagandística que não dignifica sequer a beleza mobilizadora da boa ideia de república, como a sonharam um Pascoaes, um Sampaio Bruno ou um Jaime Cortesão.
Mas esses nunca renegaram os factores democráticos da formação de Portugal e sempre se consideraram herdeiros da tradição demo-liberal dos Fernandes Tomás, dos Passos Manuel, dos Anselmo, Herculano, Garrett ou José Estevão.
E eu, como monárquico e republicano, que continua a desejar um trono cercado por instituições republicanas, em nome da lusitana antiga liberdade, fiel a esse eterno projecto por cumprir e que devemos semear e cultivar, apenas reclamo que quero comemorar a democracia e a república sem o ódio dos buissidentes...
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