Breves reflexões sobre Educação
por João Titta Maurício
Entre nós, é visível a tensão entre revolução e contra-revolução. Não é uma disputa dicotómica recente. Nem sequer exclusiva de Portugal: é recorrente a todos os países que sofreram importante influência do pensamento francófono, daquela “fonte” especial de 1789. Porém, essa é uma outra questão...
O importante é que há uma permanente tensão revolução/contra-revolução, dois siameses cegos de ódio um pelo outro! O seu principal objectivo reduz-se a chegar ao Poder e destruir o anteriormente feito ou desfeito pelo outro. A sua “receita”: usar e abusar da centralização estatal (tornada instrumento de obstaculização). Assim, a principal vítima de ambos é a Liberdade!
Uns dos campos de batalha mais importantes e recorrentes é a Educação... e estes últimos dias têm evidenciado essa disputa ideológica na luta pelo controle da “máquina da 5 de Outubro”! Ambos procuram a centralização das decisões e a concentração dos meios do Estado. Os seus objectivos: usá-los para impôr a “boa Escola”... a sua, claro!
São públicas as causas que levaram David Justino a apresentar um novo modelo de colocação de professores. Impunha-se procurar combater, enfraquecendo, certos sectores político-partidários bem identificados que, graças ao anterior modelo, exerciam um controlo para-mafioso na distribuição dos professores (em especial, nas grandes áreas metropolitanas): os docentes obtinham o vínculo em escolas do interior e depois, pelo destacamento, “desaguavam” na Grande Lisboa – o que permitia a obtenção das maiorias de controlo dos Conselhos Directivos (compreenderão agora o porquê de tanta oposição à criação de gestores de escola...), condição indispensável para controlar o sistema! Rodeavam a capital (e os seus mais de 3 milhões de residentes), num eficaz e monocolor cerco ideológico. Entretanto, os demais licenciados com ambições a docentes, vogavam pelo país, ao sabor das oportunidades e vítimas de um esquema do qual só beneficiavam “intelectuais” bem quistos pelos “sectores progressistas”! Ah, e outros tantos “docentes do quadro” eram requisitados para importantíssimas funções na “5 de Outubro”! Juntos, são a causa do grande movimento anual de docentes... que, afinal, não é assim tão incompreensível!
A alternativa, infelizmente, foi a típica da dicotomia revolução/contra-revolução: centralizar e concentrar! Descontadas as falhas (que, na altura conveniente, aposto, serão inexistentes...), a questão é que a solução é tão má, que nem a esquerda (por vergonha e receio) se atreveu a propô-la... mas, agora sorri... e agradece! Exige-se uma direita culta, desempoeirada e não revanchista, que se não prenda nos interesses conjunturais e, libertada do ditadura do “eduquês”, apresente propostas conservadoras-liberais que devolvam a Liberdade à Escola!
Importa ter a coragem de interromper o círculo vícioso e perceber que a solução jamais deverá ser concentrar. Antes (garantindo a gratuitidade do ensino): garantir a coexistência, em concorrência perfeita, de vários modelos de Escola; devolver a competência da escolha dos docentes às escolas; possibilitar aos pais a liberdade de escolher aquela que propõe o modelo educativo que pretendem para os seus filhos.
É impossível alcançar a neutralidade moral e, por haver diferentes formas de ensinar e educar, a ninguém deve ser permitido impôr a todos o seu modelo de Escola! Assim, o monopólio estatal significa a consagração do pensamento único! Tanto mais grave, quando o Estado (em nome de todos, mas apenas ao serviço das “vanguardas esclarecidas”) usa esse monopólio como instrumento de transformação por imposição de uma moral de origem externa à comunidade e que tão bem serve os desígnios político-ideológicos da esquerda jacobina ou do seu reflexo.
Se a Escola é incapaz da neutralidade moral que é exigida ao Estado, como justificar que este seja detentor monopolista da Escola? Porque a esquerda (e uma certa direita segue-a embevecida) vive (e quer fazer viver) na ilusão de que, se patrocinássemos “acções de integração”, os pobres elevar-se-iam acima da sua condição. E o empenhamento cego de todo um País nas políticas igualitárias, tão próprias dos “credos” socialistas e do “politicamente correcto”, apenas serviu para tornar Portugal numa tristonha, presumida e infeliz realidade monocolor: uma só ideologia, uma só Escola, um só tipo de cidadão!
Com o monopólio do Estado, é a confusão: paradoxalmente, o Estado é, simultaneamente, legislador, fiscalizador (posições que exigem que se abstenha de ter interesse ou ser parte) e agente no Mercado. É perfeitamente incrível que, os mesmos que lutaram contra os monopólios económicos do Estado, entendam como razoável que este se justifique na Escola: por causa da presença monopolista do Estado no “mercado” da Escola , quando o serviço é prestado sem qualidade, a ausência de alternativas é não só um ataque à Liberdade, mas também (principalmente, quando se trata do Estado) uma violência e um frustar de legítimas expectativas.
O Estado, na perspectiva contratualista que perfilhamos, não surge de geração espontânea: é o produto da vontade humana; não existe e sobrevive como um fim em si mesmo; existe e opera para a comunidade humana que o criou e organizou! E como a Racionalidade é o critério característico e distintivo do Ser Humano, não é abusivo concluirmos que a criação do Estado obedece ao propósito da obtenção, por acção colectiva, daquilo que, individualmente ou através de pequenas comunidades espontânea e voluntariamente organizadas, não é possível de ser realizado ou não é tão eficazmente concretizado. A Escola não é um deles. É-o quanto ao dever civilizacional de proporcionar condições para um acesso gratuito e universal ao bem Escola. Mas não tem de a organizar e gerir... muito menos na condição de monopólio!
Assumindo a maioridade da Democracia portuguesa, urge romper a dicotomia revolução/contra-revolução, libertar a Escola, devolvendo-a à Liberdade. Não se tema aquilo a que alguns chamariam “caos”, e reconheçamos que a grande vantagem da Liberdade em Democracia está na possibilidade de coexistência de diversos projectos. Seria decisão de bom-senso que, nas escolas públicas (que não deixariam de existir), em todos os graus infra-universitários, a gestão das instalações e da contratação dos docentes e demais pessoal deixasse de ser concentrada no Ministério da Educação, transitando para a Escola, gerida por profissionais especializados, escolhidos em assembleia local composta por eleitos, professores e pais. Ao Ministério da Educação caberia a responsabilidade subsidiária de manter uma bolsa de Professores-substitutos que acudiriam a faltas não previstas. Cada Escola teria uma gestão mais leve, mais eficaz, mais próxima dos seus “clientes” e, assim, mais capaz de cumprir as tarefas instrutivas e formativas que são a sua verdadeira raison d’étre.
É importante que os Povos tenham governos que pensem e apresentem ideias, e que se não acobardem ou envergonhem de as aplicar. Ao apresentá-las, dão corpo àquilo em que acreditam, algo que tem bondade intrínseca ou capacidade para gerar efeitos bondosos... e que devem ser aplicadas mesmo que custem incompreensões e descidas nas sondagens. Porque, no fim, quem devolve Liberdade acredita no Homem. Acredita que este, para o exercício daquela, é individualmente dotado de uma suficiente dose de sentido de responsablilidade, que possibilita as menos incorrectas escolhas colectivas.
A Democracia moderna mantém-se ou cai pelo grau de literacia dos seus cidadãos, e só a Escola com Liberdade permite que surjam as condições que impeçam a vitória da “mass culture”. Não libertar a Escola é aprisionar o futuro, é diminuir a Democracia, é condenar Portugal!
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