Por José Adelino Maltez
Os 25 chefes de Estado ou de Governo da União Europeia acabaram de assinar hoje, em Roma, o Tratado Constitucional, numa cerimónia ensombrada pelo atraso da entrada em funções da Comissão Europeia chefiada por Durão Barroso. Apenas as esperançosas palavras de Jorge Sampaio vieram dar luz a este dia cinzento, quando considerou que "a via mais adequada para melhor envolver os portugueses no projecto europeu" é realizar um referendo, apelando"para que façamos do referendo pela Europa uma causa comum" e que "este exercício represente uma ocasião para fazer de cada português um europeu convicto". Como português convicto, rejeito a pressão exercida pelo meu Presidente. Dizendo não ao referendo posso continuar a ser um europeu convicto.
Julgo que importa furar o bloqueio de um sistema político em degenerescência, onde o oligopólio partidocrático instalado continua a abusar do poder. Porque Sócrates está neste ponto coligado com Santana Lopes e Marcelo Rebelo de Sousa com Rui Gomes da Silva, tal como Sampaio se não diferencia de Cavaco e Buttiglione bate palmas a António Vitorino. Há que não entregar a soberania individual a entidades que apenas nos pedem que plebiscitemos os partidocratas instalados. Há até que temer alguns dos vícios do rotativismo, a fim de se poder regenerar o sistema político. É urgente que apareçam aqueles que querem um Portugal com efectiva independência política e que estão dispostos a colocar a mais velha nacionalidade no próprio centro da Europa, reagindo contra a hipótese de nos tornarmos em mera região autónoma de certos conceitos de uma Europa apátrida, dominada pelos Estados-Directores do neo-imperialismo da razão do Euro-Estado. É urgente lutar por uma Europa vista como unidade na diversidade, reforçando as famílias políticas que subscrevem as liberdades nacionais, sem as quais não existirá a Europa.
Por isso, às vezes quase apetece subscrever o senhor D. Pedro V quando este denunciava os "pretensos progressos materiais", quando estes encobrem "uma grande corrupção e uma grande chaga moral", recordando que "os nossos homens públicos odeiam a inteligência porque é um título de superioridade". E repetindo o mesmo monarca, importa assinalarmos que "uma nação como a nossa tem tudo a perder e nada a ganhar no jogo dos grandes". Logo, no contexto europeu, não podemos voltar a ser a tal "nulidade em que nos colocamos voluntariamente".
Quando grande parte da revolta contra o presente decadentismo situacionista pode levar à abstenção ou ao desespero de uma aposta em representantes de ideologias revolucionárias, há que assumir uma espécie de patriotismo científico e apoiar as individualidades e as forças políticas e morais que defendem uma Europa diferente para o Portugal de sempre, garantindo a fibra multissecular que continuarmos a prosseguir a nossa vontade de sermos politicamente independentes.
É fundamental que os portugueses que o querem continuar a ser politicamente independentes e que estão descontentes com algum dos desvarios de um situacionismo que nos transformou em mera consequência do paralelograma de forças da balança europeia e mundial, mantenham os princípios da tradição portuguesa de resistência. Subscrevo, pois, Pacheco Pereira, quando este, no Abrupto, denuncia: a falta de pluralismo no debate português sobre a Europa vai inquinar toda a discussão para o referendo. O falso consenso PSD-PP-PS tende a empurrar para as margens da política os defensores do “não”. Por outro lado, a maioria dos jornalistas, que cobrem a questão europeia. são eles próprios militantes europeístas radicais. O resultado é que de há muito se perdeu qualquer pluralismo efectivo, em que os debates se fazem dentro dos partidários do “sim”, e das suas diferentes sensibilidades. Recordam-se de, a não ser por absoluta excepção, e fora do PCP, terem ouvido nos grandes órgãos de comunicação social criticar a Constituição europeia? Estou ao lado de António Barreto quando este defende uma Europa da pluralidade radical: Esta é a minha Europa; não é o federalismo europeu, que destrói a pluralidade das culturas. A Europa que está em construção pode ser travada com a não aprovação da Constituição. Ao contrário do que se pensa, as coisas nunca são irreversíveis na vida: as nações vão por certos caminhos e de repente podem fazer marcha atrás.
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