quarta-feira, março 04, 2009

Refundação ou mudança do regime?

por João Mattos e Silva


São muitos os comentadores políticos que vão reconhecendo que este regime vai mal e que necessitaria de uma, quase, refundação. Por causa do semi-presidencialismo – já há quem reclame o presidencialismo como remédio, eventualmente também durante seis meses, para os males que assolam o sistema político, como Maria José Nogueira Pinto em recente artigo de opinião no Diário de Notícias – do papel dos partidos, mais máquinas eleitorais do que associações de debate de ideias e geradoras de soluções da governação, da corrupção da concepção da meritocracia, quando o que se vê é a predominância da mediocridade alcandorada aos mais altos níveis do poder e da administração por amiguismos de várias espécies e tonalidades, do já entranhado sentido de corrupção ao nível da Administração e dos negócios privados, que recentes casos na Banca vieram corroborar. Por mais uma dezena de razões que seria fastidioso enumerar.

Tem esta III República trinta e quatro anos e já, da esquerda à direita, se erguem muitas vozes e há muito tempo, para denunciar que "algo vai mal" ou muito mal, na "República Portuguesa", alcunha que o país passou a ter depois de 1910. A II durou quase cinquenta anos, mas servindo-se de artifícios como a censura, a polícia política, o poder autocrático de um homem. A I República, aquela que 2010 vai celebrar como redentora, apenas dezasseis e nem a ditadura do Partido Democrático nem a "formiga branca" lhe valeram. O fim de ambas foi antecedido pelo "tinir das espadas", o grande factor de mudanças políticas que o regime criou, manteve e tentou manobrar a seu favor, quase sempre sem sucesso.

Apesar de uns resquícios caricatos e caquécticos desse espírito castrense regenerador do regime que recentemente provocaram o estupor e o riso, os tempos mudaram e os "pronunciamentos militares" salvadores da Pátria, já não têm lugar na Europa onde, em democracia, as coisas se resolvem por outras formas, talvez menos vistosas e empolgantes.

O que os comentadores que os portugueses lêem, porque são os que a comunicação social lhes impõem, não se atrevem a dizer, por convicção uns, por desonestidade intelectual outros, por receio de perderem espaço de audição quase todos, é que o regime não tem forma de se regenerar. A menos que, porque de uma grande reforma se trataria, se interrompesse por seis meses, como preconizou a líder de um dos partidos para as reformas em democracia, o que obviamente, neste caso, teria de ser por mais tempo, tal o estado a que chegou…

Enquanto o Chefe do Estado for eleito por uma parte do eleitorado – e vezes sem conta por uma pequeníssima parte, como sucedeu com a reeleição do Dr. Jorge Sampaio – e for apoiado e alcandorado por partidos políticos que põem os seus interesses ideológicos e estratégicos ao serviço de uma personalidade, vinda do seu seio, para mudarem o seu sentido de voto e de apoio mal esses interesses sejam postos em causa e, ainda por cima, sendo o presidente eleito por sufrágio universal tal como o Parlamento de onde sai o poder executivo, com distintas orientações a mais das vezes, não é possível que este seja independente, equidistante, desinteressado da luta política. Ele faz parte dessa luta política que está na génese da instituição presidencial.

Foi assim, em democracia com Eanes, com Mário Soares e está a ser assim com Cavaco Silva, como antevi e escrevi há largo tempo atrás. Porque o mal não está nas pessoas que ocupam ou ocuparam a chefia do estado republicano – embora umas possam ser politicamente melhores do que outras – mas na instituição em si mesma, que em nome de uma errada concepção de igualdade, define o sufrágio – directo cá ou indirecto em algumas repúblicas - como única fonte da legitimidade democrática para este órgão de soberania (o poder judicial é igualmente um órgão de soberania e não é eleito para preservar a sua independência).

Sendo a chefia do estado a trave mestra do nosso regime político, é evidente que todo o regime republicano se ressente das contradições em que se envolve e essas contradições se estendem à restante arquitectura do Estado. Sem se alterar, num acto de lucidez e de coragem, esse erro fulcral, o regime vai-se corrompendo até se auto-destruir. E com ele vai sendo posto em causa o bem comum dos portugueses.


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