CARTA DO CANADÁ
por Fernanda Leitão
Alguns comentadores políticos disseram da visita oficial do presidente José Eduardo Santos a Lisboa que Portugal se pôs “de cócoras” diante de Angola e que o novo país se propunha colonizar Portugal através de massivos investimentos. Quanto a mim, é uma reacção que vai beber (ainda) a um preconceito de suposta superioridade.
Nenhum angolano, e eu sou angolana e sei do que falo, nenhum português, e eu tenho a nacionalidade portuguesa e sei do que falo, vai esquecer o tormento de uma guerra colonial, que atrasou e comprometeu a evolução de Angola e de Portugal para um regime democrático, antes abriu a porta a uma revolução militar, em Portugal, e a uma guerra civil em Angola, ficando pelo meio uma “descolonização exemplar”, como lhe chamou o medíocre político que a engendrou, ao tempo com o beneplácito do Partido Comunista, velho compagnon de route com quem assinou um tratado em Paris. Só depois do mal feito é que o Partido Socialista cortou o cordão umbilical, graças á coragem de Salgado Zenha, tendo por pretexto o mundo dos sindicatos.
Nenhum angolano ou português vai esquecer os mortos dessas guerras, os exilados, os presos, os injustiçados, as dezenas de milhar de portugueses que atravessaram as fronteiras a salto para não irem à guerra, as centenas de milhar de negros e brancos que fugiram da guerra civil que se seguiu à independência. Nenhum angolano ou português vai esquecer quanta incompetência, egoísmo, vaidade, arrogância, corrupção e ganância, dum lado e do outro, travaram o progresso de Angola e de Portugal porque mais se olhou ao jogo proporcionado por interesses estranhos do que às necessidades dos seus povos. Ninguém tem as mãos limpas e a consciência leve nesta tragédia.
Não, ninguém esquecerá, porque ninguém quer ver estes crimes repetidos. Mas ninguém saudável de inteligência e de espírito vive do passado. A hora, para Portugal e Angola, é de olhar em frente, é de se comportarem como dois adultos, como gente de bem e de juízo, dando-se as mãos na reconstrução de Angola, que se quer país livre e de riqueza bem repartida, e a regeneração do regime vigente em Portugal, que se quer país bem administrado e livre das vergonhas que tem vindo a sofrer. Portugal, que abandonou Angola (e as outras colónias todas) à sua sorte, por funesta decisão de políticos a soldo de interesses internacionais, deve tomar como exemplo a Igreja Católica, essa que, apesar de todas as perseguições e martírios, ficou no terreno, a pé firme, lado a lado com as populações sofredoras. Portugal tem de retomar as suas responsabilidades de solidariedade, não de colonizador para colonizado, não de patrão para mainato, como parecem sugerir os comentadores apontados, mas como o melhor amigo do povo angolano. É obrigação, e interesse, de Portugal dar uma contribuição, forte e decisiva, para uma Angola forte, grande, justa. Prouvera a Deus que o pudesse fazer em todos os lugares que abandonou de forma irresponsável.
A hora é de acção, em ambos os países, e não de chicana partidária.
1 comentário:
Ora aqui está uma visão inteligente das relações com o antigo Ultramar: nem de cócoras, nem em bicos de pés, mas caminhando lado a lado na partilha dos muitos bens culturais que a História a todos legou.
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