domingo, março 09, 2008

Sobre o português Vítor Hugo

por Ferreira Fernandes

jornalista
ferreira.fernandes@dn.pt

O jornalista Jean-Pierre Langellier publicou no dia 6 um artigo no jornal Le Monde com este título: "'Merci Napoléon', Dizem os Brasileiros". E o artigo começa com a mesma tecla: "Todos os brasileiros vos dizem: o seu país existe graças a ... Napoleão." E acaba batendo no mesmo: "No último Carnaval, várias escolas de samba fizeram disso [a chegada do D. João VI, ao Rio] o tema do seu desfile. Um dos refrãos, acompanhado em coro pela multidão, acabava com um alegre: 'Adeus, Napoleão!' Adeus e obrigado."

Portanto, Le Monde mandou avisar: o pai da criança é Napoleão, não é D. João VI. Lula devia ter convidado, em vez de Cavaco e Maria, Sarkozi e a Bruni. Vão dizer-me, o artigo de Langellier é a brincar. Pois, pois. Mas um tema tão extraordinário (a primeira viagem de um rei europeu para, e não à, para a América, o único país do mundo que se fez independente com um príncipe colonial...) - e tema em que a França é secundária - eu preferisse que fosse tratado sem o tradicional umbiguismo gaulês. Sublinhado no título, primeiro e último parágrafo, quer dizer nos lugares mais nobres do artigo.

Desde já, essa da causa efeito - Napoleão é que empurra D. João VI para o Brasil - parece a do brasileiro que diz que quem protagonizou a final do Mundial de 50 foi o guarda-redes Barbosa, que deixou entrar o golo. Não, o campeão do mundo foi o Uruguai porque Ghiggia enganou Barbosa num chuto perfeito e porque os uruguaios foram a equipa superior comandados pelo grande capitão Obdulio Varela. Sobre o nascimento do Brasil, portugueses e D. João VI e D. Pedro foram protagonistas, só ultrapassados pelos brasileiros; Napoleão, grande noutras coisas, nesta foi mero comparsa histórico.

Aliás, entre os dois parágrafos francófilos, Langellier lembra: "Sobre D. João, Napoleão escreverá: 'Ele é o único homem que me enganou'." Esta parte do miolo do artigo é a melhor, recheada de informação. Eu gostei muito, já tinha lido tudo no soberbo 1808, do brasileiro Laurentino Gomes, livro que eu (mas isso sou eu) digo que li. A Laurentino o que é de Laurentino, a João VI o que de João VI, cher Jean-Pierre.

E naquele último parágrafo, o do desfile carnavalesco com o "Adeus, Napoleão", seguido no texto do Monde por "Adeus e obrigado", diga-se que o sujeito está mal atribuído. Não, não são os brasileiros a piscar o olho ao imperador francês. O desfile foi o do Grupo Imperatriz Leopoldina e o samba-enredo, depois de mostrar a discussão no palácio real de Lisboa, põe D. João VI a tomar a decisão. Que saiu nestes versos cantados no Sambódromo: "Ou ficam todos/ Ou todos se vão/ Embarcar nessa aventura/ e 'au revoir, Napoléon'"... Já nos chega os franceses terem melhores patés e agora querem ter melhores passés... Perdoem a piadola à Le Monde.

In Diário de Notícias, hoje.

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