Nas últimas semanas e dias, sob o impulso da crise financeira e da anunciada recessão económica, várias têm sido as vozes americanas a dar sinais de angústia. Entre estas, há quem tema um colapso americano.
Não vejo razão para tanto alarme. Ou melhor, não será por aí, pela crise financeira ou económica, que se verificará um imediato colapso americano. O colapso não deixará de vir, decerto, mas quando para os credores não for mais necessário o americano-leviatão. Entretanto, tanto no Reino Unido como nos Estados Unidos da "liberdade" está já a funcionar a receita socialista, que se pensava ter sido enterrada no início dos anos 90: um banco foi nacionalizado pelos britânicos, enquanto os americanos socializaram as perdas de um dos bancos mais "dinâmicos" da praça, para minimizar os estragos provocados... pela "liberdade" (e ainda acusam a China e a Rússia de capitalismo de Estado?!).
Mas para se perceberem as angústias globais, e também as expectativas globais do establishment americano, julgo que vale a pena dar uma espreitadela nos livros de Thomas Barnett. Neles se encontra, bem explicado, o "plano de voo" americano actualmente em execução, incluindo as necessárias escalas de reabastecimento.
Incremento da "conectividade" à rede do poder americano é o santo e a senha desta fase de globalização. E é por isso que, para a eventualidade de virem a perder o controlo sobre o Médio Oriente, e, mais grave ainda, sobre o "Northern Tier" (Turquia, Irão, Iraque, Paquistão, Afeganistão...), a África é hoje uma das prioridades americanas. Por razões energéticas e estratégicas (no sentido militar do termo), seria para aí que teriam que retirar. Disso não se tem falado na actual campanha pela nomeação de Obama, nem é previsível que se venha a falar muito. No seu weblog, Barnett frisou no entanto recentemente uma ideia que, essa sim, deveria suscitar preocupação neste extremo ocidental da Eurásia: para a execução do "plano de voo" americano, não valeria a pena contar com a Rússia.
É uma ideia que se tem vindo a insinuar nas altas esferas da opinião publicada na América. Ao ler agora o muito publicitado Parag Khanna (nos sítios do costume, New York Times, Washinton Post, The Guardian, etc.) a ideia é uma vez mais repetida, se bem que de uma forma mais crua: o preço da Rússia está perfeitamente ao alcance da Europa (ou seja, dos Estados Unidos).
Enquanto Barnett emergiu no quadro do "hard power" desenvolvido pela administração Bush, Khanna irrompe agora na preparação do que seria o "soft power" da administração Obama.
Um "soft power" absolutamente necessário para impedir a decadência americana, segundo Khanna. E para quem existe aí fora um vasto "Segundo Mundo" à espera de ser conquistado (comprado) pelos três candidatos mais importantes ao senhorio global - os EUA, a China e a União Europeia.
Segundo Khanna, a União Europeia, perfeito modelo de "soft power", "grande potência do futuro", etc., é não apenas capaz de comprar a Rússia, como tudo o mais que por aí estiver disponível.
A ideia de que a Europa é a "grande potência do futuro" faz parte de uma conversa com que os americanos, pelo menos desde Kennedy, ciclicamente nos têm bombardeado. Como se o Reino Unido e a França tivessem realmente deixado de existir após a Guerra do Suez (1956).
O que hoje é preocupante, é que esta velha desconsideração americana pelos Estados da velha Europa, inclua agora também a Rússia. Se a desconsideração pela Rússia vier a conquistar por completo o establishment americano, vai haver decerto quem na velha Europa buscará novas e bem mais profícuas alianças. O que não deixará de tornar-se um perigo para a paz mundial.
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