CARTA DO CANADÁ
por Fernanda Leitão
Acompanhar o mundo através dos meios da comunicação social, nos dias que correm, é um exercício de sofrimento a que não nos podemos furtar sem sentirmos culpa. Em todos os continentes, pelo que vimos e lemos, povos inteiros sofrem guerra, fome, doença sem assistência, privação de liberdade, risco de vida quando tentam a emigração clandestina, revoltas em guetos suburbanos, todo este calvário humano emoldurado na pastosa da retórica que é de uso entre políticos e outros mentirosos.
É este um garantido e estranho sofrimento, principalmente para os que, independentemente da religião que pratiquem, ou que não pratiquem nenhuma, pautam o sentido da sua vida pelo respeito que é devido à pessoa humana e à Natureza.
De facto, a pessoa humana tem direito aos bens básicos: saúde, habitação, educação, trabalho e liberdade de expressão e associação, e atmosfera limpa. Nos poucos países onde estes direitos estão garantidos, os povos não agradecem aos políticos nem lhes fazem vénia pela simples razão de lhes terem dado o pedido voto para que realizassem essa tarefa nobre de garantirem e respeitarem o direito natural dos povos. Nos poucos países que gozam desta normalidade, os povos não baixam a cabeça diante dos políticos, olham nos olhos dos eleitos, com simpatia se eles se portarem bem, com desprezo se eles tentaram caminhos ínvios. Nesses países, os políticos são empregados do povo, e apenas isso: dá-se-lhes uma tarefa e espera-se que cumpram. Para isso o povo lhes paga. E por isso, através de eleições, os povos despedem quem não serve.
Infelizmente, são em maior número os países em que os políticos se consideram uma casta, uns seres predestinados que podem usar e abusar do dinheiro e da paciência do povo, sem darem contas nem mostrarem contrição quando apanhados em falta. Há mesmo países tão atrasados que neles vicejam, enriquecem e se perpetuam aqueles que mais mentiram e roubaram. É, entre outros casos de democracia mal entendida,
a situação em países de África, América do Sul e Ásia, e mesmo entre as ex-colónias da União Soviética e o Médio Oriente, onde os povos emigram aos milhões... muitas vezes para países onde políticos e outros mentirosos têm vindo a apoiar, por anos a fio, os seus comparsas a quem sobra em impiedade e estupidez aquilo que lhes falta em respeito por si mesmos e pelos povos que dominam em vez de servirem.
Esta cumplicidade tenebrosa é a causa das vagas de emigrantes desesperados que morrem em barcos de acaso nos mares ou que se esfarrapam em muros de arame farpado, todos acossados pela fome, pela guerra, pela doença, pela ausência de liberdade e de respeito nos seus países. Ninguém emigra por gosto ou por desporto.
A emigração é uma provação enorme que parte o coração de qualquer um. Quem disser o contrário, não sabe o que está a dizer. Só há uma solução, talvez utópica, para dar ao mundo a paz de que ele precisa urgentemente: em vez de esmolas que quantas vezes se perdem em bolsos corruptos, os povos precisam de ter terra sua para lavrar, minas para explorar, mares para pescar, escolas para formar gerações, hospitais dignos desse nome. Esse é o grande desafio que se põe aos países em que se respeitam os direitos básicos do seu próprio povo, à custa da rapina, mais ou menos solapada, que exercem em países que desrespeitam esses direitos básicos através da cumplicidade que tecem com os políticos locais – esses seres espantosos que vestem Pierre Cardin e têm filhos a estudar nas capitais europeias, enquanto o seu povo anda andrajoso, esfomeado e sem direito a nada. Será uma utopia desejar isto, mas se a humanidade perder a capacidade de sonhar, a vida não tem sentido.
Nós, portugueses, sempre que sonhámos grande, fizemos algumas coisas de mérito que a História registou. Nós, portugueses, sempre que fomos assumidamente humildes, ganhámos o mundo e o respeito dos outros povos. Perante a mediocridade e mentira que somos obrigados a suportar, só temos um saída: sonhar grande, com humildade e fé, agir de boa fé e sem medo. Agora mesmo.
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