segunda-feira, abril 04, 2005

Lições do crepúsculo de um pontífice

Peter Weigel, autor de TESTEMUNHO DE ESPERANÇA: A BIOGRAFIA DO PAPA JOÃO PAULO II

Segunda-feira, 4 de Abril de 2005

Cinco dias antes de ter deixado a Polónia para o conclave que o elegeria Papa, o cardeal Karol Wojtyla assistiu a uma celebração do vigésimo aniversário da sua consagração como bispo. A residência em Cracóvia dos seus amigos Gabriel e Bozena Turowski estava decorada com dezenas de fotografias tiradas, ao longo de um quarto de século, de Wojtyla a pedir boleia, a esquiar e a andar de caiaque com os Turowskis e outros amigos laicos, que ainda chamavam ao cardeal “Wujek” (tio), o nome de guerra que lhe tinham dado quando era um jovem capelão na Polónia estalinista. Por cima das fotografias estava um dístico caseiro a dizer “Wujek continuará a ser Wujek” — precisamente o que Wojtyla dissera aos amigos quando regressara a uma viagem de caiaque interrompida em 1958 pela notícia de que fora nomeado bispo.

Mais de um quarto de século depois, o homem que o mundo conhece como João Paulo II está ainda a ser Wujek. Durante estas semanas da sua doença, todas as espécies de perguntas foram feitas. Viria o Papa a considerar a abdicação? O que é que aconteceria se ficasse gravemente incapacitado durante um longo período de tempo? Estas questões não são sem interesse, mas falham o ponto mais importante do drama. O mundo está a ver um homem a viver, até ao fim, uma das convicções que modelaram a sua vida e o seu impacto na história: a convicção de que a luz da Páscoa é sempre precedida pela escuridão da Sexta-Feira Santa, não só no calendário, mas no reino do espírito.

A cultura ocidental contemporânea não se casa bem com o sofrimento. Evitamo-lo, se possível. Sequestramo-lo quando se torna inevitável. Quantos de nós morreremos em casa? Abraçar o sofrimento é um conceito que nos é estranho. E, no entanto, o sofrimento abraçado em obediência à vontade de Deus está no centro da cristandade. O Cristo cuja paixão mais de 1500 milhões de cristãos comemoraram há pouco não está retratado nos Evangelhos como alguém a quem o sofrimento tenha meramente acontecido — um profeta com a sua dose típica de má sorte. O Cristo dos Evangelhos abraça o sofrimento como o seu destino, a sua vocação — e é recompensado por esse sacrifício na Páscoa.

É isso que João Paulo II — não um velho teimoso mas um verdadeiro discípulo cristão — tem vindo a fazer neste último mês: a ser testemunho da verdade de que o sofrimento encarado com obediência e amor pode ser redentor.

Há dias, em Roma, quando perguntei ao cardeal nigeriano Francis Arinze o que é que esta fase do notável pontificado de João Paulo II significava, o cardeal sugeriu que, do seu leito de hospital, o Papa estava a colocar algumas graves questões na agenda mundial: o sofrimento significa alguma coisa, ou é simplesmente um absurdo? O sofrimento contribui de algum modo para o resto de nós? Existe dignidade na velhice?

Na mente do cardeal Arinze o exemplo de João Paulo II oferece uma resposta a estas perguntas. Sim, o sofrimento pode ter significado. Sim, esse sofrimento pode-nos ensinar: recorda-nos que não podemos controlar as nossas vidas, e estimula uma compaixão que nos enobrece. Para além disso, sugeriu o cardeal, João Paulo II, na sua fraqueza e sofrimento, foi um tremendo encorajamento para os idosos, os doentes, os diminuídos e os moribundos, que encontram força e esperança no seu exemplo.

O mundo perdeu muito da história de Karol Wojtyla nos seus 26 anos como Papa porque o mundo tenta compreendê-los em termos políticos, como apenas outro jogador na cena global. Não há dúvida de que João Paulo II tem sido o Papa politicamente mais influente desde há séculos, mas isso não é o que ele é no mais profundo do seu ser. As suas recentes hospitalizações e a sua luta para estar à altura do compromisso que assumiu ao ser eleito em 1978 deve recordar a toda a gente que este homem é, acima de tudo, um pastor cristão que vai desafiar-nos até ao fim com a mensagem da cruz — a mensagem da Sexta-Feira Santa e da Páscoa.

Tal como Hanna Suchocka, a antiga primeira-ministra polaca, me disse recentemente, o Papa “está a viver a sua via sacra”. Não é algo que o mundo, desde há muito tempo, tenha visto um Papa fazer. Devemos reconhecê-lo pelo que ele é, e estar gratos pelo exemplo.

Fonte: Público

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