FÁTIMA, terça-feira, 14 de dezembro de 2004
Transcrevemos o comunicado do Conselho Permanente da Conferência Episcopal Portuguesa a respeito da situação política que o país atravessa. O texto foi difundido pela Agência Ecclesia.
Comunicado do Conselho Permanente
da Conferência Episcopal Portuguesa
1. A delicadeza do actual momento político que o país atravessa sugerir-nos-ia, porventura, que ficássemos em silêncio, para que ninguém pudesse interpretar as nossas palavras como ingerência na política, considerada enquanto legítima actividade partidária em ordem à conquista do poder através do voto dos cidadãos. Não queremos tomar posição a esse nível. Por outro lado a Hierarquia não se pode desligar do todo da Igreja, composta por todos os crentes e essa faz parte da sociedade, empenha-se em todas as lutas para a construção de uma sociedade mais justa e fraterna. Fá-lo também participando nos processos democráticos, sempre, mas de modo particular naqueles momentos em que se discutem e decidem etapas importantes do nosso futuro colectivo.
Empenhar-se na construção da comunidade nacional é, para os cristãos, uma forma de exprimirem a sua fidelidade cristã. Dirigimo-nos, assim, a todos os membros da Igreja em especial, mas também a toda a sociedade de que fazemos parte, no desejo de contribuir para o nosso futuro comum.
2. Aceitamos a actual situação política como um facto, ponto de partida para uma nova etapa, renunciando a comentá-la ou analisá-la, a julgar as suas causas ou os seus protagonistas. Mas estamos convencidos que os problemas que o País sente não se resumem à presente crise política; esta é, talvez e apenas, o seu efeito e um dos seus sintomas. E por isso a etapa democrática que agora começa não pode limitar-se a resolver uma crise política, mas deve enfrentar, com serenidade e lucidez, os problemas de fundo do país, apresentando para eles soluções credíveis e viáveis, a serem escolhidas pelo voto dos portugueses.
Temos assistido a um processo contínuo de sublinhar as divergências e as dificuldades, sem surgirem convergências em verdadeiros objectivos nacionais, que os partidos políticos parecem ter dificuldade em definir e propor. O progresso do País precisa do empenhamento generoso de todos, da renúncia a egoísmos pessoais ou grupais, da competência dos agentes económicos, culturais e sociais. É urgente criar uma onda de fundo de entusiasmo por Portugal, em que as legítimas diferenças se transformem em riqueza e não em obstáculo. Os meios de comunicação social, indispensáveis numa sociedade democrática, terão nesta convergência de perspectivas e neste suscitar da esperança, um papel importante. É preciso que o direito à liberdade se afirme na responsabilidade construtiva, em prol do bem comum.
3. Neste quadro, o primeiro dever dos cristãos é a participação responsável. Que ninguém se esconda por detrás de desculpas habituais: “estamos cansados dos políticos”, “isto não tem solução”, “para quê votar se é sempre a mesma coisa”, etc. Não esqueçamos que só tem direito de criticar e denunciar quem se empenha generosamente na busca de soluções. Na campanha eleitoral que se aproxima temos todos o dever de nos esclarecermos criteriosamente, passando para além do discurso eleitoralista e apreciando as soluções objectivas que nos são propostas para o Governo da Nação. Para tal, importa avaliar da sua justiça, da sua viabilidade, da sua consonância com os princípios da dignidade humana, do respeito pela vida, da dimensão social que todas as políticas devem ter. Para os cristãos, o critério de avaliação é o Evangelho e a doutrina social da Igreja.
A democracia é o quadro político da liberdade, mas também da responsabilidade. E esta só se exprimirá na busca generosa do bem comum. Não deixemos o futuro do nosso País só nas mãos dos “políticos profissionais”. Ajudemo-los com a nossa consciência crítica e com a nossa escolha responsável. A nossa convivência democrática aprofundar-se-á qualitativamente se votarmos em propostas, mais do que em partidos, motivados pela esperança objectiva que essas propostas suscitam e não tanto pela nossa tradicional simpatia partidária. Forcemos os partidos a porem o acento da sua intervenção na qualidade das propostas que nos fazem, na competência e dignidade das pessoas e não apenas nos discursos que o ambiente de campanha habitualmente inflama.
4. Para construir este discernimento responsável, é importante uma análise em grupo. As comunidades cristãs podem ser lugar para a discussão crítica das propostas que nos vão ser feitas, ajudando-nos uns aos outros naquele esclarecimento que antecede a nossa escolha, na certeza de que não há soluções perfeitas, nem definitivas. Escolhamos aquelas que suscitam mais esperança e aceitemos, depois, contribuir para a sua implementação. Votar é escolher caminhos e escolher é comprometer-se generosamente na sua concretização. E não esqueçamos, em nenhum momento, que a participação política é sempre busca da verdade, expressão do amor fraterno, escolha da honestidade e da generosidade como padrões de comportamento. E nós cristãos sabemos que passa também por aí a construção do Reino de Deus.
Fátima, 14 de Dezembro de 2004
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