Nos liberi sumus; Rex noster liber est, manus nostrae nos liberverunt... [Nós somos livres; nosso Rei é livre, nossas mãos nos libertaram...]
terça-feira, novembro 30, 2004
“O ANTI-CATOLICISMO SUBSTITUÍU O ANTI-SEMITISMO”
Numa entrevista concedida ao diário italiano Il Messagiero, o escritor Vittorio Messori denunciou que, na Europa, o anti-catolicismo substituíu o anti-semitismo, mas expressou a sua confiança de que esta “fúria anti-católica” permita aos crentes redescobrirem a sua identidade.
Devido ao caso de Rocco Buttiglione, o político italiano recusado pelo Parlamento Europeu por causa das suas convicções católicas, Messori assinalou que alguém disse que os católicos – de par com os fumadores e os caçadores – são uma das “três categorias não protegidas pelo politicamente correcto e daquelas de quem, portanto, se pode falar mal livremente”.
“Graças a Deus, o anti-semistimo acabou. Mas foi substituído, na cultura ocidental, pelo anti-catolicismo”, explicou o escritor na entrevista também publicada pela revista espanhola La Razón.
Segundo Messori, Buttiglione “passou a ser digno da incorrecção política, a dobrar. Dantes, os objectos de sarcasmo eram os negros, as mulheres, os judeus e os homossexuais. Agora, felizmente, já não se podem atacar estas categorias. Mas não percebo porque se têm de injuriar outras”.
Agora, explicou, “apesar de os muçulmanos degolarem pessoas, ninguém ousa falar mal do islamismo”. Em contrapartida, os ataques contra os católicos gozam de aplauso público, incluindo em “equivocadíssimos” filmes como “A Má Educação” ou “As Irmãs de Madalena”.
Segundo Messori, estes “são a prova do que dizíamos antes: aos católicos pode-se, ou mesmo deve-se fazer dano. Os padres retratados por Almodovar são todos, sem excepção, pederastas. As “irmãs de Madalena” – e sabe-se lá quantas mais fora do filme e dentro de colégios e conventos – são doentes terminais. E assim por diante”.
“O assunto Buttiglione insere-se , desgraçadamente, neste clima. Um clima em que ninguém roda um filme sobre um guru budista ou um imã muçulmano que abuse de menores”, acrescentou.
Razões de esperança
Neste contexto, Messori não só não lamenta, mas antes sustenta que nós, os crentes, “temos de estar contentes com esta fúria anti-católica” e considera “providenciais o anti-catolicismo da cultura ocidental e do Islão”.
“O cristianismo, e o catolicismo em particular, precisa de um antagonista para redescobrir a sua própria identidade, a sua própria força”, explicou o escritor.
Actualmente “os católicos correm o risco de converter-se em personagens banais de talk show, que debitam um bla-bla bondoso e estão dispostos a dialogar com todos, incluindo os que lhe querem cortar o pescoço. A esta espécie de pensamento débil contrapõem-se verdades fortes. E quando se dizem verdades fortes sobre os gays, ou sobre qualquer outro assunto, logo se organiza um escãndalo. O que redunda em favor dos católicos”.
“Quando a Igreja diz coisas neutras ou banais, do tipo pacifista, todos ajoelham. Mas quando João Paulo II, no seu múnus de Papa sai completamente do politicamente correcto, como foi o caso do documento do Cardeal de Ratzinger sobre as mulheres dentro da Igreja, então explode, mais ou menos disfarçado, o anticlericalismo de todos os azimutes”, afirmou Vittorio Montessori a finalizar a entrevista.
In NOVEDADES FLUVIUM, aqui apresentado através de Fernanda Leitão
Devido ao caso de Rocco Buttiglione, o político italiano recusado pelo Parlamento Europeu por causa das suas convicções católicas, Messori assinalou que alguém disse que os católicos – de par com os fumadores e os caçadores – são uma das “três categorias não protegidas pelo politicamente correcto e daquelas de quem, portanto, se pode falar mal livremente”.
“Graças a Deus, o anti-semistimo acabou. Mas foi substituído, na cultura ocidental, pelo anti-catolicismo”, explicou o escritor na entrevista também publicada pela revista espanhola La Razón.
Segundo Messori, Buttiglione “passou a ser digno da incorrecção política, a dobrar. Dantes, os objectos de sarcasmo eram os negros, as mulheres, os judeus e os homossexuais. Agora, felizmente, já não se podem atacar estas categorias. Mas não percebo porque se têm de injuriar outras”.
Agora, explicou, “apesar de os muçulmanos degolarem pessoas, ninguém ousa falar mal do islamismo”. Em contrapartida, os ataques contra os católicos gozam de aplauso público, incluindo em “equivocadíssimos” filmes como “A Má Educação” ou “As Irmãs de Madalena”.
Segundo Messori, estes “são a prova do que dizíamos antes: aos católicos pode-se, ou mesmo deve-se fazer dano. Os padres retratados por Almodovar são todos, sem excepção, pederastas. As “irmãs de Madalena” – e sabe-se lá quantas mais fora do filme e dentro de colégios e conventos – são doentes terminais. E assim por diante”.
“O assunto Buttiglione insere-se , desgraçadamente, neste clima. Um clima em que ninguém roda um filme sobre um guru budista ou um imã muçulmano que abuse de menores”, acrescentou.
Razões de esperança
Neste contexto, Messori não só não lamenta, mas antes sustenta que nós, os crentes, “temos de estar contentes com esta fúria anti-católica” e considera “providenciais o anti-catolicismo da cultura ocidental e do Islão”.
“O cristianismo, e o catolicismo em particular, precisa de um antagonista para redescobrir a sua própria identidade, a sua própria força”, explicou o escritor.
Actualmente “os católicos correm o risco de converter-se em personagens banais de talk show, que debitam um bla-bla bondoso e estão dispostos a dialogar com todos, incluindo os que lhe querem cortar o pescoço. A esta espécie de pensamento débil contrapõem-se verdades fortes. E quando se dizem verdades fortes sobre os gays, ou sobre qualquer outro assunto, logo se organiza um escãndalo. O que redunda em favor dos católicos”.
“Quando a Igreja diz coisas neutras ou banais, do tipo pacifista, todos ajoelham. Mas quando João Paulo II, no seu múnus de Papa sai completamente do politicamente correcto, como foi o caso do documento do Cardeal de Ratzinger sobre as mulheres dentro da Igreja, então explode, mais ou menos disfarçado, o anticlericalismo de todos os azimutes”, afirmou Vittorio Montessori a finalizar a entrevista.
In NOVEDADES FLUVIUM, aqui apresentado através de Fernanda Leitão
sábado, novembro 27, 2004
As razões que explicam a revitalização do personalismo
Fala o fundador da Associação Espanhola de Personalismo
MADRID, quinta-feira, 25 de novembro de 2004 (ZENIT.org).- A revitalização que atualmente experimenta a filosofia personalista não só responde à necessidade que tem desta antropologia uma sociedade multicultural e fragmentada, mas à do próprio cristianismo para apresentar sua mensagem ao mundo contemporâneo.
É a inquietude que deu origem à Associação Espanhola de Personalismo (AEP), primeira destas características na Espanha e Europa, e à celebração da I Jornada que convocou --desde uma perspectiva multidisciplinar-- sobre «Itinerários do personalismo: balanço e perspectivas de uma filosofia», na Universidade Complutense de Madri, em 26 e 27 de novembro (Cf. (www.personalismo.org).
Karol Wojtyla (João Paulo II), a filósofa judaica convertida ao catolicismo --e carmelita descalça-- Edith Stein (Santa Teresa Benedita da Cruz) ou o conhecido psiquiatra vienense Viktor Frankl se contam entre os representantes do personalismo, de cujo alcance fala nesta entrevista concedida a Zenit o fundador e presidente da AEP, Juan Manuel Burgos.
Doutor em Ciências Físicas e em Filosofia, Juan Manuel Burgos deu aulas em diversas universidades de Roma e Madri. É professor no Instituto João Paulo II e editor em Edições Palavra. Antropologia, personalismo e família foram os principais temas de seus artigos e livros publicados.
--O que é personalismo?
--Juan Manuel Burgos: O personalismo é uma corrente filosófica moderna e realista cuja tese central é que a noção de pessoa é a categoria filosófica essencial na elaboração da antropologia. O que se quer dizer com isso é que o personalismo não só fala da pessoa, que é uma característica presente em outras filosofias, mas sua arquitetura conceitual está baseada nessa noção tal e como se elaborou no século XX. Também, o personalismo concede especial relevância à afetividade, às relações interpessoais, à corporalidade, à diferenciação da pessoa, dentro de uma igualdade radical, em homem e mulher, o caráter narrativo da existência humana, o caráter doador e solidário da pessoa, sua abertura intrínseca à transcendência, etc.
--Como surge o personalismo? Está vivo hoje?
--Juan Manuel Burgos: O personalismo surge na época de entre-guerras da mão do conhecido filósofo francês Emmanuel Mounier, que morreu prematuramente em 1950.
Posteriormente enriqueceu-se e se estendeu a outros países: Itália, onde goza de muito boa saúde (Buttiglione, por exemplo, é um filósofo personalista), Polônia, onde seu principal representante é João Paulo II, pois antes de ser eleito Papa realizou um colossal trabalho como filósofo personalista, Espanha, onde podem se integrar nesta corrente autores tão conhecidos como Julián Marías, Laín Entralgo ou Zubiri.
O personalismo sofreu um forte eclipse durante o convulso período dos anos 70 e 80 pela influência negativa dos epígonos descontrolados do pós-concílio, o predomínio cultural do marxismo, a revolução sexual e, na Espanha, o convulso período da transição. Mas atualmente está-se revitalizando e cobrou um novo impulso.
--É necessário o enfoque personalista em nossos dias?
--Juan Manuel Burgos: A atual revitalização do personalismo deve-se precisamente a que muitas pessoas o valorizem como uma realidade necessária e sugestiva. Diria que, fundamentalmente, por quatro motivos. É uma filosofia interessante e com muitas potencialidades; é necessária para falar com profundidade da pessoa, um conceito socialmente assumido, mas, às vezes, só de maneira superficial; em nossa sociedade multicultural e fragmentada, apresenta-se como uma antropologia forte e integral que oferece uma visão completa e transcendente da pessoa e, por último, creio que muitos intuem que é a antropologia de que hoje necessita o cristianismo para apresentar sua mensagem ao mundo contemporâneo. Neste sentido, ao falar de personalismo, tenho a impressão de que muitos o recebem com um certo sentimento de libertação, pois se apresenta como um instrumento coerente com a doutrina da Igreja, mas desde a modernidade.
--A que âmbitos ou disciplinas pode chegar a filosofia personalista? De que maneira?
--Juan Manuel Burgos: A filosofia personalista deve aprofundar antes de tudo no terreno puramente filosófico, porque ainda não se superou completamente o eclipse dos anos 70 e 80. Mas também e, sobretudo, deve explorar e tirar partido da grande potencialidade de crescimento que possui em âmbitos como a bioética, a filosofia do direito, a economia, a filosofia da educação etc. Para consegui-lo, é necessário muito trabalho intelectual no marco de uma comunidade científica. Este justamente é um dos objetivos ao que nos propomos contribuir desde a Associação Espanhola de Personalismo, de recente criação. Estas primeiras Jornadas de reflexão científica são uma mostra disso.
--Que é preciso para que o personalismo chegue ao grande público?
--Juan Manuel Burgos: Não tenho claro que o personalismo possa chegar ao grande público em geral, pois se trata de uma filosofia. Outra questão é que suas idéias se difundam capilarmente na sociedade. Mas, sem dúvida, deve chegar aos intelectuais. Para consegui-lo, é necessário antes de tudo um importante trabalho de difusão: cursos, publicações, seminários etc. Já se está fazendo esse trabalho. Em Espanha, por exemplo, publicaram-se mais de 100 livros sobre temas personalistas nos últimos anos. Mas é necessário muito mais. Há que trabalhar, pelo menos, em duas linhas: formação do professorado para que o transmita aos alunos de bacharelado e de universidade e desenvolvimento de um trabalho científico que lhe dê cada vez mais peso e prestígio, facilitando assim sua expansão.
ZP04112520
MADRID, quinta-feira, 25 de novembro de 2004 (ZENIT.org).- A revitalização que atualmente experimenta a filosofia personalista não só responde à necessidade que tem desta antropologia uma sociedade multicultural e fragmentada, mas à do próprio cristianismo para apresentar sua mensagem ao mundo contemporâneo.
É a inquietude que deu origem à Associação Espanhola de Personalismo (AEP), primeira destas características na Espanha e Europa, e à celebração da I Jornada que convocou --desde uma perspectiva multidisciplinar-- sobre «Itinerários do personalismo: balanço e perspectivas de uma filosofia», na Universidade Complutense de Madri, em 26 e 27 de novembro (Cf. (www.personalismo.org).
Karol Wojtyla (João Paulo II), a filósofa judaica convertida ao catolicismo --e carmelita descalça-- Edith Stein (Santa Teresa Benedita da Cruz) ou o conhecido psiquiatra vienense Viktor Frankl se contam entre os representantes do personalismo, de cujo alcance fala nesta entrevista concedida a Zenit o fundador e presidente da AEP, Juan Manuel Burgos.
Doutor em Ciências Físicas e em Filosofia, Juan Manuel Burgos deu aulas em diversas universidades de Roma e Madri. É professor no Instituto João Paulo II e editor em Edições Palavra. Antropologia, personalismo e família foram os principais temas de seus artigos e livros publicados.
--O que é personalismo?
--Juan Manuel Burgos: O personalismo é uma corrente filosófica moderna e realista cuja tese central é que a noção de pessoa é a categoria filosófica essencial na elaboração da antropologia. O que se quer dizer com isso é que o personalismo não só fala da pessoa, que é uma característica presente em outras filosofias, mas sua arquitetura conceitual está baseada nessa noção tal e como se elaborou no século XX. Também, o personalismo concede especial relevância à afetividade, às relações interpessoais, à corporalidade, à diferenciação da pessoa, dentro de uma igualdade radical, em homem e mulher, o caráter narrativo da existência humana, o caráter doador e solidário da pessoa, sua abertura intrínseca à transcendência, etc.
--Como surge o personalismo? Está vivo hoje?
--Juan Manuel Burgos: O personalismo surge na época de entre-guerras da mão do conhecido filósofo francês Emmanuel Mounier, que morreu prematuramente em 1950.
Posteriormente enriqueceu-se e se estendeu a outros países: Itália, onde goza de muito boa saúde (Buttiglione, por exemplo, é um filósofo personalista), Polônia, onde seu principal representante é João Paulo II, pois antes de ser eleito Papa realizou um colossal trabalho como filósofo personalista, Espanha, onde podem se integrar nesta corrente autores tão conhecidos como Julián Marías, Laín Entralgo ou Zubiri.
O personalismo sofreu um forte eclipse durante o convulso período dos anos 70 e 80 pela influência negativa dos epígonos descontrolados do pós-concílio, o predomínio cultural do marxismo, a revolução sexual e, na Espanha, o convulso período da transição. Mas atualmente está-se revitalizando e cobrou um novo impulso.
--É necessário o enfoque personalista em nossos dias?
--Juan Manuel Burgos: A atual revitalização do personalismo deve-se precisamente a que muitas pessoas o valorizem como uma realidade necessária e sugestiva. Diria que, fundamentalmente, por quatro motivos. É uma filosofia interessante e com muitas potencialidades; é necessária para falar com profundidade da pessoa, um conceito socialmente assumido, mas, às vezes, só de maneira superficial; em nossa sociedade multicultural e fragmentada, apresenta-se como uma antropologia forte e integral que oferece uma visão completa e transcendente da pessoa e, por último, creio que muitos intuem que é a antropologia de que hoje necessita o cristianismo para apresentar sua mensagem ao mundo contemporâneo. Neste sentido, ao falar de personalismo, tenho a impressão de que muitos o recebem com um certo sentimento de libertação, pois se apresenta como um instrumento coerente com a doutrina da Igreja, mas desde a modernidade.
--A que âmbitos ou disciplinas pode chegar a filosofia personalista? De que maneira?
--Juan Manuel Burgos: A filosofia personalista deve aprofundar antes de tudo no terreno puramente filosófico, porque ainda não se superou completamente o eclipse dos anos 70 e 80. Mas também e, sobretudo, deve explorar e tirar partido da grande potencialidade de crescimento que possui em âmbitos como a bioética, a filosofia do direito, a economia, a filosofia da educação etc. Para consegui-lo, é necessário muito trabalho intelectual no marco de uma comunidade científica. Este justamente é um dos objetivos ao que nos propomos contribuir desde a Associação Espanhola de Personalismo, de recente criação. Estas primeiras Jornadas de reflexão científica são uma mostra disso.
--Que é preciso para que o personalismo chegue ao grande público?
--Juan Manuel Burgos: Não tenho claro que o personalismo possa chegar ao grande público em geral, pois se trata de uma filosofia. Outra questão é que suas idéias se difundam capilarmente na sociedade. Mas, sem dúvida, deve chegar aos intelectuais. Para consegui-lo, é necessário antes de tudo um importante trabalho de difusão: cursos, publicações, seminários etc. Já se está fazendo esse trabalho. Em Espanha, por exemplo, publicaram-se mais de 100 livros sobre temas personalistas nos últimos anos. Mas é necessário muito mais. Há que trabalhar, pelo menos, em duas linhas: formação do professorado para que o transmita aos alunos de bacharelado e de universidade e desenvolvimento de um trabalho científico que lhe dê cada vez mais peso e prestígio, facilitando assim sua expansão.
ZP04112520
sexta-feira, novembro 19, 2004
Equívocos geográficos
por Nuno Pombo
O chefe da república a que nos condenaram não prima, como é sabido, pelo entusiasmo das suas orações. Pelo menos quando proferidas em língua portuguesa. Tendo herdado alguma da verborreia dos próceres da primeira república, associa por vezes aos seus ímpetos, sempre confrangedores e desconcertantes, esdrúxulas meditações. Não me aborrece apenas o estilo, preocupa-me antes o alcance das suas reflexões, a última das quais relativa aos sentimentos que nutre pela Europa.
Não causa qualquer estranheza o facto de nos afirmarmos europeus. Somo-lo por direito próprio e acidente geográfico. Reiterar, e com abundância, esta ideia é tão descabido quanto sustentar repetidamente que Azeitão é em Portugal. Portanto, sempre me suscitaram reservas quantos enchem a boca com evidências que, por isso mesmo, dispensam demonstração. As minhas suspeitas ou objecções em relação a essas pessoas fundam-se no natural juízo que faço delas: ou vivem mergulhadas nas doces águas da profunda ignorância ou pretendem atrair a nossa adesão racional a postulados que, de outra maneira, peremptoriamente rechaçaríamos.
O dr. Sampaio todavia não se limita a lembrar que Portugal não se acha noutro continente, proclama o seu amor pela Europa, o que é legítimo, e confidencia que por ser europeu se sente mais português. O que podia ser uma impressiva anástrofe ou um equívoco geográfico, bem pode representar uma enviesada inversão de sentimentos que, num chefe de Estado, é preocupante.
A inevitável, e em boa medida desejável, integração europeia, para além das benfazejas utilidades que nos oferece, e são várias, deve concitar as nossas energias para a defesa da nossa identidade enquanto Estado independente e soberano. Alguém um dia escreveu que a nossa identidade jamais estará em perigo. O que pode estar em causa, isso sim, é a nossa independência. Daí que os monárquicos procurem demonstrar que a chefia real do Estado melhor serve esses propósitos, sobretudo por emprestar uma fisionomia à ideia de Nação. Esta circunstância não depende sequer do inquilino de Belém, por ser da essência da Instituição Real e da alternativa republicana. Os nossos Reis, do primeiro ao último, traçaram e defenderam as nossas fronteiras, conquistaram a nossa independência e construíram nossa identidade, bens demasiado preciosos para serem desbaratados por uma república decadente alimentada por um servilismo indigente.
fonte: Diário Digital , 16 de Novembro de 2004
O chefe da república a que nos condenaram não prima, como é sabido, pelo entusiasmo das suas orações. Pelo menos quando proferidas em língua portuguesa. Tendo herdado alguma da verborreia dos próceres da primeira república, associa por vezes aos seus ímpetos, sempre confrangedores e desconcertantes, esdrúxulas meditações. Não me aborrece apenas o estilo, preocupa-me antes o alcance das suas reflexões, a última das quais relativa aos sentimentos que nutre pela Europa.
Não causa qualquer estranheza o facto de nos afirmarmos europeus. Somo-lo por direito próprio e acidente geográfico. Reiterar, e com abundância, esta ideia é tão descabido quanto sustentar repetidamente que Azeitão é em Portugal. Portanto, sempre me suscitaram reservas quantos enchem a boca com evidências que, por isso mesmo, dispensam demonstração. As minhas suspeitas ou objecções em relação a essas pessoas fundam-se no natural juízo que faço delas: ou vivem mergulhadas nas doces águas da profunda ignorância ou pretendem atrair a nossa adesão racional a postulados que, de outra maneira, peremptoriamente rechaçaríamos.
O dr. Sampaio todavia não se limita a lembrar que Portugal não se acha noutro continente, proclama o seu amor pela Europa, o que é legítimo, e confidencia que por ser europeu se sente mais português. O que podia ser uma impressiva anástrofe ou um equívoco geográfico, bem pode representar uma enviesada inversão de sentimentos que, num chefe de Estado, é preocupante.
A inevitável, e em boa medida desejável, integração europeia, para além das benfazejas utilidades que nos oferece, e são várias, deve concitar as nossas energias para a defesa da nossa identidade enquanto Estado independente e soberano. Alguém um dia escreveu que a nossa identidade jamais estará em perigo. O que pode estar em causa, isso sim, é a nossa independência. Daí que os monárquicos procurem demonstrar que a chefia real do Estado melhor serve esses propósitos, sobretudo por emprestar uma fisionomia à ideia de Nação. Esta circunstância não depende sequer do inquilino de Belém, por ser da essência da Instituição Real e da alternativa republicana. Os nossos Reis, do primeiro ao último, traçaram e defenderam as nossas fronteiras, conquistaram a nossa independência e construíram nossa identidade, bens demasiado preciosos para serem desbaratados por uma república decadente alimentada por um servilismo indigente.
fonte: Diário Digital , 16 de Novembro de 2004
quinta-feira, novembro 11, 2004
NA ESTRADA DE JERICÓ
CARTA DO CANADÁ
por Fernanda Leitão
Foi nos anos 60, não me lembro exactamente do ano. Aquela manhã de 10 de Junho, feriado nacional desde que me conheço, veio esplendorosa de sol, de céu azul, daquela luz embriagadora que só Lisboa dá.
Trabalhava então numa agência noticiosa estrangeira e foi-me distribuído em agenda ir à cerimónia oficial no Terreiro do Paço, com as tropas em parada, as bandeiras ao vento, as condecorações aos heróis da guerra que então decorria em África, depois de perdida a India. A imprensa estrangeira representada em Lisboa caía ali em peso, as máquinas fotográficas e de filmar num frenesim, porque cada qual a seu modo tinha a noção de estar a registar as últimas glórias dum império de 500 anos, porque todos aqueles correspondentes estrangeiros queriam ver, ao vivo, as lágrimas que Salazar não conseguia reprimir quando condecorava viúvas, órfãos ou pais do que tinham tombado no conflito. A sede de sangue e espectáculo vem de longe e é de sempre.
Terminado o trabalho, passei pela agência para emitir um telegrama breve, de rotina, como de costume nos anos anteriores. Mas, naquele dia, ao entrar na vasta sala de redacção onde apenas um velho contínuo cabeceava a ler o jornal, pois era feriado de imprensa obrigatório, ouvi as campaínhas do telex a tocar ininterruptamente, numa estridência de mau agoiro. Fui ver o que era. A máquina vomitava telegramas alarmados. O Egipto estava a ser bombardeado por Israel. Era a Guerra dos Seis Dias.
Por muito obrigatório que seja um feriado, ao jornalista, ao padre, ao médico, ao bombeiro, isso pouco ou nada garante de repouso. Porque há profissões de 24 horas sobre 24, se for necessário. Sentei-me em frente do telex transmissor, pedi ao contínuo que me fosse dando os telegramas e que localizasse a chefia para mandar reforços. Mas com aquele Junho quentinho e a praia a dois passos, fiquei de castigo até à noite.
No meio de uma montanha de telegramas, comentários, noticias alargadas, deparei com uma descrição pitoresca de um chefe de guerrilha, feroz opositor de Israel, que tinha sido obrigado a fugir. Tinha sido visto a cavalo num burro na estrada de Jericó. Chamava-se Yasser Arafat. Começava ali a sua clandestinidade, o futuro bombardeamnto do Líbano, a anexação por Israel da parte de leão do estado palestiniano. Começava naquela quase picaresca fuga um dos conflitos mais perigosos do mundo actual, sem dúvida aquele que mais facilmente pode enredar o mundo numa guerra generalizada. E, sem dúvida, o mais controverso pela desigualdade de meios militares em presença, pelo lançamento do povo palestiniano na miséria, pelo facto incontornável de a administração americana dar anualmente ao estado de Israel 20 biliões de dólares.
Não creio que a paz esteja perto depois da morte de Arafat. Há quem se congratule pela morte do terrorista-mor, mas o regozijo torna-se risível quando pensamos que quem o sente usou a arma do terror para impor a sua noção de país, foi também terrorista quando lhe pareceu não haver outro meio. Penso em Ben Gurion, em Sharon, em vários outros. Penso na Mossad, a célebre polícia política israelita, tantas vezes envolvida em casos sujos fora das suas fronteiras.
Também não creio que haja pessoas totalmente más ou totalmente boas. Apesar de islâmico e homem de guerrilha, Arafat respeitava o Cristianismo, tinha bom relacionamento com os cristãos locais, frequentava mesmo as cerimónias de Natal no rito católico. E, deiam-lhe as voltas que quiserem, não foi ele quem mandou bombardear a Igreja da Natividade, em Jerusalém, nem conventos, nem outras igrejas. Mel Gibson diria que Arafat nem sequer descendia dos que mataram Cristo. Oriana Falacci diria que sou uma besta. Mas nós somos tão diferentes! Ela aceita o aborto como bom e eu não, ela não é crente e eu sou. Ela é uma vedeta do jornalismo internacional, eu sou uma pobre jornalista reformada ao canto do mundo e ao canto da vida.
O Papa cultivou o entendimento com os islâmicos, porque era um entendimento possível, realista. É que uma coisa é ser islâmico, muito outra é ser fundamentalista. O recado ficou dado a todos nós. Assim sejamos capazes de perceber a diferença. A Paz vale bem esse esforço.
por Fernanda Leitão
Foi nos anos 60, não me lembro exactamente do ano. Aquela manhã de 10 de Junho, feriado nacional desde que me conheço, veio esplendorosa de sol, de céu azul, daquela luz embriagadora que só Lisboa dá.
Trabalhava então numa agência noticiosa estrangeira e foi-me distribuído em agenda ir à cerimónia oficial no Terreiro do Paço, com as tropas em parada, as bandeiras ao vento, as condecorações aos heróis da guerra que então decorria em África, depois de perdida a India. A imprensa estrangeira representada em Lisboa caía ali em peso, as máquinas fotográficas e de filmar num frenesim, porque cada qual a seu modo tinha a noção de estar a registar as últimas glórias dum império de 500 anos, porque todos aqueles correspondentes estrangeiros queriam ver, ao vivo, as lágrimas que Salazar não conseguia reprimir quando condecorava viúvas, órfãos ou pais do que tinham tombado no conflito. A sede de sangue e espectáculo vem de longe e é de sempre.
Terminado o trabalho, passei pela agência para emitir um telegrama breve, de rotina, como de costume nos anos anteriores. Mas, naquele dia, ao entrar na vasta sala de redacção onde apenas um velho contínuo cabeceava a ler o jornal, pois era feriado de imprensa obrigatório, ouvi as campaínhas do telex a tocar ininterruptamente, numa estridência de mau agoiro. Fui ver o que era. A máquina vomitava telegramas alarmados. O Egipto estava a ser bombardeado por Israel. Era a Guerra dos Seis Dias.
Por muito obrigatório que seja um feriado, ao jornalista, ao padre, ao médico, ao bombeiro, isso pouco ou nada garante de repouso. Porque há profissões de 24 horas sobre 24, se for necessário. Sentei-me em frente do telex transmissor, pedi ao contínuo que me fosse dando os telegramas e que localizasse a chefia para mandar reforços. Mas com aquele Junho quentinho e a praia a dois passos, fiquei de castigo até à noite.
No meio de uma montanha de telegramas, comentários, noticias alargadas, deparei com uma descrição pitoresca de um chefe de guerrilha, feroz opositor de Israel, que tinha sido obrigado a fugir. Tinha sido visto a cavalo num burro na estrada de Jericó. Chamava-se Yasser Arafat. Começava ali a sua clandestinidade, o futuro bombardeamnto do Líbano, a anexação por Israel da parte de leão do estado palestiniano. Começava naquela quase picaresca fuga um dos conflitos mais perigosos do mundo actual, sem dúvida aquele que mais facilmente pode enredar o mundo numa guerra generalizada. E, sem dúvida, o mais controverso pela desigualdade de meios militares em presença, pelo lançamento do povo palestiniano na miséria, pelo facto incontornável de a administração americana dar anualmente ao estado de Israel 20 biliões de dólares.
Não creio que a paz esteja perto depois da morte de Arafat. Há quem se congratule pela morte do terrorista-mor, mas o regozijo torna-se risível quando pensamos que quem o sente usou a arma do terror para impor a sua noção de país, foi também terrorista quando lhe pareceu não haver outro meio. Penso em Ben Gurion, em Sharon, em vários outros. Penso na Mossad, a célebre polícia política israelita, tantas vezes envolvida em casos sujos fora das suas fronteiras.
Também não creio que haja pessoas totalmente más ou totalmente boas. Apesar de islâmico e homem de guerrilha, Arafat respeitava o Cristianismo, tinha bom relacionamento com os cristãos locais, frequentava mesmo as cerimónias de Natal no rito católico. E, deiam-lhe as voltas que quiserem, não foi ele quem mandou bombardear a Igreja da Natividade, em Jerusalém, nem conventos, nem outras igrejas. Mel Gibson diria que Arafat nem sequer descendia dos que mataram Cristo. Oriana Falacci diria que sou uma besta. Mas nós somos tão diferentes! Ela aceita o aborto como bom e eu não, ela não é crente e eu sou. Ela é uma vedeta do jornalismo internacional, eu sou uma pobre jornalista reformada ao canto do mundo e ao canto da vida.
O Papa cultivou o entendimento com os islâmicos, porque era um entendimento possível, realista. É que uma coisa é ser islâmico, muito outra é ser fundamentalista. O recado ficou dado a todos nós. Assim sejamos capazes de perceber a diferença. A Paz vale bem esse esforço.
quarta-feira, novembro 10, 2004
Projeto sem precedentes para catalogar a documentação sobre a Inquisição
CIDADE DO VATICANO, terça-feira, 9 de novembro de 2004 - A Santa Sé anunciou esta terça-feira que empreenderá um projeto de catalogação de documentação sobre a Inquisição sem precedentes na história da arquivística.
No projeto, segundo revelou um comunicado do porta-voz do Vaticano, Joaquín Navarro Valls, participa também o Governo italiano e a Universidade de Trieste, com estudos especializados no tema.
Na tarde desta terça-feira, segundo o anúncio, o arcebispo Angelo Amato, secretário da Congregação para a Doutrina da Fé; Maurizio Fallace, diretor-geral para os Arquivos do Ministério de Bens e Atividades Culturais da Itália; e o professor Andréa Del Col, diretor do Centro de Pesquisa sobre a Inquisição da Universidade dos Estudos de Trieste (Itália), firmaram o acordo que dá início à iniciativa.
«Esse projeto abarca não só a documentação relativa à Inquisição romana, conservada nos arquivos eclesiásticos, estatais e privados, também de nas bibliotecas italianas e estrangeiras, mas também a documentação da Inquisição espanhola em território italiano e a das autoridades seculares que instruíram processos de heresia, bruxaria e outros delitos contra a fé», afirma o diretor do Departamento de Informação da Santa Sé.
«Uma operação de tal amplitude, que jamais se havia tentado até a data, é de grande importância para responder às novas orientações da pesquisa internacional sobre o controle das idéias religiosas na Europa medieval e moderna», acrescenta o comunicado do Vaticano.
O objetivo é «facilitar a disponibilidade de um grande patrimônio de documentação ainda hoje pouco conhecida e dispersa em múltiplas sedes», acrescenta o anúncio.
«A catalogação, levada a cabo segundo critérios elaborados de comum acordo e com os meios informáticos mais avançados, não só se propõe a salvaguarda destes bens culturais, únicos em seu gênero, mas permitirá aprofundar os conhecimentos em muitos setores da pesquisa, desde a história das doutrinas religiosas à da ciência, das culturas populares à santidade espontânea, da censura aos sistemas de controle social entre a Idade Média e a Idade Moderna», informa Navarro-Valls.
Recentemente a Biblioteca Apostólica Vaticana publicou o livro «A Inquisição», no qual se recolhem as atas do simpósio internacional convocado pelo Vaticano entre 29 e 31 de outubro de 1998, no qual se reuniram alguns dos historiadores de máximo prestígio internacional na matéria, de diferentes correntes e religiões.
No livro, de 788 páginas, foram apresentadas novas descobertas sobre alguns dos capítulos destes tribunais. O volume já é base para a realização de novas teses de doutoramento sobre a Inquisição.
Segundo se pode comprovar no livro, o Papa Gregório XI foi o primeiro a instituir comissários («inquisitores»), delegados da Sé Apostólica com a tarefa de combater a heresia em determinadas regiões. Com o tempo o papado criou tribunais estáveis até que se aboliu o último destas características, em Espanha, em 1834.
fonte: www.zenit.org
No projeto, segundo revelou um comunicado do porta-voz do Vaticano, Joaquín Navarro Valls, participa também o Governo italiano e a Universidade de Trieste, com estudos especializados no tema.
Na tarde desta terça-feira, segundo o anúncio, o arcebispo Angelo Amato, secretário da Congregação para a Doutrina da Fé; Maurizio Fallace, diretor-geral para os Arquivos do Ministério de Bens e Atividades Culturais da Itália; e o professor Andréa Del Col, diretor do Centro de Pesquisa sobre a Inquisição da Universidade dos Estudos de Trieste (Itália), firmaram o acordo que dá início à iniciativa.
«Esse projeto abarca não só a documentação relativa à Inquisição romana, conservada nos arquivos eclesiásticos, estatais e privados, também de nas bibliotecas italianas e estrangeiras, mas também a documentação da Inquisição espanhola em território italiano e a das autoridades seculares que instruíram processos de heresia, bruxaria e outros delitos contra a fé», afirma o diretor do Departamento de Informação da Santa Sé.
«Uma operação de tal amplitude, que jamais se havia tentado até a data, é de grande importância para responder às novas orientações da pesquisa internacional sobre o controle das idéias religiosas na Europa medieval e moderna», acrescenta o comunicado do Vaticano.
O objetivo é «facilitar a disponibilidade de um grande patrimônio de documentação ainda hoje pouco conhecida e dispersa em múltiplas sedes», acrescenta o anúncio.
«A catalogação, levada a cabo segundo critérios elaborados de comum acordo e com os meios informáticos mais avançados, não só se propõe a salvaguarda destes bens culturais, únicos em seu gênero, mas permitirá aprofundar os conhecimentos em muitos setores da pesquisa, desde a história das doutrinas religiosas à da ciência, das culturas populares à santidade espontânea, da censura aos sistemas de controle social entre a Idade Média e a Idade Moderna», informa Navarro-Valls.
Recentemente a Biblioteca Apostólica Vaticana publicou o livro «A Inquisição», no qual se recolhem as atas do simpósio internacional convocado pelo Vaticano entre 29 e 31 de outubro de 1998, no qual se reuniram alguns dos historiadores de máximo prestígio internacional na matéria, de diferentes correntes e religiões.
No livro, de 788 páginas, foram apresentadas novas descobertas sobre alguns dos capítulos destes tribunais. O volume já é base para a realização de novas teses de doutoramento sobre a Inquisição.
Segundo se pode comprovar no livro, o Papa Gregório XI foi o primeiro a instituir comissários («inquisitores»), delegados da Sé Apostólica com a tarefa de combater a heresia em determinadas regiões. Com o tempo o papado criou tribunais estáveis até que se aboliu o último destas características, em Espanha, em 1834.
fonte: www.zenit.org
terça-feira, novembro 09, 2004
Apresentação dos «FILHOS DE RAMIRES»
por Teresa Maria Martins de Carvalho
Alteza Real [Dom Duarte de Bragança].
Minhas senhoras e meus senhores.
Hoje é um dia histórico, embora não tenha nada a ver com o 25 de Outubro, data em que comemoramos a tomada de Lisboa aos mouros. Já passou o dia. Também não tem nada a ver com o primeiro de Novembro, o terramoto de Lisboa, data lembrada há dois dias. Muito menos tem a ver com o primeiro de Dezembro, dia em que se festeja a restauração da Independência de Portugal. Ainda não chegou.
Não é uma efeméride, portanto, mas tem a ver com a História. A tão esperada publicação do livro Filhos de Ramires, sobre as origens do Integralismo Lusitano, tese de mestrado do Prof. José Manuel Alves Quintas, historiador, é um marco importante na história contemporânea de Portugal, não só porque vem ocupar um espaço estranhamente vago na historiografia nacional dessa época, onde teria cabido assinalar cabalmente essas origens, mas também porque é um serviço à História reposicionar estes acontecimentos, propositadamente esquecidos ou deturpados.
Pior talvez do que lhe calar a existência, esse manto de silêncio que pesava sobre o Integralismo, era a oposição a reconhecer qualquer valor português às suas teses, fixadas comodamente numa vulgar e desonesta cópia do modelo da Action française que começava a desenvolver-se com especial força e presença na cena política francesa, para grande espanto dos seus contraditores e inimigos.
Por ter sido acusado de não ter sido um pensamento original mas uma mal disfarçada cópia, com pinceladas portuguesas, das teses de Maurras, não tinha, por isso, direito a qualquer papel de relevo na vida portuguesa e na história dos movimentos políticos do princípio do século XX.
A reposição da originalidade do pensamento integralista e da recusa dos seus mentores em aceitar semelhanças com a Action française, embora lhe admirassem a força com que se impunha e crescia, era uma lacuna histórica que este livro veio, finalmente, colmatar. Do mesmo modo, afirmar o que o Integralismo sofreu com o Estado Novo que lhe roubou conceitos e práticas, deturpando-os, falsificando-os e agregando-os a si, como novidades de actividade política e agravando assim a calúnia de uma filiação que nunca existiu, também terá de ser afirmado, com todo o peso dos factos. Ainda não neste livro. Virá depois...
Não obstante, a publicação, nos anos 40, do livro Integralismo Lusitano de autoria do integralista da segunda geração, Leão Ramos Ascenção, análise do movimento correcta mas breve, com pouca informação para os historiadores interessados na época, como a tese do Dr. Miguel Esteves Cardoso, subsequente ao doutoramento na Universidade de Manchester, ou ainda o estudo de Mendo Castro Henriques, Mª Nazaré Barros,
Luís Bernardo e José António Cunha, apresentado por ocasião do Prémio instituído pela família de Luís de Almeida Braga, quando do centenário do seu nascimento, não eram, no entanto, suficientes para dar ao Integralismo Lusitano a visibilidade histórica que necessitava para ser inserido no pensamento político português, sem despertar quesílias e acusações. O livro de Carlos Ferrão não liberta nada. É uma narrativa capciosa.
O historiador Doutor João Medina, apoiando-se no auto de apreensão e posterior destruição dos exemplares do livro Amar e Servir, de Hipólito Raposo, auto que tinha encontrado perdido no chão, numa visita que fizera à sede da Pide, na rua António Maria Cardoso, aberta e saqueada quando do 25 de Abril, contou, no «Diário Popular», a prisão do escritor e o seu exílio, por delito de opinião. De facto, o prefácio desse livro era uma profunda e demolidora crítica à Ditadura.
O mesmo historiador reeditou, num opúsculo intitulado O Pelicano e a Seara, os dois números da Revista «Homens Livres», empreendimento efémero, cozinhado entre os integralistas e a gente da «Seara Nova». José Pequito Rebelo, uma tarde, levou a minha casa a publicação de Medina para ma mostrar. Nela o historiador chamava-lhe «mineral ultramontano». José Pequito Rebelo ria-se muito. Já tinha ultrapassado os noventa anos e, portanto, era difícil ofendê-lo. Tirava daí apenas algo de divertido e curioso.
- Sabes - disse-me ele - já não pertenço à História. Pertenço à Geografia!
A «vox populi» tinha outros argumentos, formados a partir de formulações supostamente conhecedoras. A leitura recente do 2º volume da História Crítica das Aparições de Fátima, porporcionou-me o texto de uma carta de uma testemunha importante dos acontecimentos e nela se queixava de dispor de pouco dinheiro. Não era rica como os integralistas, filhos de latifundiários alentejanos que podiam fazer o que queriam.
Recentemente, no romance de Agustina Bessa Luís em que na personagem principal alguém vê o retrato de Oliveira Salazar, uma referência aos integralistas resume-se no seu combate contra a maçonaria. Nada mais.
Retratados assim rapidamente em memórias curtas, dispersas, balançando entre o elogio e a má língua, era necessário que alguém se encarregasse da análise e da crítica histórica do movimento, fazendo esse favor não só aos historiadores, ajudando-os no seu labor de estabelecer factos e de os libertar do anedotário e do pó, mas também oferecer ao público em geral e aos curiosos da história e do pensamento político, um minucioso trabalho de investigação, um trabalho de referência, imprescindível e sério, de leitura agradável.
Teria de ser um trabalho de fundo para restabeecer o Integralismo Lusitano nas suas raízes portuguesas e a sua visão política, que pretendia restituir aos portugueses a sua prática política original e livre. Que os integralistas não eram propriamente amigos da maçonaria, era verdade, mas não eram só isso, nem eram só uns meninos ricos (eram novos, decerto, todos dentro da casa dos vinte anos!), filhos de lavradores alentejanos, cheios de dinheiro para desperdiçar.
De facto, José Pequito Rebelo e Alberto de Monsaraz pertenciam a famílias com fortuna. Alberto de Monsaraz até gastou com a política muito da herança paterna mas António Sardinha, apesar de alentejano não era rico e, quando casou, era funcionário público. Hipólito Raposo pagara o seu curso de direito com trabalho próprio e as magras economias da família. Não era rico. Nem era especialmente abonado Luís de Almeida Braga, de exílio para exílio.
Entre episódicos elogios ou lendas de caricatura, assim seguia a opinião pública, satisfeita com o diagnóstico que lhe tinham preparado os donos da opinião. A História é escrita pelos vencedores, diz-se. Era angustiante esta conspiração desfiguradora e silenciadora. Era necessário quebrá-la.
Lembro-me - e peço desculpa por citar mais uma lembrança própria mas é para isso que aqui estou - durante uma sessão sobre o Integralismo Lusitano, organizada pelo Centro Nacional de Cultura, o Dr. Francisco de Sousa Tavares apontou, fragorosamente, o falhanço aos integralistas por não terem elaborado um sistema do seu pensamento. A tentação de um esquema político que, pensado muito racionalmente, pudesse arrumar o país de uma vez por todas, é tentação de todos os socialismos, ditaduras e liberais iluminados. Não foi esse o pensamento do Integralismo Lusitano.
Estava presente, nessa sessão, José Pequito Rebelo que lembrou ao orador e à assembleia que o pensamento integralista não pretendia ser um sistema fechado, muito bem organizado, mas era fruto de uma atitude que considerava, em primeiro lugar, o povo português e a sua história, hoje e ontem, e depois, naturalmente, indicava algumas bases para, sobre elas, se edificar o projecto de uma representação política adequada, próxima das pessoas, a sua primeira preocupação. Nem ideologia coerciva, nem rasteiras liberais mas a democracia orgânica que desse a cada um a força do voto consciente e realmente participante.
O municipalismo. A grande batalha dos integralistas, apostados em devolver às comunidades o poder e a representação que tinham possuído. Nem nomeações pelo Governo, nem indicações por partidos. A Câmara pertence aos cidadãos. São eles que a devem escolher, sem subordinação total aos partidos. É um poder que lhes pertence por direito histórico.
A ameaça do surgimento de caciques regionais ou de uma desagregação do país é evitada pela instituição da Monarquia, evidentemente. Um poder absoluto (não tenho medo da palavra: ela tem o seu sentido próprio), independente, livre, acima de facções e partidos, inquestionável, com a sua herança histórica a legitimá-lo, investido pelo sentimento popular, pela confiança em que ele traz a união e a paz. A Família Real é o sinal vivo da permanência da nação.
Uma Câmara Corporativa (Meu Deus! Que palavra maldita! Impronunciável!) que elevará ao cimo do poder as associações, agremiações, universidades, sindicatos, Ordens, Misericórdias, clubes de futebol, Igrejas, enfim tudo aquilo que representa o que a hoje se chama, cautelosamente, «corpos intermédios».
E os partidos? É conhecida a aversão dos integralistas ao parlamentarismo. Será insuperável? Dizem que os partidos serão boas escolas de formação de governantes... Serão? Têm dias... Mas terão o seu lugar na cena política.
Aquilo que os integralistas não gostavam era do sufrágio universal, ou seja, do voto individual não classificado. Mas, como sistema aberto ao espaço e ao tempo, tudo poderá ser revisto na óptica pragmática do que é pessoal ou forçadamente comunitário de qualquer cor.
A importância privilegiada que o Integralismo dedicava à Igreja Católica não só diz da fé cristã que os animava e lhes dava serena humildade, mas também que lhes evitava ideologizarem as suas próprias ideias, de as confinarem, de as empedernizarem porque não eram o mais importante - apesar de serem «a nossa alma» como escrevia António Sardinha, tal como vem indicado neste livro.
É preciso ter em conta, também, que nesse tempo em que a Igreja era expoliada e perseguida, as Ordens expulsas, os crentes molestados, ser pela Igreja, reconhecer o seu papel importante na transmissão de valores, era um gesto rebelde, a contra-corrente do laicismo que alastrava, gesto corajoso, lógico, necessário... E o amor a Portugal, às suas coisas, à cultura, ao património. Era preciso que alguém viesse testemunhar isto tudo.
É curiosa a capa escolhida para esta obra. Nela se mostra o primeiro grupo organizado do Integralismo Lusitano, a Junta Central, fotografia reconstituindo propositadamente a célebre fotografia dos Vencidos da Vida. Os Filhos de Ramires aceitam o repto de se enxertarem na vontade de «... reaportuguesar Portugal» como diria Afonso Lopes Vieira, colocado pela vida entre as duas gerações.
Marcaram o movimento de 70 as conferências do Casino. Do mesmo modo os integralistas abriram a sua época com as conferências da Liga Naval. A contraposição é evidente e, em vez de se estar já a pensar numa apropriação indevida, mais vale assinalar, inserindo-se no mesmo desgosto pela «apagada e vil tristeza» do país, a forte vontade de inaugurar, com a bênção de Ramalho, um desafio de esperança.
Com essa esperança se entusiasmou, depois, a geração da revista «Cidade Nova» que, com dificuldades de todo o género, manteve, na cena portuguesa, a herança do Integralismo, afeiçoada por tempos novos.
Era preciso este livro.
Diz-nos o seu autor que deve ao Dr. Mário Saraiva, por variadas circunstâncias, o seu encontro com os Mestres integralistas, esses homens de carácter que escreviam num excelente português...
Despojado de ideologia, através deles se lhe deparou um campo aberto, espectacular, à investigação histórica e à reposição da justiça. Assim, queremos aqui associar à memória de Mário Saraiva uma lembrança agradecida.
Também aqui queremos saudar o Prof. Doutor Fernando Rosas que, vindo de horizontes diferentes, aconselhou, como bom docente, o seu mestrando para dar ao Integralismo Lusitano, tão pouco estudado, o tratamento histórico de que necessitava, com as suas dificuldades e descobertas.
Ao editor, Dr. Vasco da Silva, da Nova Ática, sucessora da antiga Ática que conheci e que me deu Fernando Pessoa e Sebastião da Gama, distingo-o aqui pela coragem de fazer sair esta obra, tão ao arrepio do «politicamente correcto», essa vaga dominante e anónima de conformismo barato, que tantas vezes paralisa e confunde os gestos de liberdade.
Hoje é um dia histórico. Aqui estamos todos para o testemunhar e para pedir ao Dr. José Manuel Alves Quintas que não desista do seu doutoramento em História Portuguesa e nos dê o completamento desta preciosa investigação.
Entretanto, por este excelente primeiro trabalho, os nossos parabéns.
Lisboa, 3 de Novembro de 2004
Teresa Maria Martins de Carvalho
Alteza Real [Dom Duarte de Bragança].
Minhas senhoras e meus senhores.
Hoje é um dia histórico, embora não tenha nada a ver com o 25 de Outubro, data em que comemoramos a tomada de Lisboa aos mouros. Já passou o dia. Também não tem nada a ver com o primeiro de Novembro, o terramoto de Lisboa, data lembrada há dois dias. Muito menos tem a ver com o primeiro de Dezembro, dia em que se festeja a restauração da Independência de Portugal. Ainda não chegou.
Não é uma efeméride, portanto, mas tem a ver com a História. A tão esperada publicação do livro Filhos de Ramires, sobre as origens do Integralismo Lusitano, tese de mestrado do Prof. José Manuel Alves Quintas, historiador, é um marco importante na história contemporânea de Portugal, não só porque vem ocupar um espaço estranhamente vago na historiografia nacional dessa época, onde teria cabido assinalar cabalmente essas origens, mas também porque é um serviço à História reposicionar estes acontecimentos, propositadamente esquecidos ou deturpados.
Pior talvez do que lhe calar a existência, esse manto de silêncio que pesava sobre o Integralismo, era a oposição a reconhecer qualquer valor português às suas teses, fixadas comodamente numa vulgar e desonesta cópia do modelo da Action française que começava a desenvolver-se com especial força e presença na cena política francesa, para grande espanto dos seus contraditores e inimigos.
Por ter sido acusado de não ter sido um pensamento original mas uma mal disfarçada cópia, com pinceladas portuguesas, das teses de Maurras, não tinha, por isso, direito a qualquer papel de relevo na vida portuguesa e na história dos movimentos políticos do princípio do século XX.
A reposição da originalidade do pensamento integralista e da recusa dos seus mentores em aceitar semelhanças com a Action française, embora lhe admirassem a força com que se impunha e crescia, era uma lacuna histórica que este livro veio, finalmente, colmatar. Do mesmo modo, afirmar o que o Integralismo sofreu com o Estado Novo que lhe roubou conceitos e práticas, deturpando-os, falsificando-os e agregando-os a si, como novidades de actividade política e agravando assim a calúnia de uma filiação que nunca existiu, também terá de ser afirmado, com todo o peso dos factos. Ainda não neste livro. Virá depois...
Não obstante, a publicação, nos anos 40, do livro Integralismo Lusitano de autoria do integralista da segunda geração, Leão Ramos Ascenção, análise do movimento correcta mas breve, com pouca informação para os historiadores interessados na época, como a tese do Dr. Miguel Esteves Cardoso, subsequente ao doutoramento na Universidade de Manchester, ou ainda o estudo de Mendo Castro Henriques, Mª Nazaré Barros,
Luís Bernardo e José António Cunha, apresentado por ocasião do Prémio instituído pela família de Luís de Almeida Braga, quando do centenário do seu nascimento, não eram, no entanto, suficientes para dar ao Integralismo Lusitano a visibilidade histórica que necessitava para ser inserido no pensamento político português, sem despertar quesílias e acusações. O livro de Carlos Ferrão não liberta nada. É uma narrativa capciosa.
O historiador Doutor João Medina, apoiando-se no auto de apreensão e posterior destruição dos exemplares do livro Amar e Servir, de Hipólito Raposo, auto que tinha encontrado perdido no chão, numa visita que fizera à sede da Pide, na rua António Maria Cardoso, aberta e saqueada quando do 25 de Abril, contou, no «Diário Popular», a prisão do escritor e o seu exílio, por delito de opinião. De facto, o prefácio desse livro era uma profunda e demolidora crítica à Ditadura.
O mesmo historiador reeditou, num opúsculo intitulado O Pelicano e a Seara, os dois números da Revista «Homens Livres», empreendimento efémero, cozinhado entre os integralistas e a gente da «Seara Nova». José Pequito Rebelo, uma tarde, levou a minha casa a publicação de Medina para ma mostrar. Nela o historiador chamava-lhe «mineral ultramontano». José Pequito Rebelo ria-se muito. Já tinha ultrapassado os noventa anos e, portanto, era difícil ofendê-lo. Tirava daí apenas algo de divertido e curioso.
- Sabes - disse-me ele - já não pertenço à História. Pertenço à Geografia!
A «vox populi» tinha outros argumentos, formados a partir de formulações supostamente conhecedoras. A leitura recente do 2º volume da História Crítica das Aparições de Fátima, porporcionou-me o texto de uma carta de uma testemunha importante dos acontecimentos e nela se queixava de dispor de pouco dinheiro. Não era rica como os integralistas, filhos de latifundiários alentejanos que podiam fazer o que queriam.
Recentemente, no romance de Agustina Bessa Luís em que na personagem principal alguém vê o retrato de Oliveira Salazar, uma referência aos integralistas resume-se no seu combate contra a maçonaria. Nada mais.
Retratados assim rapidamente em memórias curtas, dispersas, balançando entre o elogio e a má língua, era necessário que alguém se encarregasse da análise e da crítica histórica do movimento, fazendo esse favor não só aos historiadores, ajudando-os no seu labor de estabelecer factos e de os libertar do anedotário e do pó, mas também oferecer ao público em geral e aos curiosos da história e do pensamento político, um minucioso trabalho de investigação, um trabalho de referência, imprescindível e sério, de leitura agradável.
Teria de ser um trabalho de fundo para restabeecer o Integralismo Lusitano nas suas raízes portuguesas e a sua visão política, que pretendia restituir aos portugueses a sua prática política original e livre. Que os integralistas não eram propriamente amigos da maçonaria, era verdade, mas não eram só isso, nem eram só uns meninos ricos (eram novos, decerto, todos dentro da casa dos vinte anos!), filhos de lavradores alentejanos, cheios de dinheiro para desperdiçar.
De facto, José Pequito Rebelo e Alberto de Monsaraz pertenciam a famílias com fortuna. Alberto de Monsaraz até gastou com a política muito da herança paterna mas António Sardinha, apesar de alentejano não era rico e, quando casou, era funcionário público. Hipólito Raposo pagara o seu curso de direito com trabalho próprio e as magras economias da família. Não era rico. Nem era especialmente abonado Luís de Almeida Braga, de exílio para exílio.
Entre episódicos elogios ou lendas de caricatura, assim seguia a opinião pública, satisfeita com o diagnóstico que lhe tinham preparado os donos da opinião. A História é escrita pelos vencedores, diz-se. Era angustiante esta conspiração desfiguradora e silenciadora. Era necessário quebrá-la.
Lembro-me - e peço desculpa por citar mais uma lembrança própria mas é para isso que aqui estou - durante uma sessão sobre o Integralismo Lusitano, organizada pelo Centro Nacional de Cultura, o Dr. Francisco de Sousa Tavares apontou, fragorosamente, o falhanço aos integralistas por não terem elaborado um sistema do seu pensamento. A tentação de um esquema político que, pensado muito racionalmente, pudesse arrumar o país de uma vez por todas, é tentação de todos os socialismos, ditaduras e liberais iluminados. Não foi esse o pensamento do Integralismo Lusitano.
Estava presente, nessa sessão, José Pequito Rebelo que lembrou ao orador e à assembleia que o pensamento integralista não pretendia ser um sistema fechado, muito bem organizado, mas era fruto de uma atitude que considerava, em primeiro lugar, o povo português e a sua história, hoje e ontem, e depois, naturalmente, indicava algumas bases para, sobre elas, se edificar o projecto de uma representação política adequada, próxima das pessoas, a sua primeira preocupação. Nem ideologia coerciva, nem rasteiras liberais mas a democracia orgânica que desse a cada um a força do voto consciente e realmente participante.
O municipalismo. A grande batalha dos integralistas, apostados em devolver às comunidades o poder e a representação que tinham possuído. Nem nomeações pelo Governo, nem indicações por partidos. A Câmara pertence aos cidadãos. São eles que a devem escolher, sem subordinação total aos partidos. É um poder que lhes pertence por direito histórico.
A ameaça do surgimento de caciques regionais ou de uma desagregação do país é evitada pela instituição da Monarquia, evidentemente. Um poder absoluto (não tenho medo da palavra: ela tem o seu sentido próprio), independente, livre, acima de facções e partidos, inquestionável, com a sua herança histórica a legitimá-lo, investido pelo sentimento popular, pela confiança em que ele traz a união e a paz. A Família Real é o sinal vivo da permanência da nação.
Uma Câmara Corporativa (Meu Deus! Que palavra maldita! Impronunciável!) que elevará ao cimo do poder as associações, agremiações, universidades, sindicatos, Ordens, Misericórdias, clubes de futebol, Igrejas, enfim tudo aquilo que representa o que a hoje se chama, cautelosamente, «corpos intermédios».
E os partidos? É conhecida a aversão dos integralistas ao parlamentarismo. Será insuperável? Dizem que os partidos serão boas escolas de formação de governantes... Serão? Têm dias... Mas terão o seu lugar na cena política.
Aquilo que os integralistas não gostavam era do sufrágio universal, ou seja, do voto individual não classificado. Mas, como sistema aberto ao espaço e ao tempo, tudo poderá ser revisto na óptica pragmática do que é pessoal ou forçadamente comunitário de qualquer cor.
A importância privilegiada que o Integralismo dedicava à Igreja Católica não só diz da fé cristã que os animava e lhes dava serena humildade, mas também que lhes evitava ideologizarem as suas próprias ideias, de as confinarem, de as empedernizarem porque não eram o mais importante - apesar de serem «a nossa alma» como escrevia António Sardinha, tal como vem indicado neste livro.
É preciso ter em conta, também, que nesse tempo em que a Igreja era expoliada e perseguida, as Ordens expulsas, os crentes molestados, ser pela Igreja, reconhecer o seu papel importante na transmissão de valores, era um gesto rebelde, a contra-corrente do laicismo que alastrava, gesto corajoso, lógico, necessário... E o amor a Portugal, às suas coisas, à cultura, ao património. Era preciso que alguém viesse testemunhar isto tudo.
É curiosa a capa escolhida para esta obra. Nela se mostra o primeiro grupo organizado do Integralismo Lusitano, a Junta Central, fotografia reconstituindo propositadamente a célebre fotografia dos Vencidos da Vida. Os Filhos de Ramires aceitam o repto de se enxertarem na vontade de «... reaportuguesar Portugal» como diria Afonso Lopes Vieira, colocado pela vida entre as duas gerações.
Marcaram o movimento de 70 as conferências do Casino. Do mesmo modo os integralistas abriram a sua época com as conferências da Liga Naval. A contraposição é evidente e, em vez de se estar já a pensar numa apropriação indevida, mais vale assinalar, inserindo-se no mesmo desgosto pela «apagada e vil tristeza» do país, a forte vontade de inaugurar, com a bênção de Ramalho, um desafio de esperança.
Com essa esperança se entusiasmou, depois, a geração da revista «Cidade Nova» que, com dificuldades de todo o género, manteve, na cena portuguesa, a herança do Integralismo, afeiçoada por tempos novos.
Era preciso este livro.
Diz-nos o seu autor que deve ao Dr. Mário Saraiva, por variadas circunstâncias, o seu encontro com os Mestres integralistas, esses homens de carácter que escreviam num excelente português...
Despojado de ideologia, através deles se lhe deparou um campo aberto, espectacular, à investigação histórica e à reposição da justiça. Assim, queremos aqui associar à memória de Mário Saraiva uma lembrança agradecida.
Também aqui queremos saudar o Prof. Doutor Fernando Rosas que, vindo de horizontes diferentes, aconselhou, como bom docente, o seu mestrando para dar ao Integralismo Lusitano, tão pouco estudado, o tratamento histórico de que necessitava, com as suas dificuldades e descobertas.
Ao editor, Dr. Vasco da Silva, da Nova Ática, sucessora da antiga Ática que conheci e que me deu Fernando Pessoa e Sebastião da Gama, distingo-o aqui pela coragem de fazer sair esta obra, tão ao arrepio do «politicamente correcto», essa vaga dominante e anónima de conformismo barato, que tantas vezes paralisa e confunde os gestos de liberdade.
Hoje é um dia histórico. Aqui estamos todos para o testemunhar e para pedir ao Dr. José Manuel Alves Quintas que não desista do seu doutoramento em História Portuguesa e nos dê o completamento desta preciosa investigação.
Entretanto, por este excelente primeiro trabalho, os nossos parabéns.
Lisboa, 3 de Novembro de 2004
Teresa Maria Martins de Carvalho
«A antropologia cristã, fundamento histórico dos direitos humanos»
Entrevista com o teólogo Juan Luis Lorda, autor de «Antropologia Cristã»
ROMA, segunda-feira, 8 de novembro de 2004- A antropologia cristã constitui a base histórica que inspirou e fundamentou os direitos humanos. Explica isso o teólogo Juan Luis Lorda em «Antropologia cristã. Do Concílio Vaticano II a João Paulo II» (Edições Palavra).
Lorda (Pamplona, 1955) é engenheiro industrial e doutor em teologia. Ensina desde 1983 na Universidade de Navarra e é autor de «Para ser cristão» ou «A arte de viver», traduzidos a diversas línguas.
Nesta entrevista concedida a Zenit, expõe a contribuição de João Paulo II a uma maior compreensão da antropologia cristã.
--Como se renovou a antropologia cristã desde o Concílio Vaticano até agora?
--Lorda: O mais importante foi a interpretação e desenvolvimento que João Paulo II fez do Concílio e, sobretudo, de «Gaudium et Spes». Esta constituição é um dos pilares do Concílio e João Paulo II colaborou diretamente em sua redação. Depois, fez-lhe um profundo comentário ao longo de todo seu pontificado.
Hoje, a todo o mundo soa o famoso número 22 de «Gaudium et Spes»: «Cristo revela o que é o homem ao próprio homem». Mas, antes de João Paulo II, não era famoso. Pode-se comprovar em muitos comentários da época, que nem sequer o mencionam.
Há outros filósofos e teólogos que influíram muito na antropologia cristã, porque foi uma época muito rica. Mas a síntese doutrinal dos princípios se deve a João Paulo II.
--Também Edith Stein, a carmelita assassinada pelos nazistas e canonizada por João Paulo II, ofereceu uma contribuição importante à antropologia. Que intuiu a patrona da Europa?
--Lorda: A figura de Edith Stein é interessantíssima e creio que ocupará um lugar cada vez maior no pensamento cristão. Por sua origem, é uma intelectual judaica. Por sua formação, pertence à primeira escola da fenomenologia, com importantes estudos.
Após sua conversão, tenta estabelecer relações entre esta corrente filosófica e São Tomás de Aquino. Morre sendo carmelita em um campo de concentração, em meio à tremenda tragédia do holocausto.
É difícil encontrar personagens de tanta densidade humana. A fenomenologia, sobretudo a praticada pelo grupo de Edith Stein (Von Reinach, Max Scheler, Conrad-Martius, Von Hildebrand) é uma das correntes mais fecundas e claras da filosofia, especialmente para entender a interioridade humana. Em Edith Stein, como depois em João Paulo II, entronca com a tradição cristã. E isto é muito importante.
Não há que esquecer que, para aqueles co-discípulos e para ela mesma, o encontro com essa corrente filosófica a liberou de discriminações e a pôs à escuta da verdade. Foi o primeiro passo de sua conversão.
É o gênero de filosofia e de antropologia de que hoje necessitamos: que abra à verdade, descubra a interioridade humana e conecte com a fé cristã. Também é o gênero de filosofia de que necessitamos em nossas faculdades.
--Qual é a contribuição de Karol Wojtyla à antropologia cristã?
--Lorda: Ainda é difícil julgar a influência de Karol Wojtyla na teologia católica, porque nos falta perspectiva. De todas as formas, minha impressão, depois de havê-lo estudado durante anos, é que se trata de uma influência gigantesca, especialmente na fundamentação antropológica da moral: a doutrina sobre a sexualidade, o amor conjugal, a procriação e a dignidade da vida humana.
Creio que se pode dizer honradamente que melhorou sensivelmente o ensinamento teológico em todos estes temas. E se reflete claramente no Catecismo da Igreja Católica. Há um antes e um depois.
--Por que a antropologia cristã é um dos pontos fortes da evangelização?
--Lorda: Porque descobre como é o homem e quais são suas aspirações mais profundas. O centro da evangelização cristã é Deus: levar o homem moderno a descobrir que Deus nos ama porque é Pai nosso. Esse é o centro da mensagem de Jesus Cristo.
Mas esse caminho se facilita quando uma pessoa descobre como é e que suas aspirações mais profundas se dirigem a Deus. A Igreja tem uma sabedoria sobre o homem, um humanismo cristão, que é um tesouro cultural de primeira ordem: porque dá sentido à vida, leva a viver dignamente e faz os homens felizes. É uma luz maravilhosa no mundo.
Muitos de nossos contemporâneos, quando pensam em si mesmos, crêem que são o fruto cego das forças materiais, um protozoário evoluído por casualidade. Nós sabemos que somos filhos de Deus, que temos um Pai que nos quer, que somos irmãos e nos espera um destino de amor, do qual já podemos viver.
Entendemos o sentido da inteligência e da liberdade, do amor e da família. Isto é beleza. O outro é escuridão e degradação. Dizia Dostoievsky: «só a beleza salvará o mundo».
--A antropologia cristã é um bom fundamento para os direitos humanos, como assinala dom Fernando Sebastián, arcebispo de Pamplona, no prólogo de seu livro?
--Lorda: Poder-se-ia dizer inclusive que a antropologia cristã é o fundamento histórico dos direitos humanos.
Porque os que contribuíram para formar essa doutrina, ainda que em algum caso haviam perdido a fé, tinham a matriz cultural cristã. Acreditavam que nós, homens, somos livres e responsáveis por nossos atos; que somos iguais; que somos pessoas e que temos uma dignidade inalienável. Tudo isto vem da fé cristã.
Se se pensa que o homem é fruto cego da evolução da matéria, um protozoário evoluído por casualidade, como dizia antes, não lhe sai este resultado: não pode deduzir que somos livres e responsáveis; não pode deduzir que somos iguais; e não pode deduzir que somos pessoas nem que temos uma dignidade inalienável.
De fato, o materialismo científico está destruindo a cultura jurídica e moral da Modernidade. Estamos em pleno ataque à vida humana, nas questões bioéticas.
Estão-se fazendo embriões para usos terapêuticos, porque pensam que o embrião --que é um ser humano-- é só um pacote de células sem dignidade, como um cultivo celular qualquer.
fonte: www.zenit.org
ROMA, segunda-feira, 8 de novembro de 2004- A antropologia cristã constitui a base histórica que inspirou e fundamentou os direitos humanos. Explica isso o teólogo Juan Luis Lorda em «Antropologia cristã. Do Concílio Vaticano II a João Paulo II» (Edições Palavra).
Lorda (Pamplona, 1955) é engenheiro industrial e doutor em teologia. Ensina desde 1983 na Universidade de Navarra e é autor de «Para ser cristão» ou «A arte de viver», traduzidos a diversas línguas.
Nesta entrevista concedida a Zenit, expõe a contribuição de João Paulo II a uma maior compreensão da antropologia cristã.
--Como se renovou a antropologia cristã desde o Concílio Vaticano até agora?
--Lorda: O mais importante foi a interpretação e desenvolvimento que João Paulo II fez do Concílio e, sobretudo, de «Gaudium et Spes». Esta constituição é um dos pilares do Concílio e João Paulo II colaborou diretamente em sua redação. Depois, fez-lhe um profundo comentário ao longo de todo seu pontificado.
Hoje, a todo o mundo soa o famoso número 22 de «Gaudium et Spes»: «Cristo revela o que é o homem ao próprio homem». Mas, antes de João Paulo II, não era famoso. Pode-se comprovar em muitos comentários da época, que nem sequer o mencionam.
Há outros filósofos e teólogos que influíram muito na antropologia cristã, porque foi uma época muito rica. Mas a síntese doutrinal dos princípios se deve a João Paulo II.
--Também Edith Stein, a carmelita assassinada pelos nazistas e canonizada por João Paulo II, ofereceu uma contribuição importante à antropologia. Que intuiu a patrona da Europa?
--Lorda: A figura de Edith Stein é interessantíssima e creio que ocupará um lugar cada vez maior no pensamento cristão. Por sua origem, é uma intelectual judaica. Por sua formação, pertence à primeira escola da fenomenologia, com importantes estudos.
Após sua conversão, tenta estabelecer relações entre esta corrente filosófica e São Tomás de Aquino. Morre sendo carmelita em um campo de concentração, em meio à tremenda tragédia do holocausto.
É difícil encontrar personagens de tanta densidade humana. A fenomenologia, sobretudo a praticada pelo grupo de Edith Stein (Von Reinach, Max Scheler, Conrad-Martius, Von Hildebrand) é uma das correntes mais fecundas e claras da filosofia, especialmente para entender a interioridade humana. Em Edith Stein, como depois em João Paulo II, entronca com a tradição cristã. E isto é muito importante.
Não há que esquecer que, para aqueles co-discípulos e para ela mesma, o encontro com essa corrente filosófica a liberou de discriminações e a pôs à escuta da verdade. Foi o primeiro passo de sua conversão.
É o gênero de filosofia e de antropologia de que hoje necessitamos: que abra à verdade, descubra a interioridade humana e conecte com a fé cristã. Também é o gênero de filosofia de que necessitamos em nossas faculdades.
--Qual é a contribuição de Karol Wojtyla à antropologia cristã?
--Lorda: Ainda é difícil julgar a influência de Karol Wojtyla na teologia católica, porque nos falta perspectiva. De todas as formas, minha impressão, depois de havê-lo estudado durante anos, é que se trata de uma influência gigantesca, especialmente na fundamentação antropológica da moral: a doutrina sobre a sexualidade, o amor conjugal, a procriação e a dignidade da vida humana.
Creio que se pode dizer honradamente que melhorou sensivelmente o ensinamento teológico em todos estes temas. E se reflete claramente no Catecismo da Igreja Católica. Há um antes e um depois.
--Por que a antropologia cristã é um dos pontos fortes da evangelização?
--Lorda: Porque descobre como é o homem e quais são suas aspirações mais profundas. O centro da evangelização cristã é Deus: levar o homem moderno a descobrir que Deus nos ama porque é Pai nosso. Esse é o centro da mensagem de Jesus Cristo.
Mas esse caminho se facilita quando uma pessoa descobre como é e que suas aspirações mais profundas se dirigem a Deus. A Igreja tem uma sabedoria sobre o homem, um humanismo cristão, que é um tesouro cultural de primeira ordem: porque dá sentido à vida, leva a viver dignamente e faz os homens felizes. É uma luz maravilhosa no mundo.
Muitos de nossos contemporâneos, quando pensam em si mesmos, crêem que são o fruto cego das forças materiais, um protozoário evoluído por casualidade. Nós sabemos que somos filhos de Deus, que temos um Pai que nos quer, que somos irmãos e nos espera um destino de amor, do qual já podemos viver.
Entendemos o sentido da inteligência e da liberdade, do amor e da família. Isto é beleza. O outro é escuridão e degradação. Dizia Dostoievsky: «só a beleza salvará o mundo».
--A antropologia cristã é um bom fundamento para os direitos humanos, como assinala dom Fernando Sebastián, arcebispo de Pamplona, no prólogo de seu livro?
--Lorda: Poder-se-ia dizer inclusive que a antropologia cristã é o fundamento histórico dos direitos humanos.
Porque os que contribuíram para formar essa doutrina, ainda que em algum caso haviam perdido a fé, tinham a matriz cultural cristã. Acreditavam que nós, homens, somos livres e responsáveis por nossos atos; que somos iguais; que somos pessoas e que temos uma dignidade inalienável. Tudo isto vem da fé cristã.
Se se pensa que o homem é fruto cego da evolução da matéria, um protozoário evoluído por casualidade, como dizia antes, não lhe sai este resultado: não pode deduzir que somos livres e responsáveis; não pode deduzir que somos iguais; e não pode deduzir que somos pessoas nem que temos uma dignidade inalienável.
De fato, o materialismo científico está destruindo a cultura jurídica e moral da Modernidade. Estamos em pleno ataque à vida humana, nas questões bioéticas.
Estão-se fazendo embriões para usos terapêuticos, porque pensam que o embrião --que é um ser humano-- é só um pacote de células sem dignidade, como um cultivo celular qualquer.
fonte: www.zenit.org
quarta-feira, novembro 03, 2004
João Paulo II comenta o «Hino dos redimidos» do Apocalipse
«Canto de amor a Cristo em seu mistério pascal»
CIDADE DO VATICANO, quarta-feira, 3 de novembro de 2004 (ZENIT.org).- Publicamos a intervenção de João Paulo II sobre o cântico tomado dos capítulos quarto e quinto do Apocalipse, «Hino dos redimidos».
És digno, Senhor, Deus nosso,
de receber a glória, a honra e o poder,
porque tu criaste o universo;
porque por tua vontade o que não existia foi criado.
És digno de tomar o livro e abrir os selos,
porque foste degolado
e com teu sangue adquiriste para Deus
homens de toda raça, língua, povo e nação;
e fizeste deles para nosso Deus um reino de sacerdotes,
e eles reinam sobre a terra.
Digno é o Cordeiro degolado
de receber o poder, a riqueza, a sabedoria,
a força, a honra, a glória e o louvor.
1. O cântico que acabamos de propor imprime na Liturgia das Vésperas a simplicidade e intensidade de um louvor comunitário. Pertence à solene visão de abertura do Apocalipse, que apresenta uma espécie de liturgia celestial à qual também nós, peregrinos na terra, associamo-nos durante nossas celebrações eclesiais.
O hino, composto por alguns versículos tomados do Apocalipse, e unificados para o uso litúrgico, baseia-se em dois elementos fundamentais. O primeiro, esboçado brevemente, é a celebração da obra do Senhor: «Tu criaste o universo; porque por tua vontade o que não existia foi criado» (4,11). A criação revela, de fato, a imensa potência de Deus. Como diz o livro da Sabedoria, «da grandeza e formosura das criaturas se chega, por analogia, a contemplar o seu autor» (13, 5). Do mesmo modo, o apóstolo Paulo observa: «Porque o invisível de Deus, desde a criação do mundo, deixa-se ver à inteligência através de suas obras» (Romanos 1, 20). Por este motivo, é um dever elevar o cântico de louvor ao Criador para celebrar sua glória.
2. Neste contexto, pode ser interessante recordar que o imperador Domiciano, sob cujo governo foi composto o Apocalipse, fazia-se chamar com o título de «Dominus et deus noster» (Cf. Suetonio, «Domiciano», XIII). Obviamente os cristãos se opunham a dirigir semelhantes títulos a uma criatura humana, por mais potente que fosse, e só dedicavam suas aclamações de adoração ao verdadeiro «Senhor e Deus nosso», criador do universo (Cf. Apocalipse 4, 11) e aquele que é, com Deus, «o primeiro e o último» (Cf. 1, 17), e está sentado com Deus, seu Pai, sobre o trono celestial (Cf. 3, 21). Cristo, morto e ressuscitado, simbolicamente representado nesta ocasião como um Cordeiro erguido apesar de ter sido «degolado» (5,6).
3. Este é precisamente o segundo elemento amplamente desenvolvido pelo hino que estamos comentando: Cristo, Cordeiro imolado. Os quatro seres vivos e os vinte e quatro anciãos o aclamam com um canto que começa com esta louvação: «És digno de tomar o livro e abrir seus selos, porque foste degolado» (5,9).
No centro do louvor está, portanto, Cristo, com sua obra histórica de redenção. Por este motivo, é capaz de decifrar o sentido da história: abre os «selos» (ibidem) do livro secreto que contém o projeto querido por Deus.
4. Pois não é só uma obra de interpretação, mas também um ato de cumprimento e libertação. Dado que foi «degolado», pôde «adquirir» (ibidem) com seu sangue os homens de toda origem.
O verbo grego utilizado não faz explicitamente referência à história do Êxodo, na qual nunca se fala de «adquirir» israelenses, na continuação da frase contém uma alusão evidente à famosa promessa feita por Deus a Israel no Sinai: «sereis para mim um reino de sacerdotes e uma nação santa» (Êxodo 19, 6).
5. Agora esta promessa se fez realidade: o Cordeiro constituiu para Deus «um reino de Sacerdotes, e eles reinam sobre a terra» (Apocalipse 5, 10), e este reino está aberto a toda a humanidade, chamada a formar a comunidade dos filhos de Deus, como recordará São Pedro: «vós sois linhagem eleita, sacerdócio real, nação santa, povo adquirido, para anunciar os louvores d’Aquele que vos chamou das trevas para sua admirável luz» (I Pedro 2, 9).
O Concílio Vaticano II faz referência explícita a estes textos da Primeira Carta de Pedro e do livro do Apocalipse, quando, ao apresentar o «sacerdócio comum», que pertence a todos os fiéis, ilustra as modalidades com as quais estes o exercem: «os fiéis, em virtude do sacerdócio real, participam na oblação da eucaristia, na oração e ação de graças, com o testemunho de uma vida santa, com a abnegação e caridade operante» (Lumen Gentium).
6. O hino do livro do Apocalipse que hoje meditamos conclui com uma aclamação final gritada por «miríades e miríades, milhares e milhares» de anjos (Cf. Apocalipse 5, 11). Refere-se ao «Cordeiro degolado», ao que se lhe atribui a mesma glória de Deus Pai, pois «digno é» «de receber o poder, a riqueza, a sabedoria, a força» (5, 12). É o elemento da contemplação pura, do louvor gozoso, do canto de amor a Cristo em seu mistério pascal.
Esta luminosa imagem da glória celestial é antecipada na liturgia da Igreja. De fato, como recorda o Catecismo da Igreja Católica, a liturgia é «Ação» do «Cristo total» («Christus totus»). Quem aqui a celebra, vive já, em certo sentido, mais além dos sinais, na liturgia celeste, onde a celebração é inteiramente comunhão e festa. Nesta Liturgia eterna o Espírito e a Igreja nos fazem participar quando celebramos o Mistério da salvação nos sacramentos (Cf. número 1136 e 1139).
[Tradução do original italiano realizada por Zenit]
fonte: www.zenit.org
CIDADE DO VATICANO, quarta-feira, 3 de novembro de 2004 (ZENIT.org).- Publicamos a intervenção de João Paulo II sobre o cântico tomado dos capítulos quarto e quinto do Apocalipse, «Hino dos redimidos».
És digno, Senhor, Deus nosso,
de receber a glória, a honra e o poder,
porque tu criaste o universo;
porque por tua vontade o que não existia foi criado.
És digno de tomar o livro e abrir os selos,
porque foste degolado
e com teu sangue adquiriste para Deus
homens de toda raça, língua, povo e nação;
e fizeste deles para nosso Deus um reino de sacerdotes,
e eles reinam sobre a terra.
Digno é o Cordeiro degolado
de receber o poder, a riqueza, a sabedoria,
a força, a honra, a glória e o louvor.
1. O cântico que acabamos de propor imprime na Liturgia das Vésperas a simplicidade e intensidade de um louvor comunitário. Pertence à solene visão de abertura do Apocalipse, que apresenta uma espécie de liturgia celestial à qual também nós, peregrinos na terra, associamo-nos durante nossas celebrações eclesiais.
O hino, composto por alguns versículos tomados do Apocalipse, e unificados para o uso litúrgico, baseia-se em dois elementos fundamentais. O primeiro, esboçado brevemente, é a celebração da obra do Senhor: «Tu criaste o universo; porque por tua vontade o que não existia foi criado» (4,11). A criação revela, de fato, a imensa potência de Deus. Como diz o livro da Sabedoria, «da grandeza e formosura das criaturas se chega, por analogia, a contemplar o seu autor» (13, 5). Do mesmo modo, o apóstolo Paulo observa: «Porque o invisível de Deus, desde a criação do mundo, deixa-se ver à inteligência através de suas obras» (Romanos 1, 20). Por este motivo, é um dever elevar o cântico de louvor ao Criador para celebrar sua glória.
2. Neste contexto, pode ser interessante recordar que o imperador Domiciano, sob cujo governo foi composto o Apocalipse, fazia-se chamar com o título de «Dominus et deus noster» (Cf. Suetonio, «Domiciano», XIII). Obviamente os cristãos se opunham a dirigir semelhantes títulos a uma criatura humana, por mais potente que fosse, e só dedicavam suas aclamações de adoração ao verdadeiro «Senhor e Deus nosso», criador do universo (Cf. Apocalipse 4, 11) e aquele que é, com Deus, «o primeiro e o último» (Cf. 1, 17), e está sentado com Deus, seu Pai, sobre o trono celestial (Cf. 3, 21). Cristo, morto e ressuscitado, simbolicamente representado nesta ocasião como um Cordeiro erguido apesar de ter sido «degolado» (5,6).
3. Este é precisamente o segundo elemento amplamente desenvolvido pelo hino que estamos comentando: Cristo, Cordeiro imolado. Os quatro seres vivos e os vinte e quatro anciãos o aclamam com um canto que começa com esta louvação: «És digno de tomar o livro e abrir seus selos, porque foste degolado» (5,9).
No centro do louvor está, portanto, Cristo, com sua obra histórica de redenção. Por este motivo, é capaz de decifrar o sentido da história: abre os «selos» (ibidem) do livro secreto que contém o projeto querido por Deus.
4. Pois não é só uma obra de interpretação, mas também um ato de cumprimento e libertação. Dado que foi «degolado», pôde «adquirir» (ibidem) com seu sangue os homens de toda origem.
O verbo grego utilizado não faz explicitamente referência à história do Êxodo, na qual nunca se fala de «adquirir» israelenses, na continuação da frase contém uma alusão evidente à famosa promessa feita por Deus a Israel no Sinai: «sereis para mim um reino de sacerdotes e uma nação santa» (Êxodo 19, 6).
5. Agora esta promessa se fez realidade: o Cordeiro constituiu para Deus «um reino de Sacerdotes, e eles reinam sobre a terra» (Apocalipse 5, 10), e este reino está aberto a toda a humanidade, chamada a formar a comunidade dos filhos de Deus, como recordará São Pedro: «vós sois linhagem eleita, sacerdócio real, nação santa, povo adquirido, para anunciar os louvores d’Aquele que vos chamou das trevas para sua admirável luz» (I Pedro 2, 9).
O Concílio Vaticano II faz referência explícita a estes textos da Primeira Carta de Pedro e do livro do Apocalipse, quando, ao apresentar o «sacerdócio comum», que pertence a todos os fiéis, ilustra as modalidades com as quais estes o exercem: «os fiéis, em virtude do sacerdócio real, participam na oblação da eucaristia, na oração e ação de graças, com o testemunho de uma vida santa, com a abnegação e caridade operante» (Lumen Gentium).
6. O hino do livro do Apocalipse que hoje meditamos conclui com uma aclamação final gritada por «miríades e miríades, milhares e milhares» de anjos (Cf. Apocalipse 5, 11). Refere-se ao «Cordeiro degolado», ao que se lhe atribui a mesma glória de Deus Pai, pois «digno é» «de receber o poder, a riqueza, a sabedoria, a força» (5, 12). É o elemento da contemplação pura, do louvor gozoso, do canto de amor a Cristo em seu mistério pascal.
Esta luminosa imagem da glória celestial é antecipada na liturgia da Igreja. De fato, como recorda o Catecismo da Igreja Católica, a liturgia é «Ação» do «Cristo total» («Christus totus»). Quem aqui a celebra, vive já, em certo sentido, mais além dos sinais, na liturgia celeste, onde a celebração é inteiramente comunhão e festa. Nesta Liturgia eterna o Espírito e a Igreja nos fazem participar quando celebramos o Mistério da salvação nos sacramentos (Cf. número 1136 e 1139).
[Tradução do original italiano realizada por Zenit]
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