por Nuno Pombo
O chefe da república a que nos condenaram não prima, como é sabido, pelo entusiasmo das suas orações. Pelo menos quando proferidas em língua portuguesa. Tendo herdado alguma da verborreia dos próceres da primeira república, associa por vezes aos seus ímpetos, sempre confrangedores e desconcertantes, esdrúxulas meditações. Não me aborrece apenas o estilo, preocupa-me antes o alcance das suas reflexões, a última das quais relativa aos sentimentos que nutre pela Europa.
Não causa qualquer estranheza o facto de nos afirmarmos europeus. Somo-lo por direito próprio e acidente geográfico. Reiterar, e com abundância, esta ideia é tão descabido quanto sustentar repetidamente que Azeitão é em Portugal. Portanto, sempre me suscitaram reservas quantos enchem a boca com evidências que, por isso mesmo, dispensam demonstração. As minhas suspeitas ou objecções em relação a essas pessoas fundam-se no natural juízo que faço delas: ou vivem mergulhadas nas doces águas da profunda ignorância ou pretendem atrair a nossa adesão racional a postulados que, de outra maneira, peremptoriamente rechaçaríamos.
O dr. Sampaio todavia não se limita a lembrar que Portugal não se acha noutro continente, proclama o seu amor pela Europa, o que é legítimo, e confidencia que por ser europeu se sente mais português. O que podia ser uma impressiva anástrofe ou um equívoco geográfico, bem pode representar uma enviesada inversão de sentimentos que, num chefe de Estado, é preocupante.
A inevitável, e em boa medida desejável, integração europeia, para além das benfazejas utilidades que nos oferece, e são várias, deve concitar as nossas energias para a defesa da nossa identidade enquanto Estado independente e soberano. Alguém um dia escreveu que a nossa identidade jamais estará em perigo. O que pode estar em causa, isso sim, é a nossa independência. Daí que os monárquicos procurem demonstrar que a chefia real do Estado melhor serve esses propósitos, sobretudo por emprestar uma fisionomia à ideia de Nação. Esta circunstância não depende sequer do inquilino de Belém, por ser da essência da Instituição Real e da alternativa republicana. Os nossos Reis, do primeiro ao último, traçaram e defenderam as nossas fronteiras, conquistaram a nossa independência e construíram nossa identidade, bens demasiado preciosos para serem desbaratados por uma república decadente alimentada por um servilismo indigente.
fonte: Diário Digital , 16 de Novembro de 2004
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