sábado, novembro 27, 2004

As razões que explicam a revitalização do personalismo

Fala o fundador da Associação Espanhola de Personalismo

MADRID, quinta-feira, 25 de novembro de 2004 (ZENIT.org).- A revitalização que atualmente experimenta a filosofia personalista não só responde à necessidade que tem desta antropologia uma sociedade multicultural e fragmentada, mas à do próprio cristianismo para apresentar sua mensagem ao mundo contemporâneo.

É a inquietude que deu origem à Associação Espanhola de Personalismo (AEP), primeira destas características na Espanha e Europa, e à celebração da I Jornada que convocou --desde uma perspectiva multidisciplinar-- sobre «Itinerários do personalismo: balanço e perspectivas de uma filosofia», na Universidade Complutense de Madri, em 26 e 27 de novembro (Cf. (www.personalismo.org).

Karol Wojtyla (João Paulo II), a filósofa judaica convertida ao catolicismo --e carmelita descalça-- Edith Stein (Santa Teresa Benedita da Cruz) ou o conhecido psiquiatra vienense Viktor Frankl se contam entre os representantes do personalismo, de cujo alcance fala nesta entrevista concedida a Zenit o fundador e presidente da AEP, Juan Manuel Burgos.

Doutor em Ciências Físicas e em Filosofia, Juan Manuel Burgos deu aulas em diversas universidades de Roma e Madri. É professor no Instituto João Paulo II e editor em Edições Palavra. Antropologia, personalismo e família foram os principais temas de seus artigos e livros publicados.

--O que é personalismo?

--Juan Manuel Burgos: O personalismo é uma corrente filosófica moderna e realista cuja tese central é que a noção de pessoa é a categoria filosófica essencial na elaboração da antropologia. O que se quer dizer com isso é que o personalismo não só fala da pessoa, que é uma característica presente em outras filosofias, mas sua arquitetura conceitual está baseada nessa noção tal e como se elaborou no século XX. Também, o personalismo concede especial relevância à afetividade, às relações interpessoais, à corporalidade, à diferenciação da pessoa, dentro de uma igualdade radical, em homem e mulher, o caráter narrativo da existência humana, o caráter doador e solidário da pessoa, sua abertura intrínseca à transcendência, etc.

--Como surge o personalismo? Está vivo hoje?

--Juan Manuel Burgos: O personalismo surge na época de entre-guerras da mão do conhecido filósofo francês Emmanuel Mounier, que morreu prematuramente em 1950.

Posteriormente enriqueceu-se e se estendeu a outros países: Itália, onde goza de muito boa saúde (Buttiglione, por exemplo, é um filósofo personalista), Polônia, onde seu principal representante é João Paulo II, pois antes de ser eleito Papa realizou um colossal trabalho como filósofo personalista, Espanha, onde podem se integrar nesta corrente autores tão conhecidos como Julián Marías, Laín Entralgo ou Zubiri.

O personalismo sofreu um forte eclipse durante o convulso período dos anos 70 e 80 pela influência negativa dos epígonos descontrolados do pós-concílio, o predomínio cultural do marxismo, a revolução sexual e, na Espanha, o convulso período da transição. Mas atualmente está-se revitalizando e cobrou um novo impulso.

--É necessário o enfoque personalista em nossos dias?

--Juan Manuel Burgos: A atual revitalização do personalismo deve-se precisamente a que muitas pessoas o valorizem como uma realidade necessária e sugestiva. Diria que, fundamentalmente, por quatro motivos. É uma filosofia interessante e com muitas potencialidades; é necessária para falar com profundidade da pessoa, um conceito socialmente assumido, mas, às vezes, só de maneira superficial; em nossa sociedade multicultural e fragmentada, apresenta-se como uma antropologia forte e integral que oferece uma visão completa e transcendente da pessoa e, por último, creio que muitos intuem que é a antropologia de que hoje necessita o cristianismo para apresentar sua mensagem ao mundo contemporâneo. Neste sentido, ao falar de personalismo, tenho a impressão de que muitos o recebem com um certo sentimento de libertação, pois se apresenta como um instrumento coerente com a doutrina da Igreja, mas desde a modernidade.

--A que âmbitos ou disciplinas pode chegar a filosofia personalista? De que maneira?

--Juan Manuel Burgos: A filosofia personalista deve aprofundar antes de tudo no terreno puramente filosófico, porque ainda não se superou completamente o eclipse dos anos 70 e 80. Mas também e, sobretudo, deve explorar e tirar partido da grande potencialidade de crescimento que possui em âmbitos como a bioética, a filosofia do direito, a economia, a filosofia da educação etc. Para consegui-lo, é necessário muito trabalho intelectual no marco de uma comunidade científica. Este justamente é um dos objetivos ao que nos propomos contribuir desde a Associação Espanhola de Personalismo, de recente criação. Estas primeiras Jornadas de reflexão científica são uma mostra disso.

--Que é preciso para que o personalismo chegue ao grande público?

--Juan Manuel Burgos: Não tenho claro que o personalismo possa chegar ao grande público em geral, pois se trata de uma filosofia. Outra questão é que suas idéias se difundam capilarmente na sociedade. Mas, sem dúvida, deve chegar aos intelectuais. Para consegui-lo, é necessário antes de tudo um importante trabalho de difusão: cursos, publicações, seminários etc. Já se está fazendo esse trabalho. Em Espanha, por exemplo, publicaram-se mais de 100 livros sobre temas personalistas nos últimos anos. Mas é necessário muito mais. Há que trabalhar, pelo menos, em duas linhas: formação do professorado para que o transmita aos alunos de bacharelado e de universidade e desenvolvimento de um trabalho científico que lhe dê cada vez mais peso e prestígio, facilitando assim sua expansão.
ZP04112520

Sem comentários: