Instituto da Democracia Portuguesa
NOTA SOBRE A CONJUNTURA - 17 de Março de 2010
“O Elefante que veio de Cabo Verde”
O colapso da Lehman Brothers, em 15 de Setembro de 2008, foi a maior falência da história dos E.U.A. Ficou gravado na memória do mundo financeiro e desencadeou uma devastadora crise financeira, causando pânico nos mercados de capital, acelerando a Grande Crise e provocando um congelamento no comércio global, que levou a pacotes de resgate de triliões de dólares pelos governos em todo o mundo. Em Portugal as consequências não foram diferentes devido à utilização das mesmas práticas de alavancagem a nível nacional por vários operadores financeiros, com destaque para o BPN e BPP.
O relatório de 2.200 páginas (em nove volumes) de Anton Valuka (advogado em Chicago), saído em Março de 2010, veio revelar as falhas de gestão e a cultura económica irresponsável seguida pela Lehman Brothers. O exame revela "provas credíveis" de que os executivos de topo, incluindo o CEO, aprovaram declarações enganosas e truques contabilísticos para esconder a verdade dos investidores e do público. Ainda mais grave, o relatório levanta sérias questões sobre o comportamento dos auditores e reguladores, que não protegeram o público.
As operações de reporte e a alavancagem financeira estão fatalmente associadas. A primeira é um acordo de compra associado a um empréstimo onde o credor cede capital em troca de um contrato sobre um activo do devedor, de maturidade curta e onde o comprador futuro é o próprio devedor. A segunda é uma medida da utilização de recursos de terceiros para aumentar as receitas do operador. Por outras palavras, os bancos usam activos que não estão inscritos nos seus balanços para aumentar lucros e muitas vezes ocultar prejuízos e maus desempenhos e, não poucas vezes, utilizam esses activos para aceder ao mercado de crédito e apresentar receitas fictícias que mais não são que empréstimos sobre um activo associadas a uma taxa de juro. O mesmo sucederia se uma pessoa numa casa de penhores penhorasse bens que não são os seus para demonstrar receitas fictícias e aumentar a confiança dos seus pares sobre a sua gestão eficaz. Este tipo de operações foi a causa mais evidente que precedeu o colapso financeiro de 2008.
Em Portugal, o caso da SLN (em particular do BPN) atingiu os escaparates em Outubro de 2008, quando o presidente do Banco (ex-ministro das Finanças e também ex-administrador do Millennium BCP, Miguel Cadilhe) alertou para várias irregularidades e um notório problema de liquidez. A sua declaração veio na sequência da Crise e da investigação no âmbito da "Operação Furacão" que teria o seu ponto alto com a detenção do antigo presidente, Oliveira e Costa, em 21 de Novembro. Considerado um dos maiores escândalos financeiros de sempre em Portugal, o banco, que se notabilizava no mercado financeiro luso por oferecer produtos de elevada rentabilidade, reaparece como produto de uma complexa teia de interesses e ligações do banco e dos seus principais responsáveis a sociedades off-shore.
O caso ganharia dimensões operacionais semelhantes ao da Lehman Brothers, quando se descobrem operações sobre empresas que não pertenceriam à SLN. É o caso da venda da Sabrico, empresa brasileira que recebeu verbas do Banco Insular visando deturpar os indicadores do grupo, à EREI, que era detida em partes iguais pela Fiduciary Nominees e pela Fiduciary Trust, de Gibraltar, donos também da Insular Holdings que controla o Banco Insular de Cabo Verde. Era este o “elefante de Cabo Verde”. Uma transacção de 5,7 milhões de euros que, a par de outros "casos", como o da Ergi (outra empresa brasileira) detida em apenas 20% pelo BPN, acabaria por se revelar como propriedade do banco através da Swiss Finance (que deteria os restantes 80%), outra offshore controlada pelo BPN fora dos balanços do banco, tal como os 129,5 milhões dos 135 milhões de euros que efectivaram a venda e que foram recebidos pelo BPN. Neste caso aparece mais uma vez o Banco insular de Cabo Verde, outra offshore detida pelo banco e fora dos balanços.
O relatório norte-americano pode ter profundas implicações para os ex-executivos da Lehman Brothers, incluindo o seu ex-chefe, Dick Fuld, e seus auditores da Ernst & Young. Também lança uma luz desfavorável sobre práticas de Wall Street, que querem maximizar os lucros e esconder perdas e fazem engenharia contabilística. O contágio tem sido a marca principal da actual Grande Crise. À luz do relatório do Lehman, a questão é saber se existe uma forma de garantir que a banca de investimentos voláteis e de CDS’s não prejudiquem a estabilidade futura da banca comercial e da intermediação financeira, que é fundamental para a actividade económica real.
Ainda estamos à espera de uma reavaliação fundamental dos modelos de bancos com actividades sofisticadas desorçamentadas e que escondem a verdade. Como os bancos realmente actuam e as acrobacias que fazem para competir entre si, tornou-se uma realidade opaca para os investidores e outros interessados. É necessária uma restrição para impedir manobras contabilísticas de alavancagem como as de Lehman Brothers ou, em Portugal, do BPN. Os estadistas ainda não despertaram para o síndrome do "elefante" demasiado grande para falir que causa estragos nas economias nacionais.
O relatório post-mortem enfatiza a necessidade de regras de contabilização dos balanços dos bancos que sejam comparáveis transparentes, mas também suporta a imposição de ratios de alavancagem por forma a providenciar uma restrição sobre o capital comum - que a avaliação de risco do BIS tem sido incapaz de fazer - e sugere a urgência da eliminação de actividades pouco transparentes no OBS (off-balance sheets) que possam ocultar a verdadeira dimensão da alavancagem. Estas reformas são essenciais para lidar com o risco de contágio de incumprimento.
O relatório post-mortem norte americano enfatiza a necessidade de regras de contabilização dos balanços dos bancos que sejam comparáveis transparentes e sugere a imposição de ratios de alavancagem por forma a providenciar uma restrição sobre o Capital comum - que a avaliação de risco do BIS tem sido incapaz de fazer; sugere ainda a urgência da eliminação de actividades pouco transparentes no OBS (off-balance sheets) que possam ocultar a verdadeira dimensão da alavancagem. Estas reformas são essenciais para lidar com o risco de contágio de incumprimento, devido aos "elefantes bêbedos”, as empresas demasiado grandes para falir".
Em Portugal a "pegada do elefante" ainda não foi medida e faltam relatórios como o de Valuka para o caso norte-americano. Os responsáveis pelo acompanhamento das práticas financeiras (Banco de Portugal) têm de ter a postura necessária para evitar "elefantes bebêdos". Para que a economia sobreviva ao dia seguinte à “festa” dos mercados financeiros, novas medidas serão necessárias.
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