quarta-feira, março 17, 2010

À antiga e à bruta

CARTA DO CANADÁ

Fernanda Leitão

Ao ver e ouvir Fernando Costa, presidente da Câmara Municipal das Caldas da Rainha, durante a transmissão dos trabalhos do Congresso do PSD pela RTP, não pude deixar de me lembrar duns mocetões, ribatejanos e alentejanos, que foram meus companheiros de estudos no Colégio de Nun´ Álvares, em Tomar. Eram encorpados e tesos, pegavam toiros, jogavam futebol, tinham bom murro e ficavam fulos se alguém lhes oferecia um copo de leite. Fossem lá chamar maricas a outros. Tirando isso eram uns corações de manteiga.Homens de cara direita e de palavra, amigos do seu amigo, leais até depois de Almeida. Homens da província com fundas raízes no meio rural. Trigo sem mistura. Vinho de boa cepa.

O que, tal acomo aconteceu com o discurso de Fernando Costa, é sempre apelidado de “caricato” por uns intelecto-altos que vivem de aparências, medos e cálculos. A propósito, vou transcrever um pedacinho de uma carta de Eça de Queiroz a Jaime Batalha Reis, era então o autor de “Os Maias” director de um jornal regional, em Évora: "Nós, os da Capital, rimo-nos da vida pequena da província; mas, no entanto, na província há uma serenidade, uma franqueza, uma verdade de sentir, um desassombro dos espíritos que é doce. Diz-se que a vida da província é de intriga, de interesses imperceptíveis: mas sabe-se porventura a pequenês dos interesses de Lisboa, o acanhamento da vida, a restrição dos sentimentos?”

Naquele congresso, inesquecível por más razões, o autarca das Caldas foi franco, directo, desassombrado e verdadeiro, mas sempre sereno. Não foi grosseiro nem insultuoso como um barão daquele pátio costuma ser quando não lhe dão o dinheiro que quer ou lhe descobrem compadrios e incompetências. Fernando Costa foi, ali, a autenticidade do Portugal Profundo, do País Real. Disse o que havia a dizer na cara de quem merecia ouvir, ali, frente a frente. Virou a mesa, destapou o jogo. Foi duro? Foi bruto? Tinha de ser porque estava a dirigir-se a pessoas que se julgam impunes e fartamente têm abusado da boa fé do povo. Quando assim é, há que ser bruto, porque só assim os abusadores ouvem e percebem. Há momentos na vida dum país em que se impõe esta dureza.

Não o digo por teoria, sei do que falo. Há muitos anos, num momento de Pátria aflita, tive de fazer o mesmo aos lacaios de Moscovo e Pequim, aos vira-casacas que assinavam de cruz por causa dos negócios. Numa noite, em pleno PREC, estava Sá Carneiro em Londres, entre a vida e a morte, uma reunião do conselho de ministros, no VI Governo Provisório, deu em peixeirada. O primeiro ministro de então, almirante Pinheiro de Azevedo, arredou a sua cadeira para trás, demarcou-se do granel e pôs-se a ler jornais. Quando leu o Templário, deu uma palmada atroadora na borda da cadeira e berrou: “Desta é que eu gosto! É uma besta como eu!”. Foi-me isto contado mais tarde pelo seu chefe de gabinete, um distinto oficial da Marinha que conheci em casa de um grande tomarense, de um grande português amargurado, o general Silva Cardoso, da Força Aérea. Foi preciso ser bruta e assumo que fui. Tinha de ser. Por isso entendo e aprecio Fernando Costa. Teve toda a razão no que disse. Prova disso foi que, pouco depois, um barão tresnoitado propôs uma alteração de estatutos, segundo a qual serão punidos, incluindo com expulsão, os militantes que ousarem discordar e criticar dirigentes nos 60 dias que antecedem uma eleição. Daquele barão não se esperava melhor, mas a verdade é que os candidatos a presidentes do partido se calaram e 350 militantes, ali presentes, votaram a favor. Estes são os factos. A jeremiada dos candidatos depois do congresso encerrado, face ao berreiro indignado do país, vem tarde e mal. “Democracia” assim só no PC. Agora entendo as alianças parlamentares entre o PSD e os comunistas, apenas, e só, com fito de um golpe de estado que derrube Sócrates, aquele de quem mais se falou no congresso, em vez de se falar, como o país esperava, em soluções concretas para os problemas concretos que afligem os portugueses. Que confiança podem os eleitores ter nestes barões, nestes candidatos? Que alternativa pensam eles ser para este governo? Já pensaram aquilo que muitas pessoas pensam: se este é o partido do Presidente da República, se este é o partido que apoia o Presidente da República, será sensato colaborarmos neste disparate? Portugal precisa de um presidente independente ou dum partidário?

Para além de lamentável, este congresso foi mais uma traição à memória de Francisco Sá Carneiro.

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