Por José Andrade
Uma comemoração pública só tem sentido, quando enaltece um acto ou uma época, que orgulha e honra uma população.
Olhando para o acto da Revolução de 1910 e para os cem anos da República, pergunto…de que se honram e orgulham os republicanos?
A génese da República foi o Regicídio, o assassínio frio e ignóbil, do Rei D. Carlos I e de seu filho primogénito o Príncipe herdeiro D. Luís Filipe.
A prática do assassínio político que permitiu a sua instituição, consolidou-se como uma prática republicana, que esteve sempre presente quando foi necessário eliminar os políticos mais carismáticos e populares, ou seja, aqueles que poderiam originar verdadeiras mudanças.
Sidónio Pais foi a primeira vítima. O seu assassinato marca definitivamente a 1ª República e condiciona radicalmente a sua evolução.
A 2ª República, repete a prática com o assassinato de Humberto Delgado.
A 3ª República mantém a prática com Camarate e a morte de Sá Carneiro, que a propaganda republicana, rapidamente quis fazer acreditar que se tratou de um acidente.
As datas das mortes destes líderes populares, destes agentes da mudança ansiada, não irão ser recordadas durante as comemorações do centenário, porque não são dignificantes para o regime, apesar de representarem uma prática de actuação que foi uma constante e de serem momentos determinantes da história dos últimos cem anos.
Mas que outros factos se passaram, que possam honrar e estimular o orgulho dos portugueses?
Não será certamente, o abate em Praça Pública dos opositores ao regime durante a 1ª Republica, nem a sua instabilidade política, que originou a miséria da população.
Tão pouco a nossa participação na 1ª Guerra Mundial, em que os soldados portugueses foram carne para canhão ou sujeitos a tarefas, que os outros aliados não queriam executar.
Também não deve ser das prisões do Tarrafal, de Peniche ou de Caxias, onde a 2ª República encerrava os mais destemidos opositores.
Talvez seja da neutralidade que nos livrou de participar na 2ª Guerra Mundial, mas que teve consequências dramáticas no nosso isolamento económico e originou toda uma enorme onda de emigração.
Mas não creio, que seja pela inglória Guerra Colonial, pela entrega das Províncias, pela destruição do Império.
Não é certamente motivo de orgulho para qualquer português a “descolonização exemplar”, que levou ao abandono de muitas centenas de milhares de portugueses e do seu património, que originou guerras civis em Angola, Moçambique, Guiné e Timor.
Tentará a propaganda republicana encontrar nos últimos anos uma razão que orgulhe os portugueses.
As comemorações do centenário da República só têm como finalidade serem uma tentativa desesperada de salvação da agonia que sofre a 3ª República.
O sonho de liberdade e de democracia que o 25 de Abril transmitiu aos portugueses, está hoje desfeito por uma oligarquia partidária, que se apoderou do regime e que o bloqueou ao ponto de mais de 70% do eleitorado português, já não se rever neste regime.
A corrupção e a suspeição a todos os níveis da sociedade portuguesa, desde a política ao desporto, são um sinal inequívoco desta agonia.
O Estado democrático de direito, não passa de uma mentira da propaganda, porque a Justiça não funciona, porque há privilégios dos políticos perante a Lei, porque o Estado persegue as empresas e os cidadãos numa ânsia de receita pública e não paga as suas dívidas como pessoa de bem.
Um regime que obriga, que pressiona, que exige, de todos nós, mas que é incapaz de dar resposta adequada, às mais elementares necessidades como a saúde e a educação.
Este Estado Republicano que assume o privilégio de todos termos para com ele uma obrigação permanente, que se arroga em substituto da função educadora das famílias, mas que não respeita, nem acarinha os portugueses nos momentos de crise, acentuando a sua frieza de atitudes e a mentira, na sua tentativa de auto justificação formal.
As comemorações do centenário da República não poderão ser nada que possa enaltecer ou fomentar o nosso orgulho como portugueses, simplesmente actos formais.
O orgulho é essencial para a preservação e progresso de qualquer Nação, a República não tem, nem motivos nem capacidade, para estimular os portugueses.
A própria personalidade do actual Chefe de Estado, é representativa da agonia da republicana. Sem cultura e carisma suficiente para o cargo, ele nem sequer sabe sorrir … um tecnocrata que considera todos os portugueses como um número, que integra uma complicada equação Keinesiana, que na sua presunção só ele sabe resolver.
Só com um novo e forte estímulo, será possível fazer ressuscitar o orgulho português.
Nos liberi sumus; Rex noster liber est, manus nostrae nos liberverunt... [Nós somos livres; nosso Rei é livre, nossas mãos nos libertaram...]
sábado, outubro 31, 2009
De que se orgulham os republicanos?
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1ª República: A crise portuguesa e a reacção dos Homens Livres (Dezembro de 1923)
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sexta-feira, outubro 30, 2009
Vacinar os portugueses?! Não seria mais fácil pôr a classe política de quarentena?...
quinta-feira, outubro 29, 2009
Meio milhão de euros para os amigos
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Henrique Cayatte
quarta-feira, outubro 28, 2009
Diferenças
Mário Crespo
Assistir ao duríssimo questionamento da comissão de inquérito senatorial nos Estados Unidos para a nomeação da juíza Sónia Sottomayor para o Supremo Tribunal é ver um magnífico exercício de cidadania avançada. Não temos em Portugal nada que se lhe compare. Se os nossos parlamentares tivessem a independência dos congressistas americanos, Cavaco Silva nunca teria sido presidente, Sócrates primeiro-ministro, Dias Loureiro Conselheiro de Estado, Lopes da Mota representante de Portugal ou Alberto Costa ministro da Justiça. O impiedoso exame de comportamentos, curricula e carácter teria posto um fim às respectivas carreiras públicas antes delas poderem causar danos.
Se a Assembleia da República tivesse a força política do Senado, os negócios do cidadão Aníbal Cavaco Silva e família, com as acções do grupo do BPN, por legais que fossem, levantariam questões éticas que impediriam o exercício de um cargo público. Se o Parlamento em Portugal tivesse a vitalidade democrática da Câmara dos Representantes, o acidentado percurso universitário de José Sócrates teria feito abortar a carreira política. Não por insuficiência de qualificação académica, que essa é irrelevante, mas pelo facilitismo de actuação, esse sim, definidor de carácter.
Do mesmo modo, uma Comissão de Negócios Estrangeiros no Senado nunca aprovaria Lopes da Mota para um cargo em que representasse todo o país num órgão estrangeiro, por causa das reservas que se levantaram com o seu comportamento em Felgueiras, que denotou a falta de entendimento do procurador do que é político e do que é justiça. Também por isto, numa audição da Comissão Judicial do Senado, Alberto Costa, com os seus antecedentes em Macau no caso Emaudio, nunca teria conseguido ser ministro da Justiça, por pura e simplesmente não inspirar confiança ao Estado.
Assim, se houvesse um Congresso como nos Estados Unidos, com o seu papel fiscalizador da vida pública, por muito forte que fosse a cumplicidade dos afectos entre Dias Loureiro e Cavaco Silva, o executivo da Sociedade Lusa de Negócios nunca teria sido conselheiro presidencial, porque o presidente teria tido medo das cargas que uma tal nomeação inevitavelmente acarretaria num sistema político mais transparente. Mas nem Cavaco teve medo, nem Sócrates se inibiu de ir buscar diplomas a uma universidade que, se não tivesse sido fechada, provavelmente já lhe teria dado um doutoramento, nem Dias Loureiro contou tudo o que sabia aos parlamentares, nem Lopes da Mota achou mal tentar forçar o sistema judicial a proteger o camarada primeiro-ministro, nem Alberto Costa se sentiu impedido de ser o administrador da justiça nacional em nome do Estado lá porque tinha sido considerado culpado de pressionar um juiz em Macau num caso de promiscuidade política e financeira. Nenhum destes actores do nosso quotidiano tinha passado nas audições para o casting de papéis relevantes na vida pública nos Estados Unidos. Aqui nem se franziram sobrolhos nem houve interrogações. Não houve ninguém para fazer perguntas a tempo e, pior ainda, não houve sequer medo ou pudor que elas pudessem ser feitas. É que essa cidadania avançada que regula a democracia americana ainda não chegou cá.
Assistir ao duríssimo questionamento da comissão de inquérito senatorial nos Estados Unidos para a nomeação da juíza Sónia Sottomayor para o Supremo Tribunal é ver um magnífico exercício de cidadania avançada. Não temos em Portugal nada que se lhe compare. Se os nossos parlamentares tivessem a independência dos congressistas americanos, Cavaco Silva nunca teria sido presidente, Sócrates primeiro-ministro, Dias Loureiro Conselheiro de Estado, Lopes da Mota representante de Portugal ou Alberto Costa ministro da Justiça. O impiedoso exame de comportamentos, curricula e carácter teria posto um fim às respectivas carreiras públicas antes delas poderem causar danos.
Se a Assembleia da República tivesse a força política do Senado, os negócios do cidadão Aníbal Cavaco Silva e família, com as acções do grupo do BPN, por legais que fossem, levantariam questões éticas que impediriam o exercício de um cargo público. Se o Parlamento em Portugal tivesse a vitalidade democrática da Câmara dos Representantes, o acidentado percurso universitário de José Sócrates teria feito abortar a carreira política. Não por insuficiência de qualificação académica, que essa é irrelevante, mas pelo facilitismo de actuação, esse sim, definidor de carácter.
Do mesmo modo, uma Comissão de Negócios Estrangeiros no Senado nunca aprovaria Lopes da Mota para um cargo em que representasse todo o país num órgão estrangeiro, por causa das reservas que se levantaram com o seu comportamento em Felgueiras, que denotou a falta de entendimento do procurador do que é político e do que é justiça. Também por isto, numa audição da Comissão Judicial do Senado, Alberto Costa, com os seus antecedentes em Macau no caso Emaudio, nunca teria conseguido ser ministro da Justiça, por pura e simplesmente não inspirar confiança ao Estado.
Assim, se houvesse um Congresso como nos Estados Unidos, com o seu papel fiscalizador da vida pública, por muito forte que fosse a cumplicidade dos afectos entre Dias Loureiro e Cavaco Silva, o executivo da Sociedade Lusa de Negócios nunca teria sido conselheiro presidencial, porque o presidente teria tido medo das cargas que uma tal nomeação inevitavelmente acarretaria num sistema político mais transparente. Mas nem Cavaco teve medo, nem Sócrates se inibiu de ir buscar diplomas a uma universidade que, se não tivesse sido fechada, provavelmente já lhe teria dado um doutoramento, nem Dias Loureiro contou tudo o que sabia aos parlamentares, nem Lopes da Mota achou mal tentar forçar o sistema judicial a proteger o camarada primeiro-ministro, nem Alberto Costa se sentiu impedido de ser o administrador da justiça nacional em nome do Estado lá porque tinha sido considerado culpado de pressionar um juiz em Macau num caso de promiscuidade política e financeira. Nenhum destes actores do nosso quotidiano tinha passado nas audições para o casting de papéis relevantes na vida pública nos Estados Unidos. Aqui nem se franziram sobrolhos nem houve interrogações. Não houve ninguém para fazer perguntas a tempo e, pior ainda, não houve sequer medo ou pudor que elas pudessem ser feitas. É que essa cidadania avançada que regula a democracia americana ainda não chegou cá.
segunda-feira, outubro 26, 2009
Sem complexos nem preconceitos
CARTA DO CANADÁ
Fernanda Leitão
Seguramente, foi em 1959 que assentei arraiais na Brasileira do Chiado, no grupo pontificado por Tomaz de Figueiredo, Jorge Barradas, Abel Manta e Almada-Negreiros, onde fui dar pela mão de artistas plásticos cujo vasto atelier passou a ser, também, meu poiso habitual. Meu de muitas outras pessoas.
Em tardes de inverno, com a lareira acesa e tomando chá, por ali passava a dizer poemas Vasco Lima Couto e, a inundar o espaço com a sua voz inesquecível, Eunice Muñoz. Gente do teatro, do cinema, da música, das artes plásticas, do jornalismo, das letras, ali conviviam com serenidade e gosto.
A escritora Isabel da Nóbrega começou a ser habitual e depressa se tornou uma amiga dos donos do atelier. Senhora de bom berço e fino trato, inteligente e culta, bem instalada na vida, caíu numa cilada do demónio. Apaixonou-se por um zé ninguém, nem sequer bonito, muito menos simpático e bem educado, que olhava tudo e todos de nariz empinado, numa pseudo-superioridade de quem tem contas a ajustar com a vida, quezilento e muito chato. Falava como um pregador de feira e era intragável. Mas, em atenção à Isabel, lá íamos aturando o José Saramago.
Para mim, que sou péssima, foi ponto assente: aquele não a ia fazer limpa, era um depósito de ódio recalcado. Foi por isso que não me admirei nada quando o vi director do Diário de Notícias, a mando do Partido Comunista, onde, da noite para o dia, lançou ao desemprego 24 jornalistas, dos da velha escola, dos que escrevem com pontos e vírgulas, deixando-os, e às famílias, sem pão. Tambem não fiquei minimamente surpreendida quando soube que abandonou Isabel da Nóbrega, que tanto fez por ele, para alvoroçadamente casar com uma espanhola que foi freira e tem vastos conhecimentos no mundo da política e das letras. Para mim, estava tudo a condizer com a figura.
Cá de longe soube que publicava livros e vendia muito. Não me aqueceu nem arrefeceu, porque nunca li nada escrito por ele nem tenciono perder tempo com isso. Não me apetece, e está tudo dito. Nem o Nobel que lhe deram me impressionou, porque já vi o Nobel ser dado sem critério algumas vezes. Acho mesmo que o prémio está a ficar muito por baixo.
E agora, o homenzinho da Golegã a chamar nomes a Deus, a insultar a Bíblia nuns raciocínios primários de operário em roda de tasca. Dizem que o fez por golpe publicitário. Talvez. Acho que é capaz disso e de muito mais. No entanto, creio que, no meio do aranzel, apenas houve uma pessoa que lhe fez o diagnóstico certo: António Lobo Antunes, numa magistral entrevista dada à RTP, há dias, respondeu a Judite de Sousa, que o interrogava sobre as tiradas de Saramago, que essas vociferações contra Deus lhe tinham feito medo. E adiantou: “tenho medo de chegar à idade dele assim, sem senso crítico”. Está tudo dito. É mais um como há tantos anciãos de tino perdido em Portugal. É deixá-lo andar. A mim tanto se me dá.
quarta-feira, outubro 21, 2009
Trigo e Joio
CARTA DO CANADÁ
Fernnanda Leitão
No jornalismo podemos encontrar profissionais pouco inteligentes, confrangedoramente incultos, irresponsáveis, mal educados, oportunistas, corruptos, vendidos e até perigosos. É um facto.
Mas também é um facto que podemos encontrar profissionais com as mesmas características na política, na administração pública, na gestão de empresas privadas, nos sindicatos, nas ordens, nas fundações, na banca, na indústria, nas autarquias, nas profissões liberais, no ensino, na cultura, na ciência, nas artes, nas letras, nas direcções desportivas, nas forças armadas.
Por ser assim, e todos sabemos que é assim, parece-me excessivo, e até um bocado ridículo, que certas personalidades, ao verem punidos os seus actos pela realidade dura da vida, tendam em geral a apontar o dedo acusador aos jornalistas, todos eles, e não ao jornalista fulano ou cicrano, deixando no ar a ideia de que o jornalismo é uma classe abaixo de toda a credibilidade e respeito. Fazem-me sempre lembrar aquele santo de Alcobaça que aponta o da imagem em frente, por ter uma poeira num olho, tendo ele mesmo um argueiro a toldar-lhe a visão.
Apesar de todos os pesares, e lamentando-se desde já que a classe não tenha a sensatez e a coragem de separar águas dentro de si mesma, muitos jornalistas têm prestado serviços inestimáveis ao país pelo simples facto de terem dito ou escrito a verdade sem medo nem preconceito, olhos postos no dever de servir o povo. Se passarmos em revisão os 35 anos que leva este regime, encontraremos inúmeros exemplos do que afirmo. Muitos abusos, e até crimes, foram evitados porque a imprensa alertou. É pena que a Justiça não tenha correspondido com intervenção atempada e certeira, tendo muitas vezes sido mais célere e severa a julgar jornalistas de quem se queixaram as boas almas que se entendem acima da lei. Mas atrás de tempo, tempo vem, pode ser que no futuro as coisas melhorem.
Entretanto, não faleça o ânimo aos que honram os ideais do jornalismo para que Portugal seja o país saudável que todos desejamos.
terça-feira, outubro 20, 2009
Hino à ignorância
O livro de Saramago é como o vídeo de Maitê Proença: um hino vivo aos píncaros da ignorância.
Especialista em pequenos golpes publicitários, o sr. Saramago lançou, esta semana, um livrinho sobre Caim que o próprio, com a sua reconhecida modéstia, considera ser um exercício "divertidíssimo" contra "toda e qualquer religião". Tendo em conta este nobre objectivo, o escritor usou a apresentação de Caim para debitar umas opiniões firmes sobre Deus, a Igreja e a Bíblia, em particular sobre o Antigo Testamento, que ele notoriamente não conhece.
Como a ignorância é livre e, em Portugal, tem mesmo direitos de cidadania, Saramago não se coíbe no que toca aos mais improváveis disparates. Com a profundidade de uma poça, garante solenemente que a Bíblia é "um manual de maus costumes", impróprio para crianças, que tudo o que lá está é "absurdo e disparatado"; que Deus, embora não exista, deve ser devidamente responsabilizado por todos os males da humanidade; que a "insolência reaccionária" da Igreja tem que ser combatida com a "insolência da inteligência viva"; e que o Papa é "cínico" por "ter a coragem de invocar Deus (…), um Deus que ele jamais viu e com quem nunca se sentou para tomar café". Ou para comer um croquete, já agora, com um cigarro pelo meio e meia dúzia de piadas a rematar.
Do que aqui fica dito, percebe-se que para Saramago a Bíblia é uma espécie de romance de cordel para adultos, recheado de imoralidades várias que não se compadecem com a doce inocência da infância. A ideia de que um livro sagrado, não sendo fácil de interpretar, tem uma chave de leitura que exige um conhecimento profundo da história, da geografia, da língua e do fenómeno religioso é-lhe manifestamente estranha. Saramago, como é óbvio, dispensa esse tipo de qualificações. Para falar sobre a Bíblia basta-lhe uma leiturinha pela rama, meia dúzia de frases ocas e a necessidade de criar uma conveniente polémica que o ajude a vender o livro que escrevinhou em tempo recorde. Desta vez, as suas esperanças depositam-se nos judeus – já que os católicos, segundo o próprio, não perdem tempo a ler o Antigo Testamento e não podem, portanto, fazer-lhe o jeito e contribuir para o sucesso editorial da obra.
Confesso, no entanto, que não vejo razões para grandes polémicas ou para fundadas indignações. As diatribes de Saramago são como o vídeo de Maitê Proença: um hino vivo à ignorância.
In Correio da Manhã.
Especialista em pequenos golpes publicitários, o sr. Saramago lançou, esta semana, um livrinho sobre Caim que o próprio, com a sua reconhecida modéstia, considera ser um exercício "divertidíssimo" contra "toda e qualquer religião". Tendo em conta este nobre objectivo, o escritor usou a apresentação de Caim para debitar umas opiniões firmes sobre Deus, a Igreja e a Bíblia, em particular sobre o Antigo Testamento, que ele notoriamente não conhece.
Como a ignorância é livre e, em Portugal, tem mesmo direitos de cidadania, Saramago não se coíbe no que toca aos mais improváveis disparates. Com a profundidade de uma poça, garante solenemente que a Bíblia é "um manual de maus costumes", impróprio para crianças, que tudo o que lá está é "absurdo e disparatado"; que Deus, embora não exista, deve ser devidamente responsabilizado por todos os males da humanidade; que a "insolência reaccionária" da Igreja tem que ser combatida com a "insolência da inteligência viva"; e que o Papa é "cínico" por "ter a coragem de invocar Deus (…), um Deus que ele jamais viu e com quem nunca se sentou para tomar café". Ou para comer um croquete, já agora, com um cigarro pelo meio e meia dúzia de piadas a rematar.
Do que aqui fica dito, percebe-se que para Saramago a Bíblia é uma espécie de romance de cordel para adultos, recheado de imoralidades várias que não se compadecem com a doce inocência da infância. A ideia de que um livro sagrado, não sendo fácil de interpretar, tem uma chave de leitura que exige um conhecimento profundo da história, da geografia, da língua e do fenómeno religioso é-lhe manifestamente estranha. Saramago, como é óbvio, dispensa esse tipo de qualificações. Para falar sobre a Bíblia basta-lhe uma leiturinha pela rama, meia dúzia de frases ocas e a necessidade de criar uma conveniente polémica que o ajude a vender o livro que escrevinhou em tempo recorde. Desta vez, as suas esperanças depositam-se nos judeus – já que os católicos, segundo o próprio, não perdem tempo a ler o Antigo Testamento e não podem, portanto, fazer-lhe o jeito e contribuir para o sucesso editorial da obra.
Confesso, no entanto, que não vejo razões para grandes polémicas ou para fundadas indignações. As diatribes de Saramago são como o vídeo de Maitê Proença: um hino vivo à ignorância.
In Correio da Manhã.
segunda-feira, outubro 19, 2009
Os pequenos políticos a correr atrás de nós...
João César das Neves
DN
20091019
Terminado o longo período eleitoral, salta à vista a má qualidade do discurso político. Perante a gravidade da situação e desânimo reinante, o tom geral das intervenções foi claramente incapaz. Não houve rasgo, chama. O povo está tão desiludido como estava.
Qual o motivo? Que esteve ausente do esforço tribunício dos últimos meses? Não faltaram planos, propostas, projectos. Nos milhares de páginas de programas e centenas de horas de oratória é forçoso achar ideias, algumas até boas. Também não faltou sonho. Há muita emoção, paixão, fervor na vida pública nacional. Alguns são frustrados e até pesadelos, mas existem sonhos na nossa política partidária.
O que desapareceu da intervenção dos nossos responsáveis é algo mais denso e determinante: visão estratégica, orientação de fundo, linha de rumo. Não se ouviu um propósito inspirador e empolgante que motivasse os portugueses. Ninguém diz o que quer e para onde vamos. O que tinham Sá Carneiro, Mário Soares e Cavaco Silva, e até Spínola, Vasco Gonçalves e Melo Antunes, desapareceu desde Guterres. Temos meios e vontade mas está omisso o destino.
Em 1852, Victor Hugo escreveu um livrinho, Napoléon le Petit, comparando o imperador da época ao grande antecessor. Hoje também temos políticos pequeninos. Há 15 anos que não existe um verdadeiro objectivo nacional, uma finalidade grande que arrebate e mobilize o País. Vivemos de fins intermédios, interesses particulares, promessas próximas. Os sucessos e debates recentes centram-se em oferecer portáteis ou brincar aos comboios rápidos. A vida política não sobe acima das adições orçamentais.
Como se caiu nesta triste apatia? A resposta é simples porque existe um ingrediente indispensável ao destino, a fé. Os nossos responsáveis perderam a fé que tinham nos primeiros anos da democracia. Claro que há muita fé na vida privada, mas há década e meia que anda quase ausente da vida pública.
Isto não se aplica à fé religiosa. Essa há muito que não tem presença na nossa política. Por acordo tácito geral, a vida democrática é formalmente alheia aos temas espirituais. Em sistemas como o americano, italiano e tantos outros o assunto é comum. Até em França a cartada é jogada. Mas Portugal, por feridas antigas, não se atreve a falar disso.
O que estiolou com os tempos foi a fé ideológica, patriótica. Os anos revolucionários incendiaram-se de fervor. Acabado o tumulto, o ideal de um Portugal europeu e progressivo guiou-nos nos tempos difíceis da adesão à Comunidade. Normalizada a situação, na estabilidade do euro e fragor da globalização, abandonaram--se os grandes propósitos. A vida pública centrou-se em finalidades imediatas, grupos instalados, razões operacionais abandonando os grandes desígnios dos tempos heróicos. O que nos ocupa e preocupa é emprego, conforto, segurança. Até temas globais, como regionalização e aborto, são conduzidos por preocupações tácticas.
Os dois grandes partidos são pragmáticos, abrangentes. Gerindo conveniências, não se podem dar ao luxo de ideologias ou destinos ambiciosos. O CDS já teve várias fés e não se sabe bem a que tem hoje. O BE esconde a falta de fé criticando a infidelidade dos outros. Apenas o PCP e os pequenos ainda acreditam em algo, que mais ninguém leva a sério. O resultado é a pasmaceira agnóstica e interesseira. Não admira o pessimismo dominante.
A solução disto é fácil, porque o sentido da vida está na vida, não na política. O erro foi pedirmos aos partidos que nos fornecessem a fé. O destino não está em programas, instituições, sistemas, mas na família, trabalho, comunidade. O País salva-se se deixar de procurar nos líderes aquilo que só encontra em si mesmo.
Não é Portugal que se condena com a desorientação, apenas os dirigentes. Como em situações antigas de desnorte, cabe à sociedade e à economia encontrar na sua actividade quotidiana a força e as razões que faltam às elites. A fé privada tem de superar a vacuidade pública. Se acreditarmos num destino maior, Portugal avança. Depois os pequenos políticos correm atrás.
domingo, outubro 18, 2009
Fernando Amado
Fernando Alberto da Silva Amado nasceu (1899) e morreu em Lisboa (1968), “aberto às justas e fascinantes chamadas da modernidade”1, viajou pela Europa, deixando-se influenciar, sem, no entanto, ter esquecido a sua portugalidade.
Almada Negreiros, Joseph De Maistre, Nietzsche, Tolstoi, Wagner são exemplos de influências eminentes na sua obra.
Breve introdução ao pensamento de Fernando Amado
“Aquele que se intitula democrata encarna hoje em dia o espírito conservador”1
Fernando Amado
Personalidade de múltiplas vocações, dedicou-se ao Teatro, Filosofia Política, Desporto (criou uma tabela olímpica, para classificar as marcas atléticas “que se tornou internacionalmente conhecida e foi adoptada em vários países”2) e, entre outras, à Tradução: publicou três traduções de Giovanni Papini e vários textos de teatro, principalmente para as suas aulas, pois foi professor de Estética Teatral e de Arte Dramática no Conservatório. Formou-se em Ciências Históricas e Geográficas pela Universidade de Lisboa, na década de 20, altura em que se reconheceria no ainda recente Integralismo Lusitano.
A causa monárquica foi sempre sua preocupação central, mas sempre aliada à cultura – alicerce da sua vida. Fernando Alberto da Silva Amado nasceu (1899) e morreu em Lisboa (1968), “aberto às justas e fascinantes chamadas da modernidade”3, viajou pela Europa, deixando-se influenciar, sem, no entanto, ter esquecido a sua portugalidade. Almada Negreiros, Joseph De Maistre, Nietzsche, Tolstoi, Wagner são exemplos de influências eminentes na sua obra.
Neste artigo exploraremos a sua faceta Política, ou melhor, os seus ensaios e textos de Filosofia Política. A única obra publicada como tal foi Estrada Real. Todas as outras fontes usadas foram publicadas em jornais e revistas.
Encontramos, como em toda a sua obra, um tradicionalista aberto à inovação. Existem testemunhos que confirmam esta ideia, tais como, as suas peças de teatro1, o diálogo com Almada Negreiros2 e o artigo do Padre António Magalhães3. De resto, o próprio João Bigotte Chorão assim o qualificou: “um tradicionalista aberto à modernidade”.
Fernando Amado possui uma independência de espírito que não se coaduna com a direita conservadora e reaccionária de muitos apoiantes do Estado Novo, nomeadamente Alfredo Pimenta4. Critica a censura, a disfunção orgânica entre o Poder e o povo, as quiméricas eleições presidenciais do regime autoritário de Oliveira Salazar5. Critica o Estado ideológico, tanto de direita como de esquerda, e refere a necessidade urgente de uma solução fora do sistema, para além de intrigas partidárias e eleitorais6.
Na sua prosa são evidentes as preocupações com a autoridade, liberdade, tradição, ordem e hierarquia, enfim integrando-as com a ideia de Realeza – a única forma de conciliação harmoniosa para Portugal.
A tríade Autoridade-Hierarquia-Ordem constitui o âmago do pensamento político de Fernando Amado. Em seu entender, a hierarquia está estritamente ligada à autoridade e, naturalmente, ambas são indissociáveis da ordem. Assim sendo, parece-nos interessante começar por decompor cada um dos conceitos, à luz do saber de um dos grandes próceres do Integralismo Lusitano1.
Na verdade, autoridade está muito longe de significar autoritarismo, ao invés, é a autêntica expressão da liberdade2, pois não é mais do que a defesa e consagração do Direito de autoria daquele que cria e produz; e, para tal, torna-se imprescindível a História, a Tradição, em suma, a conservação da memória3. Deste modo, a autoridade reveste de sentido: o indivíduo, preservando a personalidade; a corporação, expressão da profissão; e a nação, prova da herança histórica de uma civilização.
Não há autoridade sem autor, muito menos autoria sem liberdade (por exemplo, direito de propriedade privada). Assim, Amado reivindica a consagração não da Liberdade mas das liberdades, individuais e colectivas, isto é, da liberdade moral e de pensamento (de culto, de expressão, de imprensa, etc.) e das liberdades orgânicas, ou seja: profissionais, defendidas no âmbito das corporações; municipais, “que a história tão profundamente vincou” e em “cuja fisionomia realçará o traço familiar”; provinciais, marcadas pelas tradições regionais e, por fim, nacionais, “representadas em magna Assembleia pelas aristocracias do trabalho e da inteligência”1. No entanto, o interesse comum deve sobrepor-se ao privado. Embora existam e devam existir vontades várias e opostas, ainda assim, através da razão humana, sobrevêm o consenso e a concórdia.
A doutrina do Integralismo Lusitano não se refere à restauração de passado – do antigo regime. Fernando Amado consciente da crise de valores ao longo da História, principalmente a partir da Revolução Francesa (1789), não abdica do desejo de restauração. Por isso, invoca os novos desafios da contemporaneidade.
Diz em artigo publicado na revista Cidade Nova2.
Projecto de elaboração, no clima actual, duma verdadeira república portuguesa:
— Necessidade prévia de escolher entre democracia (na acepção rigorosa de sistema político em que a única fonte do poder é o sufrágio universal) e república (que, alheia a formas de governo, reclama para todos o direito à participação política e fruição do bem comum).
(...)
— Autoridade e serviço público. Autoridade e consenso. A autoridade régia é, como toda a autêntica, de natureza comunitária. Não é fruto de conquista, mas condição do viver em comum.
— A monarquia não requer, para ser levantada de novo as categorias medievais. A noção de classe hoje é outra. Há velhas hierarquias que seriam no nosso tempo letra morta. Mas as autonomias orgânicas, reconhecidas ou não, atestam fecundas permanências.
(…)
— No quadro do nosso regime tradicional, a representação não implica problema insolúvel. Refutando a tese angustiosa de Rousseau, concluiremos pacatamente, de português para português: A soberania pode ser representada. (in Fernando Amado, “Teoria da Representação, itinerário”, Cidade Nova, pp. 304-305).
A tradição é um princípio basilar do conceito de autoridade e, por consequência, fundamental para a manutenção da ordem. Esta ideia, categoricamente classificada como conservadora, reaccionária ou mesmo saudosista, neste caso, é, pelo contrário, dinâmica e inovadora. Ouçamos o Autor.
A tradição é permanência, mas é também continuidade, inserção no tempo, logo mudança, processo evolutivo, joeiramento do que é substancial e acessório, perene e caduco. Patenteia em geral duas faces, como a verdade profunda; a realeza, por exemplo, obra prima da sociedade cristã, é comando e serviço.
Num povo a tradição, que conserva e inova, que se opõe, que aguenta, que deflagra, que aguilhoa, que inspira devoções e garante fidelidades, é a prova real da existência. Contra ela, seja na política, seja na arte, nada de grande é possível, nem bom nem justo (in Fernando Amado, “Para uma Política do Entendimento II”, Cidade Nova, p. 113).
Fernando Pessoa, avesso ao Integralismo Lusitano, porventura um tanto equivocado, mas não podendo conhecer a nova vaga integralista, afirmara que “quando o povo perde a tradição, quer dizer que se quebrou o laço social; e quando se quebra o laço social, resulta que se quebra o laço social entre a minoria e o povo. E quando se quebra o laço entre a minoria e o povo, acabam a arte e a verdadeira ciência, cessam as agências principais, de cuja existência a civilização deriva."1. O Poeta defendia um “nacionalismo cosmopolita” e criticava o “nacionalismo tradicionalista”2 característico dos monárquicos integralistas, no entanto, parece dar uma importância idêntica à tradição3.
É interessante referir a distinção que Henrique Barrilaro Ruas faz entre Tradicionalismo e Conservadorismo. Conservador é aquele que se refugia no passado, tendo medo e horror do futuro, “aceita o facto consumado, não apenas como facto, o que seria científico, mas como bem indiscutível”. Ou seja, aceita os factos sem lhe dar um possível novo sentido. O Tradicionalista, pelo contrário, “não apenas aceita cientificamente os factos de observação imediata, como lhes dá um significado superior, pois procura extrair deles um bem que eles não permitiam. Desta forma, alimentando-se do passado, o Integralismo volta-se para o futuro”4.
A hierarquia, princípio harmonizador e sustentáculo da ordem social, é a negação da luta de classes – convicção revolucionária marxista. É a contestação de que o nivelamento igualitário da sociedade possa ser causa de bem-estar social. Por conseguinte, a sua obra constitui uma apologia à “revolução ao contrário”5. Amado cria um conjunto de proposições que reivindicam uma revolução com pressupostos opostos à revolução individualista ou colectivista6. Com isto, afasta-se do movimento contrarevolucionário francês liderado por Charles Maurras1, que toma uma posição violenta contra os movimentos de esquerda que, ao tempo, proliferavam em França.
Para percepcionarmos a importância da hierarquia e, estritamente ligado, da nobreza para o bom desempenho do corpo social, leiamos o Autor.
Repudiamos sim a democracia que se resolve em brigas de partidos, – que nega a hierarquia como elemento informador do escol (nobreza) – que, por artes mágicas, faz sair a autoridade da urna, onde os homens são representados por vagas abstracções numéricas.
Negamos a luta de classes, base, condição e, acima de tudo, arma propagandística de um sistema fechado, interesseiro, catastrófico, inumano. Tomando partido pela colaboração social, pressupomos naturalmente entre os homens faculdades e funções diversas (…), e acreditamos as possibilidades criadoras da hierarquia.
(…)
A nobreza, que se renova pelo povo, vai direito ao povo, ampara, protege (Idem, Estrada Real, p. 183).
A nobreza, segundo Fernando Amado, é e deverá ser uma classe aberta (já Sardinha o afirmara). Todos os que prestem grandes serviços à Pátria, pratiquem feitos honrosos ou, unicamente, dediquem o seu labor com seriedade à corporação ou município, ingressam na nobreza por direito natural, no âmbito da convivência humana. Desta forma, Amado crê num natural reconhecimento, num hipotético comunitarismo, onde vençam a boa vontade e os valores cristãos.
Com efeito, torna-se necessária uma Ordem Nova baseada nestes pressupostos. Onde a ordem seja condição da liberdade; desta forma, a personalidade, a família, o trabalho (expressão da vida social), a corporação (consequente da ordem natural), a nação orgânica, engendram um ambiente de fraternidade. No entanto, para esta empresa são essenciais, do ponto de vista do pensador, a descentralização (regionalização e municipalização), a não interferência do Estado na Corporação e, certamente, um elemento integrador, uma instituição histórica representativa dos valores tradicionais e cristãos – a Realeza.
Na Monarquia “a ordem é a expressão natural e secular da convivência”1. A ordem emana da sua forte autoridade, que, sendo forte, não necessita de empregar a força2 – como acontece nas ditaduras –, pois a sua autoridade provém da História, em suma, “não tendo de conquistar o poder, de que nasce investido, o Rei não tem de usar de manha nem de violência para conservá-lo. O interesse e a honra do Rei identificam-se com o interesse e a honra da Nação”3.
O Rei é assim o primeiro servidor da Nação, sem comprometimentos partidários ou sectários, é o defensor por excelência das legitimas liberdades do povo. Está, por isso, mais apto que ninguém para comandar a diplomacia portuguesa e defender o Império. De supervisionar a Justiça e a Despesa Pública. Porque o “Rei é, no nosso país, o aliado tradicional do povo”4.
Gonçalo Ruas
BIBLIOGRAFIA
I Semana de Estudos Doutrinários – Discursos, Teses, Intervenções, Lisboa, ed. das Semanas de Estudos Doutrinários, 1960.
Amado, Fernando, A 3.ª Posição, Lisboa, Edições GAMA, 1948.
Amado, Fernando, Estrada Real, Lisboa, Edições GAMA, 1943.
Amado, Fernando, Sinais de Campanha, Lisboa, Edições GAMA, 1947.
Amado, Fernando, “Para uma Política da Liberdade”, in Cidade Nova, nº 3, Coimbra, 1950.
Amado Fernando, “Para uma Política do Entendimento II. Semana de Estudos Doutrinários”, in Cidade Nova, nº2 série 6, Coimbra, 1960.
Amado, Fernando, “Maurras e a Monarquia de Amanhã”, in Cidade Nova, nº 2 série 3, Coimbra, 1953.
Amado, Fernando, “Teoria da Representação, itinerário”, in Cidade Nova, nº5 série 4, Coimbra, 1956.
Bernardo Soares, Livro do Desassossego, ed. Richard Zenith, Lisboa, Assírio & Alvim, 1998.
Castro, Fernão Pacheco de, “O Integralismo a Propósito de um Livro” in António Sardinha e o Iberismo, colecção Biblioteca do Pensamento Político, Lisboa, 1974.
Cruz, Duarte Ivo, História do Teatro Português, Lisboa, Editorial Verbo, 2001.
Cruz, Duarte Ivo, “Fernando Amado homem de teatro”, separata Gil Vicente, Guimarães, 1972.
“Diálogo de Almeida Negreiros com Fernando Amado” in Cidade Nova. nº 5 série 6, Coimbra, 1950.
Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português, (org.) Fernando Cabral Martins, Editorial Caminho, 2008.
Enciclopédia Luso-Brasileira Verbo, Padre António Magalhães, “Amado, Fernando”, Lisboa/São Paulo, Editorial Verbo, 1998.
fonte:http://www.realistas.org/modules/news/article.php?storyid=22
Almada Negreiros, Joseph De Maistre, Nietzsche, Tolstoi, Wagner são exemplos de influências eminentes na sua obra.
Breve introdução ao pensamento de Fernando Amado
“Aquele que se intitula democrata encarna hoje em dia o espírito conservador”1
Fernando Amado
Personalidade de múltiplas vocações, dedicou-se ao Teatro, Filosofia Política, Desporto (criou uma tabela olímpica, para classificar as marcas atléticas “que se tornou internacionalmente conhecida e foi adoptada em vários países”2) e, entre outras, à Tradução: publicou três traduções de Giovanni Papini e vários textos de teatro, principalmente para as suas aulas, pois foi professor de Estética Teatral e de Arte Dramática no Conservatório. Formou-se em Ciências Históricas e Geográficas pela Universidade de Lisboa, na década de 20, altura em que se reconheceria no ainda recente Integralismo Lusitano.
A causa monárquica foi sempre sua preocupação central, mas sempre aliada à cultura – alicerce da sua vida. Fernando Alberto da Silva Amado nasceu (1899) e morreu em Lisboa (1968), “aberto às justas e fascinantes chamadas da modernidade”3, viajou pela Europa, deixando-se influenciar, sem, no entanto, ter esquecido a sua portugalidade. Almada Negreiros, Joseph De Maistre, Nietzsche, Tolstoi, Wagner são exemplos de influências eminentes na sua obra.
Neste artigo exploraremos a sua faceta Política, ou melhor, os seus ensaios e textos de Filosofia Política. A única obra publicada como tal foi Estrada Real. Todas as outras fontes usadas foram publicadas em jornais e revistas.
Encontramos, como em toda a sua obra, um tradicionalista aberto à inovação. Existem testemunhos que confirmam esta ideia, tais como, as suas peças de teatro1, o diálogo com Almada Negreiros2 e o artigo do Padre António Magalhães3. De resto, o próprio João Bigotte Chorão assim o qualificou: “um tradicionalista aberto à modernidade”.
Fernando Amado possui uma independência de espírito que não se coaduna com a direita conservadora e reaccionária de muitos apoiantes do Estado Novo, nomeadamente Alfredo Pimenta4. Critica a censura, a disfunção orgânica entre o Poder e o povo, as quiméricas eleições presidenciais do regime autoritário de Oliveira Salazar5. Critica o Estado ideológico, tanto de direita como de esquerda, e refere a necessidade urgente de uma solução fora do sistema, para além de intrigas partidárias e eleitorais6.
Na sua prosa são evidentes as preocupações com a autoridade, liberdade, tradição, ordem e hierarquia, enfim integrando-as com a ideia de Realeza – a única forma de conciliação harmoniosa para Portugal.
A tríade Autoridade-Hierarquia-Ordem constitui o âmago do pensamento político de Fernando Amado. Em seu entender, a hierarquia está estritamente ligada à autoridade e, naturalmente, ambas são indissociáveis da ordem. Assim sendo, parece-nos interessante começar por decompor cada um dos conceitos, à luz do saber de um dos grandes próceres do Integralismo Lusitano1.
Na verdade, autoridade está muito longe de significar autoritarismo, ao invés, é a autêntica expressão da liberdade2, pois não é mais do que a defesa e consagração do Direito de autoria daquele que cria e produz; e, para tal, torna-se imprescindível a História, a Tradição, em suma, a conservação da memória3. Deste modo, a autoridade reveste de sentido: o indivíduo, preservando a personalidade; a corporação, expressão da profissão; e a nação, prova da herança histórica de uma civilização.
Não há autoridade sem autor, muito menos autoria sem liberdade (por exemplo, direito de propriedade privada). Assim, Amado reivindica a consagração não da Liberdade mas das liberdades, individuais e colectivas, isto é, da liberdade moral e de pensamento (de culto, de expressão, de imprensa, etc.) e das liberdades orgânicas, ou seja: profissionais, defendidas no âmbito das corporações; municipais, “que a história tão profundamente vincou” e em “cuja fisionomia realçará o traço familiar”; provinciais, marcadas pelas tradições regionais e, por fim, nacionais, “representadas em magna Assembleia pelas aristocracias do trabalho e da inteligência”1. No entanto, o interesse comum deve sobrepor-se ao privado. Embora existam e devam existir vontades várias e opostas, ainda assim, através da razão humana, sobrevêm o consenso e a concórdia.
A doutrina do Integralismo Lusitano não se refere à restauração de passado – do antigo regime. Fernando Amado consciente da crise de valores ao longo da História, principalmente a partir da Revolução Francesa (1789), não abdica do desejo de restauração. Por isso, invoca os novos desafios da contemporaneidade.
Diz em artigo publicado na revista Cidade Nova2.
Projecto de elaboração, no clima actual, duma verdadeira república portuguesa:
— Necessidade prévia de escolher entre democracia (na acepção rigorosa de sistema político em que a única fonte do poder é o sufrágio universal) e república (que, alheia a formas de governo, reclama para todos o direito à participação política e fruição do bem comum).
(...)
— Autoridade e serviço público. Autoridade e consenso. A autoridade régia é, como toda a autêntica, de natureza comunitária. Não é fruto de conquista, mas condição do viver em comum.
— A monarquia não requer, para ser levantada de novo as categorias medievais. A noção de classe hoje é outra. Há velhas hierarquias que seriam no nosso tempo letra morta. Mas as autonomias orgânicas, reconhecidas ou não, atestam fecundas permanências.
(…)
— No quadro do nosso regime tradicional, a representação não implica problema insolúvel. Refutando a tese angustiosa de Rousseau, concluiremos pacatamente, de português para português: A soberania pode ser representada. (in Fernando Amado, “Teoria da Representação, itinerário”, Cidade Nova, pp. 304-305).
A tradição é um princípio basilar do conceito de autoridade e, por consequência, fundamental para a manutenção da ordem. Esta ideia, categoricamente classificada como conservadora, reaccionária ou mesmo saudosista, neste caso, é, pelo contrário, dinâmica e inovadora. Ouçamos o Autor.
A tradição é permanência, mas é também continuidade, inserção no tempo, logo mudança, processo evolutivo, joeiramento do que é substancial e acessório, perene e caduco. Patenteia em geral duas faces, como a verdade profunda; a realeza, por exemplo, obra prima da sociedade cristã, é comando e serviço.
Num povo a tradição, que conserva e inova, que se opõe, que aguenta, que deflagra, que aguilhoa, que inspira devoções e garante fidelidades, é a prova real da existência. Contra ela, seja na política, seja na arte, nada de grande é possível, nem bom nem justo (in Fernando Amado, “Para uma Política do Entendimento II”, Cidade Nova, p. 113).
Fernando Pessoa, avesso ao Integralismo Lusitano, porventura um tanto equivocado, mas não podendo conhecer a nova vaga integralista, afirmara que “quando o povo perde a tradição, quer dizer que se quebrou o laço social; e quando se quebra o laço social, resulta que se quebra o laço social entre a minoria e o povo. E quando se quebra o laço entre a minoria e o povo, acabam a arte e a verdadeira ciência, cessam as agências principais, de cuja existência a civilização deriva."1. O Poeta defendia um “nacionalismo cosmopolita” e criticava o “nacionalismo tradicionalista”2 característico dos monárquicos integralistas, no entanto, parece dar uma importância idêntica à tradição3.
É interessante referir a distinção que Henrique Barrilaro Ruas faz entre Tradicionalismo e Conservadorismo. Conservador é aquele que se refugia no passado, tendo medo e horror do futuro, “aceita o facto consumado, não apenas como facto, o que seria científico, mas como bem indiscutível”. Ou seja, aceita os factos sem lhe dar um possível novo sentido. O Tradicionalista, pelo contrário, “não apenas aceita cientificamente os factos de observação imediata, como lhes dá um significado superior, pois procura extrair deles um bem que eles não permitiam. Desta forma, alimentando-se do passado, o Integralismo volta-se para o futuro”4.
A hierarquia, princípio harmonizador e sustentáculo da ordem social, é a negação da luta de classes – convicção revolucionária marxista. É a contestação de que o nivelamento igualitário da sociedade possa ser causa de bem-estar social. Por conseguinte, a sua obra constitui uma apologia à “revolução ao contrário”5. Amado cria um conjunto de proposições que reivindicam uma revolução com pressupostos opostos à revolução individualista ou colectivista6. Com isto, afasta-se do movimento contrarevolucionário francês liderado por Charles Maurras1, que toma uma posição violenta contra os movimentos de esquerda que, ao tempo, proliferavam em França.
Para percepcionarmos a importância da hierarquia e, estritamente ligado, da nobreza para o bom desempenho do corpo social, leiamos o Autor.
Repudiamos sim a democracia que se resolve em brigas de partidos, – que nega a hierarquia como elemento informador do escol (nobreza) – que, por artes mágicas, faz sair a autoridade da urna, onde os homens são representados por vagas abstracções numéricas.
Negamos a luta de classes, base, condição e, acima de tudo, arma propagandística de um sistema fechado, interesseiro, catastrófico, inumano. Tomando partido pela colaboração social, pressupomos naturalmente entre os homens faculdades e funções diversas (…), e acreditamos as possibilidades criadoras da hierarquia.
(…)
A nobreza, que se renova pelo povo, vai direito ao povo, ampara, protege (Idem, Estrada Real, p. 183).
A nobreza, segundo Fernando Amado, é e deverá ser uma classe aberta (já Sardinha o afirmara). Todos os que prestem grandes serviços à Pátria, pratiquem feitos honrosos ou, unicamente, dediquem o seu labor com seriedade à corporação ou município, ingressam na nobreza por direito natural, no âmbito da convivência humana. Desta forma, Amado crê num natural reconhecimento, num hipotético comunitarismo, onde vençam a boa vontade e os valores cristãos.
Com efeito, torna-se necessária uma Ordem Nova baseada nestes pressupostos. Onde a ordem seja condição da liberdade; desta forma, a personalidade, a família, o trabalho (expressão da vida social), a corporação (consequente da ordem natural), a nação orgânica, engendram um ambiente de fraternidade. No entanto, para esta empresa são essenciais, do ponto de vista do pensador, a descentralização (regionalização e municipalização), a não interferência do Estado na Corporação e, certamente, um elemento integrador, uma instituição histórica representativa dos valores tradicionais e cristãos – a Realeza.
Na Monarquia “a ordem é a expressão natural e secular da convivência”1. A ordem emana da sua forte autoridade, que, sendo forte, não necessita de empregar a força2 – como acontece nas ditaduras –, pois a sua autoridade provém da História, em suma, “não tendo de conquistar o poder, de que nasce investido, o Rei não tem de usar de manha nem de violência para conservá-lo. O interesse e a honra do Rei identificam-se com o interesse e a honra da Nação”3.
O Rei é assim o primeiro servidor da Nação, sem comprometimentos partidários ou sectários, é o defensor por excelência das legitimas liberdades do povo. Está, por isso, mais apto que ninguém para comandar a diplomacia portuguesa e defender o Império. De supervisionar a Justiça e a Despesa Pública. Porque o “Rei é, no nosso país, o aliado tradicional do povo”4.
Gonçalo Ruas
BIBLIOGRAFIA
I Semana de Estudos Doutrinários – Discursos, Teses, Intervenções, Lisboa, ed. das Semanas de Estudos Doutrinários, 1960.
Amado, Fernando, A 3.ª Posição, Lisboa, Edições GAMA, 1948.
Amado, Fernando, Estrada Real, Lisboa, Edições GAMA, 1943.
Amado, Fernando, Sinais de Campanha, Lisboa, Edições GAMA, 1947.
Amado, Fernando, “Para uma Política da Liberdade”, in Cidade Nova, nº 3, Coimbra, 1950.
Amado Fernando, “Para uma Política do Entendimento II. Semana de Estudos Doutrinários”, in Cidade Nova, nº2 série 6, Coimbra, 1960.
Amado, Fernando, “Maurras e a Monarquia de Amanhã”, in Cidade Nova, nº 2 série 3, Coimbra, 1953.
Amado, Fernando, “Teoria da Representação, itinerário”, in Cidade Nova, nº5 série 4, Coimbra, 1956.
Bernardo Soares, Livro do Desassossego, ed. Richard Zenith, Lisboa, Assírio & Alvim, 1998.
Castro, Fernão Pacheco de, “O Integralismo a Propósito de um Livro” in António Sardinha e o Iberismo, colecção Biblioteca do Pensamento Político, Lisboa, 1974.
Cruz, Duarte Ivo, História do Teatro Português, Lisboa, Editorial Verbo, 2001.
Cruz, Duarte Ivo, “Fernando Amado homem de teatro”, separata Gil Vicente, Guimarães, 1972.
“Diálogo de Almeida Negreiros com Fernando Amado” in Cidade Nova. nº 5 série 6, Coimbra, 1950.
Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português, (org.) Fernando Cabral Martins, Editorial Caminho, 2008.
Enciclopédia Luso-Brasileira Verbo, Padre António Magalhães, “Amado, Fernando”, Lisboa/São Paulo, Editorial Verbo, 1998.
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terça-feira, outubro 13, 2009
De profundis, por António Lobo Antunes
Para quem pensam que escreve o imbecil desamparado? Para as lágrimas de um homem pela agonia do filho, para uma mulher a caminhar diariamente quilómetros na esperança de que Deus o curasse. No jazigo dos meus avós lê-se
Ao nosso Antoninho
e, de vez em quando, vou lá às escondidas. Podem pensar na minha cretinice, não me rala, sinto-me bem junto deles. Os meus livros são isso: as lágrimas daquele homem, os passos daquela mulher.
sexta-feira, outubro 09, 2009
Até quando?
CARTA DO CANADÁ
Fernanda Leitão
Conhecidos os resultados das eleições legislativas na emigração, penso serem oportunas algumas reflexões.
No que ao Canadá diz respeito, a abstenção, para não variar, foi de 92 por cento. O vencedor dos 8 por cento restantes, foi o PSD na pessoa de José Cesário.
Começo por perguntar se o eleito tem legitimidade e representatividade para desempenhar o cargo. Em relação aos emigrantes, não tem, porque a esmagadora maioria o ignorou e vai continuar a ignorar. Em relação ao seu interesse pessoal (que é o de manter o tacho parlamentar) e ao do partido a que pertence (que usará essa vitória risível como uma bandeira), na boa lógica deste regime corrupto e decadente, é claro que vai poder representar a farsa de estar, em Lisboa, muito preocupado com os problemas dos que, a milhares de quilómetros, trabalham a sério e, através de impostos que pagam em Portugal, o sustentam e à sua mediocridade, à sua desfaçatez.
Passo a lembrar a quem me lê que José Cesário, fraco professor que trepou para a política, foi secretário de estado das Comunidades e pintou a manta em terras canadianas. Padrinho encartado de oportunistas amesendados no PSD local, a certa altura bandeou-se com um padre que andava fora da graça de Deus, a sul do Ontário, e logo a igreja onde era pároco se transformou em sede partidária, com toda a rebalderia inerente. Teve o bispo daquela diocese de lhes sair ao caminho e de aplicar ao padre tresmalhado uma transferência com tal sabor a castigo que, anos passados, o cura está remetido ao mais profundo silêncio. Foi tiro e queda. Cesário foi, portanto, protagonista de um caso de aliciamento, Deus sabe com que promessas à conta do estado português. Uma delas foi fazer do padre cônsul honorário, facécia que o governo PS teve de corrigir.
Aqui chegados, penso dever perguntar porque é que o PSD, certamente informado de tudo isto, entendeu insultar os portugueses residentes no Canadá ao impor-lhe mais do mesmo. Porque é um insulto a inclusão deste homem nas listas de candidatos, ainda por cima em lugar susceptível de ganhar, como aconteceu.
Em todo o caso, devo registar que o candidato do PS, um açoriano, não ganhou, e esse facto se deveu à abstenção dos açorianos que, nesta comunidade, rondam os 90 por cento. A mobilização dos eleitores devia ter sido um dever da Casa dos Açores, dever que não cumpriu. E aqui cumpre dizer que nem eu, nem a maior parte dos portugueses por aqui, estamos interessados no partido tal ou tal. Votamos em pessoas, como já acontece nas autárquicas em Portugal e, cada vez mais, nas legislativas e presidenciais. Portanto, bastava ter aparecido o nome de José Cesário para, de imediato, a Casa dos Açores se ter sentido na obrigação de promover um outro candidato, de modo a poupar-nos esta vergonha.
Não foi assim e por isso continuamos a ter de sustentar militantes partidários de torna-viagem, que fizeram da política o seu ganha-pão por falta de melhor competência e nos aparecem por cá, de anos a anos, como milhafres de bico afiado. Se este sistema eleitoral continuar por mais uns anos, Portugal vai por completo perder as suas comunidades no estrangeiro. Os emigrantes querem estar representados no parlamento português, mas por deputados seus, das suas comunidades, eleitos livremente por elas, e não por pessoas que não têm nada a ver connosco e não passam de tristes marionetas da mais abjecta partidocracia.
...
terça-feira, outubro 06, 2009
A República morre pela traição burguesa
A Traição burguesa no caminho da história
Francisco Rolão Preto
O primeiro espírito de traição burguesa sopra bem longe nos confins dos tempos quando a civilização humana que nascera nos Deltas fecundos e crescera no embalar das águas genésicas dos grandes rios, ensaiava os primeiros passos na terra sagrada do Egipto.
Bubastes, Hermopólis, Atríbis, Busíris, Letopólis... Viram bem cedo surgir dentro dos seus muros, e como um bolor alastrar e corromper a consciência virginal dos homens, o espírito do mal burguês, que se alimentava do suor e do sangue de quantos subiram o Nilo até aos confins da Núbia, à procura do marfim, do ébano e do oiro para logradoiro da ganância alheia.
Cedo também é esse sopro maléfico que segreda aos sacerdotes de Osíris ou de Ámon as solicitações de riqueza, tornando uma classe que era poderoso motor vital do país no entrave permanente a todos os grandes esforços que procuram assegurar ao Egipto a sua marcha na História.
E assim dos Faraós das velhas dinastias aos Thotomés e Ramsés do Egipto restaurado, bem como à Era dos Ptolomeus, um longo rasto de lutas, intrigas, pactos com o invasor, assinala a acção dessa classe sacerdotal que um impulso de ambição sem limites conduz, até mesmo nos lances cruciais da vida do povo egípcio. Por ser este o mais poderoso índice da traição do espírito burguês naquele tempo, não era porém a única. A burguesia capitalista propriamente dita, enriquecida pelo comércio marítimo, logo se mostra e mantém oligarquia opressora, especuladora e avara, que em todas as crises graves ajuda a escravizar o país, feudalizando-o e atraiçoando-o tanto como o clero.
É aqui, neste «clima» do Egipto, que os judeus de Jacó se contaminam da ganância burguesa, demudando-se este povo primitivo de pastores de gado, de que fala a Bíblia, em mercadores de tal maneira especuladores que se tornam um quisto para o País, obrigando o Faraó a persegui-los.
Assim soprava o espírito burguês no Egipto.
Mas, já então, na Grécia, essa terra singular onde a consciência humana floresceu nos prodígios de uma revelação nunca mais excedida em claridade e graça - na Grécia onde a sabedoria de Sólon e o génio de Péricles ordenavam instituições, onde Aristóteles e Platão disciplinavam os sentimentos - onde Demóstenes descobria o génio alado das palavras e Fídias descortinava a beleza mística das formas - já então, nessa divina Grécia, como num belo fruto, a traição do bicho que a mina e decompõe - o mal burguês - mesquinhez, susceptibilidade, visão rasteira, inveja, dispersão e ganância - corroía e envenenava os destinos gregos.
Toda a história da Grécia é o testemunho dessa traição que incessantemente renova ou promove rivalidades fatais entre cidades e ligas, numa persistência alucinante e mesmo diante da ameaça bárbara da Ásia ou da Macedónia.
Hípias, ateniense, alia-se com Dario contra Atenas; Demarate, espartano, faz o mesmo contra Esparta; a cidade de Corinto joga na perda de Mileto, como Argos joga na perda de Esparta e Egino na perda de Atenas... O mesmo sucede quando é Filipe quem se propõe dominar o mundo grego. Com efeito, nas cidades gregas divididas, o partido do oiro favorece decididamente o invasor e a Macedónia, apesar de Demóstenes, triunfa.
A traição burguesa está no fundo de todos os desastres do mundo grego, porque é bem o seu espírito que governa as cidades, dita os costumes e orienta os destinos... É ela, evidentemente, quem desvia Atenas de realizar a sua vocação helénica, pela visão de estreito exclusivismo que sempre dominou a cidade perante os povos que de fora a cobiçam, quando os não tinha em suas mãos por lei da guerra. Jamais, nem mesmo com Demóstenes, ela consegue ultrapassar o estreito horizonte do seu ideal de cidade livre, cidade insolidária com os destinos do mundo que a rodeava, cabeça hegemónica e beneficiária, porventura, em qualquer liga efémera das cidades, mas não cidade-mãe, centro-motor de energias imperiais, mão benéfica dispensadora da equidade para quantos topava em seu caminho. Pelo contrário, sempre a dominou o critério de uma motora de negócios ou pertinaz exploradora de indústrias, para quem o verdadeiro mundo era o circuito estreito do seu burgo e para quem os outros homens só em verdade podiam interessar como tristes e míseros escravos.
E é assim que a Liga Achaia condena Cleómene e esmaga a revolução que visava abater o capitalismo; é assim que Agis paga com a vida a sua ousadia de ter abolido as dívidas...
Gente ciosa das suas regalias de cidadãos e capaz de aplaudir Sófocles, mas incapaz de outorgar essas regalias seja a quem for. Anaxágoras não hesita em condenar e fazer beber cicuta a Sócrates...
Um pensamento, porventura, dentre o pensamento grego, pôde exprimir o conceito de vida burguesa daquele tempo e de todos os tempos: é o pensamento de Epicuro.
Epicuro é a expressão suprema da moral burguesa, materialista e egocêntrica; é fundamentada no desejo de encontrar a felicidade - doa a quem doer - dentro dos limites rasteiros e moderados em que não surgem duras contrariedades, e refractária por isso a grandes voos sobre largos horizontes, onde esbarra com a «sabedoria» e a «prudência» do seu próprio egoísmo.
Não está aqui pintada toda a paisagem moral de uma traição que sacrifica à sua «virtude» toda a grandeza do Homem, toda a grandeza da Comunidade, toda a grandeza do vasto Mundo Humano?
Ao contrário da Grécia, Roma nasce, cresce e caminha sob o signo da «terra» - todas as virtudes próprias da aristocracia, das classes médias e da plebe são temperadas no apelo da gleba...
A vocação de Roma é pois, em primeiro lugar, a Conquista, a extensão territorial, a base forte assente na «terra» forte; depois, o mar, como segurança ainda da terra; e só por último o mar como meio de expansão comercial e hegemonia imperial.
Enquanto na Grécia, a não ser Esparta, todas as cidades nasceram ribeirinhas ao mar, e para o mar naturalmente voltadas no seu sonho de expressão mercantil, Roma alicerça-se no interior, no alto de sete colinas, não tem porto natural, e traduz a intenção de uma associação de interesses e aspirações rurais que só na terra apoiavam o seu destino.
Nascidas sob signos tão diversos, bem diverso teria de ser o sentido da sua vocação histórica. A Grécia, encontrando no desenvolvimento da sua evolução económica as reacções da sua evolução social e política, mostra-se naturalmente mercantil e dispersa, sob o comando de uma burguesia rica e gananciosa. Roma, mesmo quando se desenvolve a ponto de abraçar todo o Mediterrâneo, mantém uma convergência, se não uma unidade essencial, o que é o sinal de um limite imposto às ambições, dispersivas e sem tino, de quantos não conseguem antepor o interesse geral ao interesse de cada um.
E, no entanto, Roma bem depressa significa o triunfo das classes médias, o habeas corpus, o direito e a liberdade dos cidadãos, alargando-se a todos e estendia a sua conquista do mundo.
Roma, república popular, suprime a servidão por dívidas, vence a aristocracia, estabelece a igualdade jurídica, organiza um exército de cidadãos. Roma é o primeiro império em que o povo toma consciência de si mesmo.
Democracia e meia fortuna tornam-se sinónimos; os muito ricos perdem pouco a pouco a sua influência política.
Eis, porém, que a Nobreza solicita e obtém o apoio da Burguesia contra as pressões do Povo. Esta primeira traição vai alterar, para todo o sempre, a evolução das instituições romanas.
Pouco a pouco a burguesia passa a ter características capitalistas; e o Senado, dominado por uma oligarquia, sobretudo depois de Canas e das guerras púnicas, seduz em seu proveito a influência do Povo. Roma é já então um centro poderoso de especulação comercial. A traição burguesa surge assim na febre com que a pequena e média fortuna rural trocam o brasão do seu ruralismo pela ganância cómoda das «acções» e do jogo da bolsa.
A República, exactamente porque liberal e universalista, menos armada estava então para se defender da traição capitalista, que não só absorveu rapidamente toda a fortuna romana e imperial, mas também depressa começou a dominar as próprias instituições, servindo-se delas como instrumento dos seus desígnios.
Como sempre, o capitalismo já então se serviu do seu melhor instrumento, que é a guerra, para realizar esses fins. A guerra, com todo o cortejo de especulações na sua preparação, de especulações nos serviços que a mantinham e de especulações nos lucros que ela comportava em escravos e espólio de vencidos - tal foi na verdade o signo sob o qual a sociedade capitalista romana lançou a república pelo caminho de novos destinos.
Ficou célebre a resposta de Catão ao Senado: a guerra pagará a guerra.
Agora Roma, sob a tutela e impulso da oligarquia financeira que a subjuga em absoluto, não é mais do que um povo de rapina sem quaisquer escrúpulos, afogando no sangue a Sardenha, a Macedónia, a Ilíria, para que não surgisse estorvo à plena posse das minas, do comércio e de toda a riqueza que suscitasse cobiças. Da Grécia, onde Perseu sai imolado à febre capitalista romana, até ao Egipto, a Loba austera e generosa passa a hiena insociável, por dura.
Entretanto, o mesmo clima do brutal domínio da Riqueza inspira e orienta as instituições de Roma. As classes médias liquidam totalmente, as massas rurais são contidas e impossibilitadas de obter a terra, que o seu suor fecundava. A tirania do capitalismo por toda a parte as vai esmagando...
A guerra civil e a revolta dos escravos surgem, então, como um aviso.
Caius Grachus é o primeiro tribuno que cai vítima da traição burguesa - assassinado por querer fazer triunfar a justiça.
Drusus, que tenta imitá-lo, tem a mesma sorte.
Mário encabeça a reacção popular, um momento vitoriosa; mas Sila, salvador da ordem burguesa, elaborando fria e inabalavelmente listas de condenados no próprio banquete do triunfo, chega por seu turno, para logo um dia desaparecer no mistério de uma abdicação que parece um remorso.
Espártaco ergue a bandeira dos escravos, outra vez revoltados e outra vez esmagados pela burguesia capitalista, que em Crassus, o riquíssimo Crassus, encontra o algoz que, para salvar os seus privilégios, deixa na História um largo rasto de sangue.
Eis os massacres da Sicília, os massacres de Mário, os massacres de Sila...
O sangue que corre durante o triunvirato é o que sela as lutas do Senado com os Césares. Eis o sangue que rompe do peito de César pela mão assassina de Bruto - desse Bruto que a história burguesa nos pinta como um austero salvador da República, aquele que brande o punhal em nome das liberdades espezinhadas pelo tirano, e que afinal não passa de um mandatário da burguesia capitalista, de um usurário de Salamina, de um defensor das regalias burguesas, a quem o poder de César limitava a extensão gananciosa.
Assim, o povo romano acaba por se divorciar das instituições republicanas, que as traições da burguesia converteram em instrumento de uma oligarquia capitalista e cosmopolita que o oprime e apela para a autoridade libertadora dos Césares, apoio das suas reivindicações sociais e políticas, restituidores das terras e da liberdade perdida.
A República morre pela traição burguesa.
Mas pela traição burguesa mostra-se logo contaminado o próprio Império. Debalde a voz eloquente de Cícero se ergue num protesto de inteligência e de humanismo, desenhando o perfil austero e sereno da República «guardiã de lei, mãe generosa, de universal grandeza e universal justiça... Edifício perfeito e forte construído pela clara metafísica para escalada segura do Direito das Gentes». Ninguém o escuta. A batalha dos interesses sem limites, de especulação sem freio, não tarda em reacender-se. Indiferente a Cícero, ignorando Lucrécio, numa luta sem tréguas, outro aspecto de traição surgiu, ameaça bem evidente para a própria integridade de Roma. A especulação capitalista, dividindo-se em duas correntes, a Continental e a Oriental, foi o ponto de partida da divisão futura do Império.
A traição capitalista não dá entretanto descanso aos Césares e assim, apesar de todos os massacres de Tibério, é ela que assassina Calígula e é ela quem se apodera definitivamente de toda a riqueza do Império: toda a indústria e toda a terra.
E assim, falhada a última tentativa de equilíbrio de forças entre os Imperadores e a oligarquia burguesa, falhada a tentativa de Séneca, a Roma só restaram dois caminhos: a tirania asfixiante do capitalismo ou a tirania dura do Cesarismo.
Por vezes César não foi mais do que um mandatário da tirania burguesa, um aventureiro que a sorte escolheu no jogo das aventuras militares que retalhavam o Império; outras, César foi o aristocrata implacável, que apoiava no povo, e só no povo, o seu domínio. De ditadura em ditadura, de reacção em reacção, o Estatismo tornou-se de cada vez mais um imperativo dos tempos, dominando tudo, intervindo em toda a parte, esmagando as últimas liberdades, vencendo as derradeiras resistências da plebe romana.
Por fim, a última traição da burguesia, foi a traição da sua cumplicidade com os invasores, os Bárbaros, o último recurso contra César. E os Bárbaros destruindo o Templo, não pouparam quem lhes ficou sepultado debaixo das ruínas trágicas.
(In A Traição Burguesa, Lisboa, 1945; Capítulo I)
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Integralismo Lusitano
segunda-feira, outubro 05, 2009
Casamento Real
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