domingo, outubro 18, 2009

Fernando Amado

Fernando Alberto da Silva Amado nasceu (1899) e morreu em Lisboa (1968), “aberto às justas e fascinantes chamadas da modernidade”1, viajou pela Europa, deixando-se influenciar, sem, no entanto, ter esquecido a sua portugalidade.

Almada Negreiros, Joseph De Maistre, Nietzsche, Tolstoi, Wagner são exemplos de influências eminentes na sua obra.

Breve introdução ao pensamento de Fernando Amado


“Aquele que se intitula democrata encarna hoje em dia o espírito conservador”1
Fernando Amado

Personalidade de múltiplas vocações, dedicou-se ao Teatro, Filosofia Política, Desporto (criou uma tabela olímpica, para classificar as marcas atléticas “que se tornou internacionalmente conhecida e foi adoptada em vários países”2) e, entre outras, à Tradução: publicou três traduções de Giovanni Papini e vários textos de teatro, principalmente para as suas aulas, pois foi professor de Estética Teatral e de Arte Dramática no Conservatório. Formou-se em Ciências Históricas e Geográficas pela Universidade de Lisboa, na década de 20, altura em que se reconheceria no ainda recente Integralismo Lusitano.
A causa monárquica foi sempre sua preocupação central, mas sempre aliada à cultura – alicerce da sua vida. Fernando Alberto da Silva Amado nasceu (1899) e morreu em Lisboa (1968), “aberto às justas e fascinantes chamadas da modernidade”3, viajou pela Europa, deixando-se influenciar, sem, no entanto, ter esquecido a sua portugalidade. Almada Negreiros, Joseph De Maistre, Nietzsche, Tolstoi, Wagner são exemplos de influências eminentes na sua obra.
Neste artigo exploraremos a sua faceta Política, ou melhor, os seus ensaios e textos de Filosofia Política. A única obra publicada como tal foi Estrada Real. Todas as outras fontes usadas foram publicadas em jornais e revistas.

Encontramos, como em toda a sua obra, um tradicionalista aberto à inovação. Existem testemunhos que confirmam esta ideia, tais como, as suas peças de teatro1, o diálogo com Almada Negreiros2 e o artigo do Padre António Magalhães3. De resto, o próprio João Bigotte Chorão assim o qualificou: “um tradicionalista aberto à modernidade”.
Fernando Amado possui uma independência de espírito que não se coaduna com a direita conservadora e reaccionária de muitos apoiantes do Estado Novo, nomeadamente Alfredo Pimenta4. Critica a censura, a disfunção orgânica entre o Poder e o povo, as quiméricas eleições presidenciais do regime autoritário de Oliveira Salazar5. Critica o Estado ideológico, tanto de direita como de esquerda, e refere a necessidade urgente de uma solução fora do sistema, para além de intrigas partidárias e eleitorais6.

Na sua prosa são evidentes as preocupações com a autoridade, liberdade, tradição, ordem e hierarquia, enfim integrando-as com a ideia de Realeza – a única forma de conciliação harmoniosa para Portugal.
A tríade Autoridade-Hierarquia-Ordem constitui o âmago do pensamento político de Fernando Amado. Em seu entender, a hierarquia está estritamente ligada à autoridade e, naturalmente, ambas são indissociáveis da ordem. Assim sendo, parece-nos interessante começar por decompor cada um dos conceitos, à luz do saber de um dos grandes próceres do Integralismo Lusitano1.
Na verdade, autoridade está muito longe de significar autoritarismo, ao invés, é a autêntica expressão da liberdade2, pois não é mais do que a defesa e consagração do Direito de autoria daquele que cria e produz; e, para tal, torna-se imprescindível a História, a Tradição, em suma, a conservação da memória3. Deste modo, a autoridade reveste de sentido: o indivíduo, preservando a personalidade; a corporação, expressão da profissão; e a nação, prova da herança histórica de uma civilização.

Não há autoridade sem autor, muito menos autoria sem liberdade (por exemplo, direito de propriedade privada). Assim, Amado reivindica a consagração não da Liberdade mas das liberdades, individuais e colectivas, isto é, da liberdade moral e de pensamento (de culto, de expressão, de imprensa, etc.) e das liberdades orgânicas, ou seja: profissionais, defendidas no âmbito das corporações; municipais, “que a história tão profundamente vincou” e em “cuja fisionomia realçará o traço familiar”; provinciais, marcadas pelas tradições regionais e, por fim, nacionais, “representadas em magna Assembleia pelas aristocracias do trabalho e da inteligência”1. No entanto, o interesse comum deve sobrepor-se ao privado. Embora existam e devam existir vontades várias e opostas, ainda assim, através da razão humana, sobrevêm o consenso e a concórdia.
A doutrina do Integralismo Lusitano não se refere à restauração de passado – do antigo regime. Fernando Amado consciente da crise de valores ao longo da História, principalmente a partir da Revolução Francesa (1789), não abdica do desejo de restauração. Por isso, invoca os novos desafios da contemporaneidade.
Diz em artigo publicado na revista Cidade Nova2.


Projecto de elaboração, no clima actual, duma verdadeira república portuguesa:

— Necessidade prévia de escolher entre democracia (na acepção rigorosa de sistema político em que a única fonte do poder é o sufrágio universal) e república (que, alheia a formas de governo, reclama para todos o direito à participação política e fruição do bem comum).
(...)
— Autoridade e serviço público. Autoridade e consenso. A autoridade régia é, como toda a autêntica, de natureza comunitária. Não é fruto de conquista, mas condição do viver em comum.
— A monarquia não requer, para ser levantada de novo as categorias medievais. A noção de classe hoje é outra. Há velhas hierarquias que seriam no nosso tempo letra morta. Mas as autonomias orgânicas, reconhecidas ou não, atestam fecundas permanências.
(…)
— No quadro do nosso regime tradicional, a representação não implica problema insolúvel. Refutando a tese angustiosa de Rousseau, concluiremos pacatamente, de português para português: A soberania pode ser representada. (in Fernando Amado, “Teoria da Representação, itinerário”, Cidade Nova, pp. 304-305).

A tradição é um princípio basilar do conceito de autoridade e, por consequência, fundamental para a manutenção da ordem. Esta ideia, categoricamente classificada como conservadora, reaccionária ou mesmo saudosista, neste caso, é, pelo contrário, dinâmica e inovadora. Ouçamos o Autor.

A tradição é permanência, mas é também continuidade, inserção no tempo, logo mudança, processo evolutivo, joeiramento do que é substancial e acessório, perene e caduco. Patenteia em geral duas faces, como a verdade profunda; a realeza, por exemplo, obra prima da sociedade cristã, é comando e serviço.
Num povo a tradição, que conserva e inova, que se opõe, que aguenta, que deflagra, que aguilhoa, que inspira devoções e garante fidelidades, é a prova real da existência. Contra ela, seja na política, seja na arte, nada de grande é possível, nem bom nem justo (in Fernando Amado, “Para uma Política do Entendimento II”, Cidade Nova, p. 113).

Fernando Pessoa, avesso ao Integralismo Lusitano, porventura um tanto equivocado, mas não podendo conhecer a nova vaga integralista, afirmara que “quando o povo perde a tradição, quer dizer que se quebrou o laço social; e quando se quebra o laço social, resulta que se quebra o laço social entre a minoria e o povo. E quando se quebra o laço entre a minoria e o povo, acabam a arte e a verdadeira ciência, cessam as agências principais, de cuja existência a civilização deriva."1. O Poeta defendia um “nacionalismo cosmopolita” e criticava o “nacionalismo tradicionalista”2 característico dos monárquicos integralistas, no entanto, parece dar uma importância idêntica à tradição3.
É interessante referir a distinção que Henrique Barrilaro Ruas faz entre Tradicionalismo e Conservadorismo. Conservador é aquele que se refugia no passado, tendo medo e horror do futuro, “aceita o facto consumado, não apenas como facto, o que seria científico, mas como bem indiscutível”. Ou seja, aceita os factos sem lhe dar um possível novo sentido. O Tradicionalista, pelo contrário, “não apenas aceita cientificamente os factos de observação imediata, como lhes dá um significado superior, pois procura extrair deles um bem que eles não permitiam. Desta forma, alimentando-se do passado, o Integralismo volta-se para o futuro”4.
A hierarquia, princípio harmonizador e sustentáculo da ordem social, é a negação da luta de classes – convicção revolucionária marxista. É a contestação de que o nivelamento igualitário da sociedade possa ser causa de bem-estar social. Por conseguinte, a sua obra constitui uma apologia à “revolução ao contrário”5. Amado cria um conjunto de proposições que reivindicam uma revolução com pressupostos opostos à revolução individualista ou colectivista6. Com isto, afasta-se do movimento contrarevolucionário francês liderado por Charles Maurras1, que toma uma posição violenta contra os movimentos de esquerda que, ao tempo, proliferavam em França.
Para percepcionarmos a importância da hierarquia e, estritamente ligado, da nobreza para o bom desempenho do corpo social, leiamos o Autor.

Repudiamos sim a democracia que se resolve em brigas de partidos, – que nega a hierarquia como elemento informador do escol (nobreza) – que, por artes mágicas, faz sair a autoridade da urna, onde os homens são representados por vagas abstracções numéricas.
Negamos a luta de classes, base, condição e, acima de tudo, arma propagandística de um sistema fechado, interesseiro, catastrófico, inumano. Tomando partido pela colaboração social, pressupomos naturalmente entre os homens faculdades e funções diversas (…), e acreditamos as possibilidades criadoras da hierarquia.
(…)
A nobreza, que se renova pelo povo, vai direito ao povo, ampara, protege (Idem, Estrada Real, p. 183).

A nobreza, segundo Fernando Amado, é e deverá ser uma classe aberta (já Sardinha o afirmara). Todos os que prestem grandes serviços à Pátria, pratiquem feitos honrosos ou, unicamente, dediquem o seu labor com seriedade à corporação ou município, ingressam na nobreza por direito natural, no âmbito da convivência humana. Desta forma, Amado crê num natural reconhecimento, num hipotético comunitarismo, onde vençam a boa vontade e os valores cristãos.
Com efeito, torna-se necessária uma Ordem Nova baseada nestes pressupostos. Onde a ordem seja condição da liberdade; desta forma, a personalidade, a família, o trabalho (expressão da vida social), a corporação (consequente da ordem natural), a nação orgânica, engendram um ambiente de fraternidade. No entanto, para esta empresa são essenciais, do ponto de vista do pensador, a descentralização (regionalização e municipalização), a não interferência do Estado na Corporação e, certamente, um elemento integrador, uma instituição histórica representativa dos valores tradicionais e cristãos – a Realeza.
Na Monarquia “a ordem é a expressão natural e secular da convivência”1. A ordem emana da sua forte autoridade, que, sendo forte, não necessita de empregar a força2 – como acontece nas ditaduras –, pois a sua autoridade provém da História, em suma, “não tendo de conquistar o poder, de que nasce investido, o Rei não tem de usar de manha nem de violência para conservá-lo. O interesse e a honra do Rei identificam-se com o interesse e a honra da Nação”3.
O Rei é assim o primeiro servidor da Nação, sem comprometimentos partidários ou sectários, é o defensor por excelência das legitimas liberdades do povo. Está, por isso, mais apto que ninguém para comandar a diplomacia portuguesa e defender o Império. De supervisionar a Justiça e a Despesa Pública. Porque o “Rei é, no nosso país, o aliado tradicional do povo”4.

Gonçalo Ruas


BIBLIOGRAFIA

I Semana de Estudos Doutrinários – Discursos, Teses, Intervenções, Lisboa, ed. das Semanas de Estudos Doutrinários, 1960.
Amado, Fernando, A 3.ª Posição, Lisboa, Edições GAMA, 1948.
Amado, Fernando, Estrada Real, Lisboa, Edições GAMA, 1943.
Amado, Fernando, Sinais de Campanha, Lisboa, Edições GAMA, 1947.
Amado, Fernando, “Para uma Política da Liberdade”, in Cidade Nova, nº 3, Coimbra, 1950.
Amado Fernando, “Para uma Política do Entendimento II. Semana de Estudos Doutrinários”, in Cidade Nova, nº2 série 6, Coimbra, 1960.
Amado, Fernando, “Maurras e a Monarquia de Amanhã”, in Cidade Nova, nº 2 série 3, Coimbra, 1953.
Amado, Fernando, “Teoria da Representação, itinerário”, in Cidade Nova, nº5 série 4, Coimbra, 1956.
Bernardo Soares, Livro do Desassossego, ed. Richard Zenith, Lisboa, Assírio & Alvim, 1998.
Castro, Fernão Pacheco de, “O Integralismo a Propósito de um Livro” in António Sardinha e o Iberismo, colecção Biblioteca do Pensamento Político, Lisboa, 1974.
Cruz, Duarte Ivo, História do Teatro Português, Lisboa, Editorial Verbo, 2001.
Cruz, Duarte Ivo, “Fernando Amado homem de teatro”, separata Gil Vicente, Guimarães, 1972.
“Diálogo de Almeida Negreiros com Fernando Amado” in Cidade Nova. nº 5 série 6, Coimbra, 1950.
Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português, (org.) Fernando Cabral Martins, Editorial Caminho, 2008.
Enciclopédia Luso-Brasileira Verbo, Padre António Magalhães, “Amado, Fernando”, Lisboa/São Paulo, Editorial Verbo, 1998.





fonte:http://www.realistas.org/modules/news/article.php?storyid=22

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