CARTA DO CANADÁ
por Fernanda Leitão
O que se passou em Coruche é abominável e espera-se que a mão da Justiça caia pesada sobre os dois indivíduos que mantiveram presos, em condições desumanas, uma sua familiar idosa e seu filho doente, apenas com o objectivo de viverem à custa das suas pensões. Esse calvário de mais de um ano deve garantir uns anos de prisão a esses energúmenos.
Será ingenuidade pensar-se que existe apenas este caso em Portugal e é uma tolice acusar as autoridades de terem levado muito tempo a descobrir o crime. Os crimes de família, que podem ir da violência à exploração dos idosos, passando pelo abuso sexual de crianças e outros desvios, são muito difíceis de descobrir se não houver alguém próximo que os denuncie , visto todos sermos chamados a respeitar a privacidade do próximo. Portanto, um grande trabalho de informação e apoio tem de ser feito nas escolas, nas associações de recreio, nos clubes desportivos, nas associações profissionais, de modo a alargar a rede dos que podem dar o alerta.
Também seria inaceitável julgar-se que apenas no nosso país esses crimes existem. O Canadá, onde vivo, é um país enorme, civilizado, com uma sólida administração inglesa, onde a Justiça funciona rapidamente e a polícia é de grande eficiência (no caso, a Real Polícia Montada do Canadá, ou RCMP, a única polícia do país, com as subdivisões necessárias que vão da segurança interna e contra-espionagem até à polícia criminal, de rua e de trânsito). Como se pode clacular, a polícia dispõe de grandes meios tecnológicos, de armamento, viaturas e tudo o mais. E no entanto, há idosos no Canadá que são abusados pela mesma razão que levou os meliantes de Coruche a fazerem o que fizeram. Mais uma vez, o respeito pela privacidade, a interdição de invadir a intimidade do cidadão, faz com que a polícia tenha dificuldade em aperceber-se do que se passa. É aí que se conta com a colaboração do pessoal escolar, dos centros comunitários, das agências de apoio social, etc. Aposta-se tudo na educação e na informação. E as coisas vão funcionando porque, sabendo as pessoas onde se devem dirgir e as garantias de sigilo com que podem contar, é mais fácil arranjarem coragem para denunciar os crimes. Além de que é garantida a prisão de quem prevaricou e a família atingida é de imediato amparada e orientada pelos serviços públicos.
Por outro lado, nesta monarquia parlamentar que tem por chefe do estado a Raínha Isabel II de Inglaterra, todos nós, uns milhões provenientes de 160 países, somos chamados a ser parte activa da democracia baseada no respeito, na igualdade perante a lei, na liberdade responsável. E assim se compreenderá que, havendo abuso de idosos também na comunidade portuguesa, um grupo de mulheres idosas portuguesas, o Portuguese Women 55 + , nado e criado numa modelar instituição de solidariedade social do Canadá, a Saint Christopher House, sob a exemplar direcção da moçambicana Odete Nascimento e a coordenação da ribatejana Isabel Palmar, mantenha um grupo de teatro mudo, mas extraordinariamente expressivo, em que esses casos são denunciados.
O grupo, que já leva uns bons anos de vida, não tem mãos a medir, convidado que é a actuar nos centros de outras comunidades étnicas (até na chinesa!) e em hospitais. E a mensagem passa de lado a lado, corre por aí, alerta consciências, encoraja pessoas. É um poderoso meio de colaboração com as autoridades. E nem sequer é caro nem complicado. Qualquer clube, qualquer associação, em qualquer aldeia ou vila, pode organizar o mesmo. Onde a educação não é um dado adquirido, é preciso ajudar com a informação, mobilizando boas vontades de profissionais que, também eles, não sabem de tudo o que se passa.
Creio que é legítimo, salutar e urgente ajudar a acabar com a chaga social do abuso a idosos, crianças e mulheres.
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