Expresso - 28 Mai 05
WILLIAM Coulson é investigador em Etnopsicologia. Durante 17 anos foi consultor para as questões das Dimensões Humanas do Programa de Educação Médica da Universidade de Georgetown, nos EUA. Com doutoramentos em Filosofia e em Aconselhamento Psicológico, Coulson foi investigador associado de Carl Rogers. Em conjunto escreveram 17 volumes sobre psicologia e educação humanística. Neste artigo, Coulson conta que as suas teorias e de Rogers ganharam adeptos entre os técnicos de educação da SIECUS, um grupo que desenvolve os currículos de educação sexual enviados às delegações nacionais da IPPF (órgão internacional que reúne as associações de planeamento para a família). Coulson dedica hoje o seu tempo a falar a católicos e protestantes sobre os efeitos nefastos das suas teorias. Esteve em Portugal em Novembro, a alertar para os materiais de educação sexual portugueses que diz serem baseados nas filosofias que agora rejeita.
O MEU nome é William Coulson. Doutorei-me em Psicologia e Filosofia e, nos anos 60 e 70, fui colaborador muito próximo de Carl Rogers, o psicólogo americano de fama mundial. É conhecido que nós os dois coordenámos a edição de uma série de 17 livros promovendo uma nova técnica da psicologia chamada «Clarificação de Valores». O nosso objectivo era aumentar o bem-estar e a auto-estima das crianças, mas o que realmente aconteceu foi algo completamente diferente. A dada altura, desenvolvemos um currículo de educação sexual baseado nos jogos de clarificação de valores, o que incluía actividades em que as crianças eram convidadas a falar abertamente sobre sentimentos e desejos de natureza sexual.
Experimentámos esta nova técnica nas escolas dirigidas pela ordem do Imaculado Coração, na Califórnia. No início da experiência, a ordem tinha 58 escolas e 600 freiras. Em 2002, a BBC exibiu um documentário sobre a nossa experiência e o balanço que fazia era este: «O efeito da experiência foi um verdadeiro cataclismo. Em menos de um ano, 300 freiras - metade do convento - pediram ao Vaticano para serem dispensadas dos seus votos e, seis meses depois, o convento fechou as portas. Tudo o que restou foi um pequeno grupo de freiras… que se tornaram lésbicas radicais». Se o efeito sobre adultos é este, qualquer pessoa pode imaginar qual o efeito sobre crianças. Eu poderia dar-lhes muitos dados e contar-lhes muitas histórias. A título de exemplo, conto a história da Carolyn (não é o seu verdadeiro nome), uma aluna que no sexto ano seguiu um programa de clarificação de valores. Carolyn aprendeu a tomar decisões autónomas sobre todo o tipo de coisas, incluindo algumas matérias sobre as quais ela não devia sequer pensar e muito menos ter a possibilidade de experimentar. Tal como os outros alunos dos programas de clarificação de valores, ela aprendeu a fazer escolhas autónomas e sinceras no seu quadro próprio de valores. Como disse um dos seus colegas no funeral, Carolyn acabou por se convencer que só poderia estar segura de que as suas decisões eram autónomas caso fizesse aquilo que os adultos lhe diziam para não fazer. Acabou por achar que o maior prazer da vida era fazer o que as pessoas proíbem. Como resultado disso, num certo dia de Março, saiu da escola num intervalo com um colega e o seu tio passador de droga. Nas margens de um rio, tomou droga, foi violada e depois lançada ao rio. O corpo da criança encantadora e inteligente (ela era a chefe de turma) só apareceu três semanas depois.
Para nós, desde a experiência nas escolas das freiras, era evidente que a nossa técnica psicológica não era boa nem para as crianças nem para os adultos. Ficou claro que tínhamos desenvolvido um instrumento perigoso para a saúde dos jovens, que em vez de os enriquecer os destruía. Essa não era a nossa intenção, mas foi o que aconteceu. Infelizmente, as nossas teorias (ou uma versão delas, ainda mais extrema, promovida por Louis Raths) tornaram-se muito populares entre os técnicos de educação sexual da SIECUS, um grupo americano que desenvolve currículos de educação sexual que depois são espalhados pelo mundo inteiro pelas delegações nacionais de uma organização chamada IPPF.
Em 1983, num dos seus livros, Carl Rogers descreveu as nossas experiências como um «padrão de fracasso». Contudo, depois da sua morte, o editor (que publica livros para professores e alunos de ciências da educação) reeditou o livro removendo todas as referências ao «padrão de fracasso».
Parte deste padrão é o muro de silêncio que se constrói em torno dos seus resultados trágicos. Ainda assim, tanto hoje como então (embora não tão frequentemente quanto deveria), a realidade por vezes vem à tona. Em 1998, o «The New York Times» publicou um artigo intitulado «EUA acordam para uma epidemia de doenças sexuais». Nesse artigo, a dr.ª Judith Wasserheit, especialista em doenças sexualmente transmissíveis (DST) e ex-directora da Divisão de Prevenção de DST do US Center for Disease Control, disse ao «Times» que aquilo que se está a passar nos EUA é um«desastre nacional». Disse ainda que «a maioria dos americanos nem sequer tem consciência de que está perante uma epidemia».
Na realidade,, lentamente vai crescendo a consciência relativamente a esse facto. E talvez, bem mais cedo do que podem pensar, os portugueses descubram que algo de semelhante se está a passar com os seus filhos. Em Novembro de 2004, estive em Portugal a estudar os materiais de educação sexual enviados para as escolas em 2000. Fiquei aterrado. Talvez não haja em todo o mundo um currículo mais influenciado pelas ideias que eu e Carl Rogers testámos nos anos 60. Escrevo, pois, esta carta como um apelo. Eu sei o que vai acontecer às crianças de Portugal caso se apliquem nas escolas actividades baseadas nos jogos de clarificação de valores. Estou certo de que vocês gostam muito dos vossos filhos. Por isso (e se me é permitido falar com emoção): retirem das escolas esse modelo de educação sexual. Amanhã será tarde demais. Eu ajudei a criar o monstro. Por favor, ajudem-me a matá-lo.
Califórnia, 20 de Maio de 2005
Experimentámos esta nova técnica nas escolas dirigidas pela ordem do Imaculado Coração, na Califórnia. No início da experiência, a ordem tinha 58 escolas e 600 freiras. Em 2002, a BBC exibiu um documentário sobre a nossa experiência e o balanço que fazia era este: «O efeito da experiência foi um verdadeiro cataclismo. Em menos de um ano, 300 freiras - metade do convento - pediram ao Vaticano para serem dispensadas dos seus votos e, seis meses depois, o convento fechou as portas. Tudo o que restou foi um pequeno grupo de freiras… que se tornaram lésbicas radicais». Se o efeito sobre adultos é este, qualquer pessoa pode imaginar qual o efeito sobre crianças. Eu poderia dar-lhes muitos dados e contar-lhes muitas histórias. A título de exemplo, conto a história da Carolyn (não é o seu verdadeiro nome), uma aluna que no sexto ano seguiu um programa de clarificação de valores. Carolyn aprendeu a tomar decisões autónomas sobre todo o tipo de coisas, incluindo algumas matérias sobre as quais ela não devia sequer pensar e muito menos ter a possibilidade de experimentar. Tal como os outros alunos dos programas de clarificação de valores, ela aprendeu a fazer escolhas autónomas e sinceras no seu quadro próprio de valores. Como disse um dos seus colegas no funeral, Carolyn acabou por se convencer que só poderia estar segura de que as suas decisões eram autónomas caso fizesse aquilo que os adultos lhe diziam para não fazer. Acabou por achar que o maior prazer da vida era fazer o que as pessoas proíbem. Como resultado disso, num certo dia de Março, saiu da escola num intervalo com um colega e o seu tio passador de droga. Nas margens de um rio, tomou droga, foi violada e depois lançada ao rio. O corpo da criança encantadora e inteligente (ela era a chefe de turma) só apareceu três semanas depois.
Para nós, desde a experiência nas escolas das freiras, era evidente que a nossa técnica psicológica não era boa nem para as crianças nem para os adultos. Ficou claro que tínhamos desenvolvido um instrumento perigoso para a saúde dos jovens, que em vez de os enriquecer os destruía. Essa não era a nossa intenção, mas foi o que aconteceu. Infelizmente, as nossas teorias (ou uma versão delas, ainda mais extrema, promovida por Louis Raths) tornaram-se muito populares entre os técnicos de educação sexual da SIECUS, um grupo americano que desenvolve currículos de educação sexual que depois são espalhados pelo mundo inteiro pelas delegações nacionais de uma organização chamada IPPF.
Em 1983, num dos seus livros, Carl Rogers descreveu as nossas experiências como um «padrão de fracasso». Contudo, depois da sua morte, o editor (que publica livros para professores e alunos de ciências da educação) reeditou o livro removendo todas as referências ao «padrão de fracasso».
Parte deste padrão é o muro de silêncio que se constrói em torno dos seus resultados trágicos. Ainda assim, tanto hoje como então (embora não tão frequentemente quanto deveria), a realidade por vezes vem à tona. Em 1998, o «The New York Times» publicou um artigo intitulado «EUA acordam para uma epidemia de doenças sexuais». Nesse artigo, a dr.ª Judith Wasserheit, especialista em doenças sexualmente transmissíveis (DST) e ex-directora da Divisão de Prevenção de DST do US Center for Disease Control, disse ao «Times» que aquilo que se está a passar nos EUA é um«desastre nacional». Disse ainda que «a maioria dos americanos nem sequer tem consciência de que está perante uma epidemia».
Na realidade,, lentamente vai crescendo a consciência relativamente a esse facto. E talvez, bem mais cedo do que podem pensar, os portugueses descubram que algo de semelhante se está a passar com os seus filhos. Em Novembro de 2004, estive em Portugal a estudar os materiais de educação sexual enviados para as escolas em 2000. Fiquei aterrado. Talvez não haja em todo o mundo um currículo mais influenciado pelas ideias que eu e Carl Rogers testámos nos anos 60. Escrevo, pois, esta carta como um apelo. Eu sei o que vai acontecer às crianças de Portugal caso se apliquem nas escolas actividades baseadas nos jogos de clarificação de valores. Estou certo de que vocês gostam muito dos vossos filhos. Por isso (e se me é permitido falar com emoção): retirem das escolas esse modelo de educação sexual. Amanhã será tarde demais. Eu ajudei a criar o monstro. Por favor, ajudem-me a matá-lo.
Califórnia, 20 de Maio de 2005
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