14 Agosto 2009 - 09h00 - Correio da Manhã
O Alicerce das Coisas - Fazer a Verdade
É muito fácil para qualquer força partidária a cedência à meia-verdade para servir a lógica do poder.
Proclamar por ética política e exigir atitudes de verdade é bom caminho, mas via difícil na prática real. Tinha prometido voltar à Carta encíclica de Bento XVI para chamar a atenção para algumas ideias mais relevantes. Vem a talho de foice reparar no princípio essencial da Doutrina Social da Igreja, qual seja o da proclamação da verdade do amor na sociedade. Essa base orienta os cidadãos em contextos sempre novos. No actual contexto cultural, apto a relativizar e negligenciar a verdade, o apelo papal soa como alerta: "Só na verdade é que a caridade refulge e pode ser autenticamente vivida. A verdade é luz que dá sentido e valor à caridade." A mensagem não serve apenas aos observadores exteriores da acção social da Igreja, atinge igualmente os servidores internos da caridade. O "risco fatal do amor numa cultura sem verdade" degenera em sentimentalismo, tão corrente e desprestigiante.
Se para os cristãos "a caridade é tudo", não se pode dissociar da verdade. A imediata acção, mesmo de rotina caridosa, deve conjugar-se com procurar, encontrar e expressar a verdade das situações a socorrer. Esse exercício esforçado para chegar à verdade e para a essa luz compreender, avaliar e praticar a caridade não se confunde com leve conversa eleitoral ou pedra de arremesso para adversário político. Pretende ultrapassar opiniões ou sensações subjectivas. A procura da verdade começa por um processo pessoal de cada um sobre si próprio. Tentar descobrir o projecto pessoal de Deus para cada um e aderir-lhe firmemente constituem o primeiro passo do verdadeiro desenvolvimento de cada pessoa e da humanidade.
Bento XVI, na Caritas in veritate, considera uma forma de caridade defender a verdade, propô-la com humildade e convicção e testemunhá-la na vida. Esta fórmula garante uma visão completa e autêntica, capaz de aliar a busca da substância das coisas com a vivência pessoal do que se defende e propõe. Aliás só esta atitude vital goza de autoridade. Só a verdade da caridade cria comunhão, motiva adesão e provoca imitação.
Realmente, "sem verdade, sem confiança e amor pelo que é verdadeiro, não há consciência e responsabilidade social e a actividade social acaba à mercê de interesses privados e lógicas de poder, com efeitos desagregadores na sociedade". Perceber como criar coesão social em tempo eleitoral será agulha no palheiro. É muito fácil e tentadora para qualquer força partidária a cedência à meia-verdade ou à falsidade para servir a lógica do poder e não a lógica do bem comum do povo. Só critérios de verdade garantem sólida liberdade e futuro novo.
D. Carlos Azevedo, Bispo Auxiliar de Lisboa
Sem comentários:
Enviar um comentário