Uma emoção partilhada, sentida no íntimo, baixinho:
Ó P'RA MIM CÁ EM CIMA!
por Ferreira Fernandes
jornalista - ferreira.fernandes@dn.pt
Não se gosta de uma equipa porque ela é a boa, mas porque ela é a nossa. Depois de ela ser a nossa, quando a ligação já tem memória e essas coisas, então, vamos descobrir as razões porque ela é a boa. Encontram-se sempre.
A questão é, pois, a inicial: porque é aquela a nossa equipa? Eu conheço a minha razão. Até porque a minha equipa é Portugal e quando a minha equipa começou a ser Portugal - falo do início dos anos 60 - Portugal era a última coisa que me embalava. A minha razão: Coluna. Um não branco a mandar em brancos. Um capitão, patrão inquestionável, coisa que se via das bancadas: "Sr. Coluna, posso ser eu a marcar o livre?", perguntava um rapaz pálido. E o Sr. Coluna deixava, ou não.
Não queiram saber como aquilo era ar fresco. A selecção portuguesa desse tempo era como a Nokia hoje para a Finlândia - por ela, o mundo talvez não soubesse, mas adivinhava a modernidade. Talvez não nos invejasse, mas devia. Foi nessa altura que me tornei adepto da equipa. Lembro, naquele tempo não havia negros a jogar na Europa: Didi, um mestiço como Coluna, um dos três deuses da melhor equipa de sempre (Brasil, 1958, com Garrincha e Pelé), saiu do Real Madrid empurrado por vexames racistas.
Outros têm as sua razões para amar a equipa. A mão de um pai que nos levou ao Jamor... O importante é ficarmos com esse sentimento de pertença. Fixados, coleccionam-se momentos, como outros, cromos. No meu passaporte de cidadão da selecção nacional, o carimbo mais querido é, claro, o daquele Portugal-Coreia, Mundial de 66. Mais uma vez, amei Portugal quando ele se revelava nos antípodas de Portugal. Os 9 999 999 portugueses desalentados com o 0-3, e um português de raça decidido a mudar o destino. Eusébio carregando o País às costas deu a volta ao resultado, negando-se a abraços até à epopeia concluída. Nunca chorei tão bom.
Depois disso, o meu affaire com a selecção nacional têm sido chispas, meras chispas - Futre e Chalana, Figo e Rui Costa e, até, Ricardo, o dos penáltis. Sempre acreditando tudo, sabendo que teria pouco. A selecção era como aquela amante feia de quem só nós sabemos das qualidades e não dá para apregoar. Um affaire íntimo.
E não é que cheguei a esta selecção? A do Deco inclinado para a frente e do Cristiano Ronaldo inclinado para trás (só um apaixonado vê estes pormenores), que a Europa deu em invejar? Confesso, não sei como lidar com a situação. Não sou dos que pintam a cara e usam chapéus bizarros, sou dos que amam baixinho. Mas quando colegas de L'Équipe e de La Gazzetta dello Sport olham para mim como eu olho para o namorado da Scarlett Johansson, confirmo: "Sim, eu ando com esta equipa já há muitos anos..." E ponho um ar ainda mais discreto porque já apanhei as manhas dos poderosos.
In DN, hoje.
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