Discurso do Prefeito Cesar Maia – Cerimônia de hasteamento das bandeiras do Brasil, Portugal e do antigo Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves (Palácio da Cidade – 7/3/2008).
Senhores secretários, amigas, amigos, alunos da nossa Rede Municipal...
É um dia de fundação da Cidade do Rio de Janeiro. O Rio de Janeiro era um areal de passagem de minérios, de Minas, em direção a Portugal. A presença da Família Real fincou aqui as nossas verdadeiras raízes.
A política, nós sabemos, Sr. Prefeito, tem raízes muito longas na história. São tão longas e tão profundas que a ruptura delas exige revoluções drásticas, que, às vezes, nem estas conseguem descontinuar uma arte, uma prática que depende principalmente da interlocução oral, da transmissão de experiências. Por isso, tantos filhos de políticos são políticos. Por isso, as pessoas que estão perto dos políticos tendem a substituí-los, a ascender. Então nós nos sentimos, com a presença da Família Real aqui, como se estivéssemos hoje (e estamos hoje aqui) com a construção da centralidade cultural do Rio de Janeiro, graças à Família Real, a D. João. Com a construção da centralidade científica do Rio de Janeiro, artística do Rio de Janeiro, com o Jardim Botânico, que foi uma atividade científica no Rio de Janeiro. E com esse exemplo extraordinário de um monarca com vocação constitucional. Ora, num mundo de monarcas absolutistas, o monarca de vocação constitucional era visto como fraco. Quem eram os fortes? Eram os monarcas absolutistas. Na verdade, D. João, com o Reino Unido, declarou silenciosamente a independência do Brasil, que foi em 1815. O Brasil deixa de ser colônia de Portugal e passa a ser Reino Unido, sem um tiro, sem um grito de independência – apenas com a sua capacidade de flexibilizar as relações e transformar tudo em decisões profundas e pacíficas. Aqui, talvez por isso – os problemas do ciclo descendente de Portugal – foi criado o primeiro banco português, o primeiro banco da história de Portugal, que foi o nosso Banco do Brasil. Nós, e eu falava isso com Vossa Excelência em Lisboa, no dia 28 de novembro, nós, portugueses – nós que temos essas raízes lusas, profundas, que nos dão força e nos orgulham tanto –, somos muito críticos conosco mesmos. Os outros, não. Nós condenávamos D. João porque fugiu de Portugal. Na verdade, uma estratégia que foi saudada por Napoleão e reconhecida pelo jornal Le Monde, em uma matéria de anteontem.
Mas, enquanto isso, na Espanha, o rei renunciava para o filho, o filho covardemente renunciava para o irmão de Napoleão, para legitimar a coroa do irmão de Napoleão. Tudo bem, o rei absolutista não mandava. Manda a rainha. Ou mandava o amigo da rainha, que queria uma fatia de Portugal, dividido em três pelo tratado potencial de Fontainebleau. Nós os criticamos, mas o poderoso império austríaco, que para segurar Napoleão entrega sua própria filha, a primeira, a mais preparada, Maria Luísa arquiduquesa.
Nós temos uma história que nos orgulha. E essa história está fincada em Portugal, a nossa língua, as nossas tradições. E essa presença extraordinária de D. João e da Família Real. Extraordinária sob qualquer ponto de vista. Em um país continental, como é que se garante a unidade territorial? Uma habilidosa passagem por Salvador. Mas não apenas habilidosa passagem por Salvador. A entrada no Norte ou no Sul. No Sul, com a Província Cisplatina. D. João trouxe o general Lecor, que foi o general do partido inglês em Portugal, que lutou contra a Espanha e que, segundo muitos uruguaios, foi o mais importante presidente, do que não era o Uruguai naquela época. E em cima a Guiana, para segurar o Norte. E, em Mato Grosso, que D. Pedro I, já na sua visão generosa, não aceitou a entrega de Iquitos ao governo de Mato Grosso – a anexação de Iquitos. O general Sucre, quando há a anexação de Iquitos ao Brasil, manda uma carta ao general Bolívar e diz que era uma ofensa tão grave que ele ia entrar com as suas tropas no império do Brasil. O Bolívar manda uma carta de volta para o Sucre e diz assim: “Mande uma carta ao Imperador. Aguarde. O império é muito poderoso”.
Então, são momentos que, para nós, tratam do nosso presente, da nossa história, das nossas vocações. D. João foi o primeiro rei constitucional de Portugal. Seu estilo é o estilo do seu neto, D. Pedro II, também criticado pelos opositores, como “Pedro Banana”. Por quê? Porque aqui no Brasil, com D. Pedro II, nós tivemos em toda a segunda metade do século XIX, não sei como eram os países asiáticos, francamente, mas nós tivemos, junto e mais do que a Grã-Bretanha, quase o único regime político estável por todo esse período do Segundo Império. Estabilidade política rigorosa, ao contrário do que se via na Europa, com as revoluções de 1848, a Comuna de Paris, as guerras internas, as guerras de unificação da Itália, da Alemanha, a Guerra Franco-Prussiana. Nos Estados Unidos, a Guerra de Secessão, para não falar nas guerras da América hispânica, que se sucediam a cada dois ou três dias. Aqui não. Aqui era um regime de monarquia constitucional absolutamente estável. A mais estável do mundo todo, exemplar. As instabilidades vêm depois que vem a República. Não tiveram as habilidades que tinha D. João VI, sua equipe bem escolhida de assessores, teve D. Pedro II.
Uma questão de D. Pedro II, que é muito pouco lembrada: a perseguição aos judeus era dura, era uma perseguição dura, por muitos séculos. Mas duríssima, na Europa, na segunda metade do século XIX. D. Pedro II, poliglota, cientista, intelectual – falava hebreu entre outras línguas –, ele traz uma assessoria de alto nível de judeus, que estavam sendo perseguidos e exilados na Europa, para compor seu corpo de conselheiros. Isso é um coração generoso. No momento em que grandes atos iam ser tomados, ele entregava (o governo) à sua filha – à princesa que regia durante a Lei do Ventre-Livre, durante a própria abolição dos escravos.
Então, é uma história extraordinariamente exemplar a história da Família Real no Rio de Janeiro. Nós nos sentimos parte integrante dessa família. Não temos o sobrenome, nem o sangue físico, mas nós temos esse sangue muito poderoso, que é essa história extraordinária que foi construída por essa família incomparável dos Bragança aqui no Brasil.
E é isso que nós estamos comemorando, olhando para a bandeira do Reino Unido, para a independência do Brasil, e dizendo a Portugal e à Família Real um muito obrigado pelo que fizeram por nós. O Rio de Janeiro é uma cidade portuguesa, com certeza. Muito obrigado.
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