domingo, setembro 24, 2006

O Discurso do Santo Padre

O Discurso do Santo Padre em Regensburg merece uma leitura muito atenta.

Abordando o actual divórcio entre a Razão e a Fé, que tem vindo a colocar a Teologia à margem dos estudos universitários, o Santo Padre realiza aqui uma magistral “crítica da razão moderna a partir do seu interior”, identificando com claridade as três vagas contrárias à síntese entre o espírito grego e o espírito cristão, base da filosofia de Santo Agostinho e de São Tomás de Aquino, pilares maiores do pensamento da Igreja.

A primeira vaga teve prenúncio no voluntarismo de Duns Scott, afirmou-se e cresceu no protestantismo da sola Scriptura, para vir a espraiar em Emmanuel Kant, ao pretender alicerçar a fé exclusivamente na razão prática (1); seguiu-se a vaga da teologia liberal dos séculos XIX e XX, que, conformando-se com o cientismo então muito difundido nas universidades, suspendeu a divindade de Cristo e a trindade de Deus, e acabou por reduzir Jesus a um mero “pai de uma mensagem moral humanitária” (2); e, por fim, a vaga actual que pretende subtrair as diversas culturas à inculturação grega (3).

"No princípio era o λόγος"... “É precisamente esta a mesma palavra que o imperador usa: Deus age "σὺν λόγω", com logos. Logos significa ao mesmo tempo razão e palavra; uma razão que é criadora e capaz precisamente de se comunicar mas como razão.”

"«Não agir segundo razão, não agir com o logos, é contrário à natureza de Deus», disse Manuel II, partindo da sua imagem cristã de Deus, ao interlocutor persa”.

Nas universidades do mundo ocidental, porém, domina hoje a opinião de que só a razão positivista é universal. Ora "uma razão, que diante do divino é surda e rejeita a religião do âmbito das subculturas, é incapaz de se inserir no diálogo das culturas.”

O mundo de hoje exige o diálogo de culturas. Para que esse diálogo seja possível é necessário incluir o divino na universalidade da razão. Essa é a grande tarefa da Teologia na universidade, conclui o Papa Bento XVI .

José Manuel Quintas


VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA BENTO XVI A MÜNCHEN, ALTÖTTING E REGENSBURG (9-14 DE SETEMBRO DE 2006)

DISCURSO DO SANTO PADRE AOS REPRESENTANTES DO MUNDO CIENTÍFICO E CULTURAL DA BAVIERA NA AULA MAGNA DA UNIVERSIDADE DE REGENSBURG

Terça-feira, 12 de Setembro de 2006

"Fé, razão e universidade. Recordações e reflexões"

Eminências Magnificências Excelências Ilustres Senhores Gentis Senhoras

É para mim um momento emocionante encontrar-me de novo na universidade e poder mais uma vez pronunciar uma lição. Os meus pensamentos, contemporaneamente, voltam àqueles anos em que, depois de um grande período passado no Instituto superior de Freising, comecei a minha actividade de professor académico na universidade de Bonn. Era em 1959 ainda o tempo da velha universidade dos professores ordinários. Para cada uma das cátedras não existiam nem assistentes nem dactilógrafos, mas em compensação havia um contacto muito directo com os estudantes e sobretudo também entre os professores. Encontrávamo-nos primeiro e depois das lições nas salas dos professores. Os contactos com os historiadores, os filósofos, os filólogos e naturalmente também entre as duas faculdades teológicas eram muito estreitos. Uma vez por semestre fazia-se o chamado dies academicus, no qual professores de todas as faculdades se apresentavam diante dos estudantes de toda a universidade, tornando assim possível uma experiência de universitas uma coisa à qual também o Senhor, Magnífico Reitor, se referiu há pouco, isto é, a experiência, o facto de que nós não obstante todas as especializações, que por vezes nos tornam incapazes de comunicar entre nós, formamos um todo e trabalhamos no todo da única razão com as suas várias dimensões, estando assim juntos também na responsabilidade comum pelo recto uso da razão este facto torna-se experiência viva.
Sem dúvida, a universidade era orgulhosa também das suas duas faculdades teológicas. Era claro que também elas, interrogando-se sobre a racionalidade da fé, desempenham uma obra que necessariamente faz parte do "todo" da universitas scientiarum, mesmo se nem todos podiam partilhar a fé, para cuja co-relação com a razão comum se comprometem os teólogos. Esta unidade interior no universo da razão não foi perturbada nem sequer quando certa vez filtrou a notícia de que um dos colegas dissera que na nossa universidade havia algo de anormal: duas faculdades que se ocupavam de uma coisa que não existia, de Deus. Que mesmo perante um cepticismo tão radical seja necessário e normal interrogar-se sobre Deus através da razão e isto deva ser feito no contexto da tradição da fé cristã: no conjunto da universidade, isto era uma convicção fora de questão.
Tudo me voltou à mente, quando li a parte publicada pelo professor Theodore Khoury (Münster) do diálogo que o douto imperador bizantino Manuel II, Paleólogo, talvez durante os meses do Inverno de 1391 em Ankara, teve com um persa culto sobre cristianismo e islão e sobre a verdade de ambos. Talvez tenha sido depois o próprio imperador quem escreveu, durante o assédio de Constantinopla entre 1394 e 1402, este diálogo; explica-se assim por que os seus raciocínios sejam referidos de modo muito mais pormenorizado do que os do seu interlocutor persa. O diálogo alarga-se sobre todo o âmbito das estruturas da fé contidas na Bíblia e no Alcorão e detém-se sobretudo sobre a imagem de Deus e do homem, mas necessariamente também sempre de novo sobre a relação entre as como se dizia três "Leis" ou três "ordens de vida": Antigo Testamento, Novo Testamento, Alcorão. Não desejo falar disto nesta lição; gostaria de tratar só um assunto bastante marginal na estrutura de todo o diálogo que, no contexto do tema "fé e razão", me fascinou e me servirá como ponto de partida para as minhas reflexões sobre este tema.
No sétimo colóquio (διάλεξις, controvérsia) publicado pelo Prof. Khoury, o imperador enfrenta o tema da jihād, da guerra santa. Certamente o imperador sabia que na sua sura 2, 256 se lê: "Nenhuma coacção nas coisas de fé". É uma das suras do período inicial, dizem os peritos, em que o próprio Maomé ainda não tinha poder e estava ameaçado. Mas, naturalmente, o imperador conhecia também as disposições, desenvolvidas sucessivamente e fixadas no Alcorão, sobre a guerra santa.
Sem se deter em pormenores, como a diferença de tratamento entre os que possuem o "Livro" e os "incrédulos" ele, de modo tão brusco que nos surpreende, dirige-se ao seu interlocutor simplesmente com a pergunta central sobre a relação entre religião e violência em geral, dizendo: "Mostra-me também o que Maomé trouxe de novo, e encontrarás apenas coisas más e desumanas, como a sua ordem de difundir através da espada a fé que ele pregava".
O imperador, depois de se ter pronunciado de modo tão duro, explica minuciosamente as razões pelas quais a difusão da fé mediante a violência é irracional. A violência está em contraste com a natureza de Deus e a natureza da alma. "Deus não se apraz com o sangue diz ele não agir segundo a razão "σὺν λόγω", é contrário à natureza de Deus. A fé é fruto da alma, não do corpo. Por conseguinte, quem quiser levar alguém à fé precisa da capacidade de falar bem e de raciocinar correctamente, e não da violência e da ameaça... Para convencer uma alma racional não é necessário dispor nem do próprio braço, nem de instrumentos para ferir nem de qualquer outro meio com o qual se possa ameaçar de morte uma pessoa...".
A afirmação decisiva nesta argumentação contra a conversão mediante a violência é: não agir segundo a razão é contrário à natureza de Deus. O editor, Theodore Khoury, comenta: para o imperador, sendo um bizantino que cresceu na filosofia grega, esta afirmação é evidente. Para a doutrina muçulmana, ao contrário, Deus é absolutamente transcendente. A sua vontade não está relacionada com nenhuma das nossas categorias, mesmo que fosse a da racionalidade. Neste contexto Khoury cita uma obra do conhecido islamita francês R. Arnaldez, o qual ressalta que Ibn Hazm chega a declarar que Deus não estaria relacionado nem sequer com a sua própria palavra e que nada o obrigaria a revelar a nós a verdade. Se fosse a sua vontade, o homem deveria praticar também a idolatria.
A este ponto abre-se, na compreensão de Deus e por conseguinte na realização concreta da religião, um dilema que hoje nos desafia de maneira muito directa. A convicção de que agir contra a razão esteja em contradição com a natureza de Deus, é apenas um pensamento grego ou é sempre válido e por si mesmo? Penso que neste ponto se manifeste a profunda concordância entre o que é grego no sentido melhor e o que é fé em Deus sobre o fundamento da Bíblia. Modificando o primeiro versículo do Livro do Génesis, o primeiro versículo de toda a Sagrada Escritura, João iniciou o prólogo do seu Evangelho com as palavras: "No princípio era o λόγος". É precisamente esta a mesma palavra que o imperador usa: Deus age "σὺν λόγω", com logos. Logos significa ao mesmo tempo razão e palavra, uma razão que é criadora e capaz precisamente de se comunicar mas como razão. Com isto João deu-nos a palavra conclusiva sobre o conceito bíblico de Deus, a palavra na qual todos os caminhos muitas vezes cansativos e sinuosos da fé bíblica alcançam a sua meta, encontram a sua síntese.
No princípio era o logos, e o logos é Deus, diz-nos o evangelista. O encontro entre a mensagem bíblica e o pensamento grego não era um simples caso. A visão de São Paulo, diante da qual se tinham fechado os caminhos da Ásia e que, em sonho, viu um Macedónio e ouviu a sua súplica: "Vem para a Macedónia e ajuda-nos" (cf. Act 16, 6-10) esta visão pode ser interpretada como uma "condensação" da necessidade intrínseca de uma aproximação entre fé bíblica e o interrogar-se grego.
Na realidade, esta aproximação já tinha sido iniciada desde há muito tempo. Já o nome misterioso de Deus na sarça ardente, que afasta este Deus do conjunto das divindades com numerosos nomes afirmando apenas o seu "Eu sou", o seu ser, é, em relação ao mito, uma contestação com a qual está em íntima analogia a tentativa de Sócrates de vencer e superar o próprio mito. O processo iniciado na sarça alcança, no Antigo Testamento, uma nova maturidade durante o exílio, onde o Deus de Israel, agora privado da Terra e do culto, se anuncia como o Deus do céu e da terra, apresentando-se com uma simples fórmula que prolonga a palavra da sarça: "Eu sou".
Com este novo conhecimento de Deus caminha em sintonia uma espécie de iluminismo, que se expressa de maneira drástica no escárnio das divindades que seriam apenas obra das mãos do homem (cf. Sl 115). Assim, não obstante toda a dureza do desacordo com os soberanos helenistas, que queriam obter com a força a adaptação ao estilo de vida grego e ao seu culto idolátrico, a fé bíblica, durante a época helenista, ia interiormente ao encontro da parte melhor do pensamento grego, até chegar a um contacto recíproco que depois se realizou especialmente na literatura sapiencial tardia.
Hoje nós sabemos que a tradução grega do Antigo Testamento, realizada em Alexandria a "Septuaginta" é mais que uma simples tradução (que talvez se deva avaliar de modo pouco positivo) do texto hebraico: de facto, é um testemunho textual distinto e um especifico e importante passo da história da Revelação, no qual se realizou este encontro de uma forma que para o nascimento do cristianismo e para a sua divulgação teve um significado decisivo. No fundo, trata-se do encontro entre fé e razão, entre autêntico iluminismo e religião. Partindo verdadeiramente da natureza íntima da fé cristã e, ao mesmo tempo, da natureza do pensamento grego já fundido com a fé, Manuel II podia dizer: Não agir "com o logos" é contrário à natureza de Deus.
Honestamente é preciso anotar a este ponto que, no final da Idade Média, se desenvolveram na teologia tendências que rompem esta síntese entre espírito grego e espírito cristão. Em contraste com o chamado intelectualismo agostiniano e tomista iniciou com Duns Scott uma orientação voluntária, a qual no fim, nos desenvolvimentos sucessivos, levou à afirmação de que nós de Deus só conheceremos a voluntas ordinata. Para além dela existiria a liberdade de Deus, em virtude da qual Ele teria podido criar e fazer também o contrário de tudo o que efectivamente fez.
Aqui vêem-se posições que, sem dúvida, se podem aproximar às de Ibn Hazm e poderiam conduzir até à imagem de um Deus-Arbítrio, que não está relacionado nem com a verdade nem com o bem. A transcendência e a diversidade de Deus são acentuadas de modo tão exagerado, que também a nossa razão, o nosso sentido do verdadeiro e do bem já não são um verdadeiro espelho de Deus, cujas possibilidades abismais permanecem para nós eternamente inalcançáveis e escondidas por detrás das suas decisões efectivas.
Em contraste com isto, a fé da Igreja sempre se ateve à convicção de que entre Deus e nós, entre o seu eterno Espírito criador e a nossa razão criada, existe uma verdadeira analogia, na qual, como disse o Concílio Lateranense IV em 1215, sem dúvida as diferenças são infinitamente maiores que as semelhanças, mas contudo não até ao ponto de abolir a analogia e a sua linguagem. Deus não é mais divino pelo facto de que o afastamos para longe de nós num voluntarismo puro e impenetrável, mas o Deus verdadeiramente divino é aquele Deus que se mostrou como logos e como logos agiu e age cheio de amor em nosso favor. Sem dúvida, o amor, como diz Paulo, "ultrapassa" o conhecimento e é por isto capaz de compreender mais do que o simples pensamento (cf. Ef 3, 19), contudo ele permanece o amor do Deus-Logos, para o qual o culto cristão é, como diz ainda Paulo "λογικη λατρεία" um culto que concorda com o Verbo eterno e com a nossa razão (cf. Rm 12, 1).
A aqui mencionada recíproca aproximação interior, que se teve entre a fé bíblica e o interrogar-se sobre o plano filosófico do pensamento grego, é um elemento de importância decisiva não só sob o ponto de vista da história das religiões, mas também sob o ponto de vista da história universal um elemento que nos compromete também hoje. Considerado este encontro, não surpreende que o cristianismo, apesar da sua origem e de alguns seus desenvolvimentos importantes no Oriente, tenha por fim encontrado a sua marca historicamente decisiva na Europa. Podemos expressar isto também inversamente: este encontro, ao qual se acrescenta sucessivamente ainda o património de Roma, criou a Europa e permanece o fundamento do que, com razão, se pode chamar Europa.
À tese que o património grego, criticamente purificado, seja uma parte integrante da fé cristã, opõe-se o requerimento da deselenização do cristianismo, um requerimento que desde o início da idade moderna domina de modo crescente a pesquisa teológica. Visto mais de perto, podem-se observar três ondas no programa da deselenização: apesar de estarem relacionadas entre si, elas nas suas motivações e nos seus objectivos são claramente distintas uma da outra.
A deselenização emerge primeiro em ligação com os postulados da Reforma do século XVI. Considerando a tradição das escolas teológicas, os reformadores vêem-se diante de uma sistematização da fé condicionada totalmente pela filosofia, isto é, perante uma determinação da fé a partir de fora em virtude de um modo de pensar que não derivava dela. Assim a fé já não se apresentava como palavra histórica viva, mas como elemento inserido na estrutura de um sistema filosófico.
A sola Scriptura ao contrário procura a forma pura primordial da fé, do modo como está presente originariamente na Palavra bíblica. A metafísica aparece como um pressuposto derivante de outra fonte, da qual é necessário libertar a fé para a fazer voltar a ser totalmente ela mesma. Com a sua afirmação de ter que pôr de lado o pensar para dar espaço à fé, Kant agiu com base neste programa com uma radicalidade imprevisível para os reformadores. Com isto ele ancorou a fé exclusivamente à razão prática, negando-lhe o total acesso à realidade.
A teologia liberal dos séculos XIX e XX trouxe uma segunda onda no programa da deselenização: seu representante eminente é Adolf von Harnack. Durante o tempo dos meus estudos, como nos primeiros anos da minha actividade académica, este programa era fortemente operante também na teologia católica. Como ponto de partida era feita a distinção de Pascal entre o Deus dos filósofos e o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob. No meu discurso em Bonn, em 1959, procurei enfrentar este assunto e não pretendo retomar aqui todo o discurso. Mas gostaria de tentar ressaltar pelo menos em síntese a novidade que caracterizava esta segunda onda de deselenização em relação à primeira.
Como pensamento central sobressai, em Harnack, o regresso simplesmente ao homem Jesus e à sua mensagem simples, que viria antes de todas as teologizações e, precisamente, também antes das helenizações: seria esta mensagem simples que constituiria o verdadeiro ápice do desenvolvimento religioso da humanidade. Jesus teria dado um adeus ao culto em favor da moral. Em conclusão, Ele é representado como pai de uma mensagem moral humanitária.
A finalidade de Harnack no fundo é reconduzir o cristianismo em harmonia com a razão moderna, libertando-o, precisamente, de elementos aparentemente filosóficos e teológicos, como por exemplo a fé na divindade de Cristo e na trindade de Deus.
Neste sentido, a exegese histórico-crítica do Novo Testamento, na sua visão, coloca novamente a teologia no cosmos da universidade: teologia, para Harnack, é algo essencialmente histórico e, portanto, estrictamente científico. O que ela indaga sobre Jesus mediante a critica é, por assim dizer, expressão da razão prática e por conseguinte também sustentável no conjunto da universidade. Na base encontra-se a autolimitação moderna da razão, expressa de maneira clássica nas "críticas" de Kant, que entretanto foi ulteriormente radicalizada pelo pensamento das ciências naturais. Este conceito moderno da razão baseia-se, em síntese, num resumo entre platonismo (cartesianismo) e empirismo, que o sucesso técnico confirmou.
Por um lado pressupõe-se a estrutura matemática da matéria, a sua por assim dizer racionalidade intrínseca, que torna possível compreendê-la e usá-la na sua eficiência concreta: este pressuposto básico é, por assim dizer, o elemento platónico no conceito moderno da natureza. Por outro lado, trata-se da utilizabilidade funcional da natureza para as nossas finalidades, onde só a possibilidade de controlar a verdade ou a falsidade mediante a experiência fornece a certeza decisiva. O peso entre os dois pólos pode, segundo as circunstâncias, estar mais de uma ou mais da outra parte. Um pensador tão estreitamente positivista como J. Monod declarou-se platónico convicto.
Isto exige duas orientações fundamentais decisivas para a nossa questão. Só o tipo de certezas derivantes da sinergia de matemática e empírica nos permite falar de cientificidade. O que pretende ser ciência deve confrontar-se com este critério. E assim também as ciências que se referem às coisas humanas, como a história, a psicologia, a sociologia e a filosofia procuravam aproximar-se deste cânone da cientificidade. Contudo, é importante para as nossas reflexões o facto de que o método como tal exclui o problema Deus, apresentando-o como um problema acientífico ou pré-científico. Portanto, com isto encontramo-nos diante de uma redução do leque de ciência e razão que é obrigatório pôr em questão.
Voltarei ainda sobre este assunto. Neste momento é suficiente ter presente que, numa tentativa de conservar o carácter de disciplina "científica" da teologia à luz desta perspectiva, do cristianismo restaria apenas um miserável fragmento. Mas devemos dizer mais: se a ciência no seu conjunto é apenas isto, então é o próprio homem que, com isto, sofre uma redução. Mas as interrogações propriamente humanas, isto é, as do "de onde" e do "para onde", os questionamentos da religião e do ethos, não podem encontrar lugar no espaço da razão comum descrita pela "ciência" entendida deste modo e devem ser deslocados no âmbito do subjectivo. O sujeito decide, com base nas suas experiências, o que lhe parece religiosamente sustentável, e a "consciência" subjectiva torna-se portanto a única exigência ética.
Mas, desta forma o ethos e a religião perdem a força de criar uma comunidade e terminam no âmbito da discricionalidade pessoal. Esta é uma condição perigosa para a humanidade: verificamos isto nas patologias ameaçadoras da religião e da razão, patologias que necessariamente devem manifestar-se, quando a razão é limitada a tal ponto que as questões da religião e do ethos já não lhe dizem respeito. O que permanece das tentativas de construir uma ética partindo das regras da evolução ou da psicologia e da sociologia, é simplesmente insuficiente.
Antes de chegar às conclusões que todo este raciocínio tem por finalidade, devo mencionar ainda em breve a terceira onda de deselenização que se difunde actualmente. Em consideração do encontro com a multiplicidade das culturas hoje há quem goste de dizer que a síntese com o helenismo, realizada na Igreja antiga, teria sido uma primeira inculturação, que não deveria vincular as outras culturas. Isto deveria ter o direito de retroceder até ao ponto que precedia aquela inculturação para descobrir a simples mensagem do Novo Testamento e inculturá-la depois novamente nos seus respectivos ambientes.
Esta tese não é simplesmente errada; contudo é grosseira e imprecisa. De facto, o Novo Testamento foi escrito em grego e tem em si o contacto com o espírito grego, um contacto que se tinha maturado no desenvolvimento precedente do Antigo Testamento. Sem dúvida existem elementos no processo formativo da Igreja antiga que não devem ser integrados em todas as culturas. Mas as decisões de fundo que, precisamente, se referem ao relacionamento da fé com a investigação da razão humana, estas decisões de fundo pertencem à própria fé e são os seus desenvolvimentos, conformes com a sua natureza.
Com isto chego à conclusão. Esta tentativa, feita apenas em linhas gerais, de crítica da razão moderna a partir do seu interior, não inclui absolutamente a opinião de que agora se deva voltar atrás, à época anterior ao iluminismo, rejeitando as convicções da era moderna. Aquilo que no desenvolvimento moderno do espírito é válido, é reconhecido sem hesitações: todos estamos gratos pelas grandiosas possibilidades que ele abriu ao homem e pelos progressos no campo humano que nos foram proporcionados. O ethos da cientificidade, afinal, é como Vossa Magnificência mencionou, vontade de obediência à verdade e, por conseguinte, expressão de uma atitude que faz parte das decisões fundamentais do espírito cristão.
Por conseguinte, a intenção não é retracção, nem crítica negativa; ao contrário, trata-se de um alargamento do nosso conceito de razão e do seu uso. Porque com toda a alegria diante das possibilidades do homem, vemos também as ameaças que sobressaem destas possibilidades e devemos perguntar-nos como podemos dominá-las. Só o conseguiremos se razão e fé estiverem unidas de uma nova forma; se superarmos a limitação autodecretada da razão ao que é verificável na experiência, e lhe abrirmos de novo toda a sua vastidão. Neste sentido, a teologia, não só como disciplina histórica e humano-científica, mas como verdadeira teologia, ou seja, como interrogação sobre a razão da fé, deve ter o seu lugar na universidade e no amplo diálogo das ciências.
Só assim nos tornamos também capazes de um verdadeiro diálogo das culturas e das religiões um diálogo do qual temos urgente necessidade. No mundo ocidental domina amplamente a opinião de que só a razão positivista e as formas de filosofia dela derivantes sejam universais. Mas as culturas profundamente religiosas do mundo vêem precisamente nesta exclusão do divino da universalidade da razão um ataque às suas convicções mais íntimas. Uma razão, que diante do divino é surda e rejeita a religião do âmbito das subculturas, é incapaz de se inserir no diálogo das culturas.
Contudo, a razão moderna típica das ciências naturais, com o seu elemento platónico intrínseco, tem em si, como procurei demonstrar, uma pergunta que a transcende juntamente com as suas possibilidades metódicas. Ela mesma deve simplesmente aceitar a estrutura racional da matéria e a correspondência entre o nosso espírito e as estruturas racionais actuantes na natureza como um dado de facto, sobre o qual se baseia o seu percurso metódico. Mas a pergunta acerca do porque deste dado de facto existe e deve ser confiada pelas ciências naturais a outros níveis e modos do pensar à filosofia e à teologia.
Para a filosofia e, de maneira diferente, para a teologia, ouvir as grandes experiências e convicções das tradições religiosas da humanidade, especialmente a da fé crista, constitui uma fonte de conhecimento; recusar-se significaria uma limitação inaceitável do nosso ouvir e responder.
Vêm-me à mente a este ponto uma palavra de Sócrates a Fédon. Nos diálogos precedentes tinham sido tratadas muitas opiniões filosóficas erradas, e então Sócrates diz: "Seria muito compreensível se alguém, devido à irritação por tantas coisas erradas, para o resto da sua vida desprezasse qualquer discurso sobre o ser ou o denegrisse. Mas desta forma perderia a verdade do ser e sofreria um grande dano".
O ocidente, desde há muito tempo, está ameaçado por esta repulsa contra os questionamentos fundamentais da sua razão, e assim poderia sofrer unicamente um grande dano. A coragem de se abrir à vastidão da razão, não a rejeição da sua grandeza este é o programa com que uma teologia comprometida na reflexão sobre a fé bíblica, entra no debate do tempo presente. "Não agir segundo razão, não agir com o logos, é contrário à natureza de Deus", disse Manuel II, partindo da sua imagem cristã de Deus, ao interlocutor persa. Para este grande logos, para esta vastidão da razão, convidamos os nossos interlocutores no diálogo das culturas. Encontrá-la nós próprios sempre de novo, é a grande tarefa da universidade.

(negritos acrescentados)

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quarta-feira, setembro 20, 2006

Alvoroço hipócrita

O terrorismo do alvoroço hipócrita

por Vasco Graça Moura
Escritor

Quem se tenha dado ao trabalho de ler o texto da intervenção do Papa Bento XVI na Universidade de Ratisbona, sabe que as suas palavras, no tocante ao ponto que recentemente se tornou tão controverso, foram as seguintes: "(...) o imperador [Manuel II, abordando o tema da jihad], com uma rudeza bem surpreendente e que nos espanta, dirige-se ao seu interlocutor [persa] simplesmente com a questão central sobre a relação entre religião e violência em geral, dizendo: 'Mostra-me pois o que Maomé trouxe de novo e somente encontrarás coisas más e desumanas, como o seu mandato de difundir pela espada a fé que ele pregava'. O imperador, depois de se ter pronunciado de maneira tão pouco amena (...)."

Das passagens que pus em itálico, vê-se que não houve, da parte do Papa, qualquer imprudência, leviandade, inconsideração ou intuito ofensivo fosse do que fosse ou fosse de quem fosse. O seu comentário incluía a crítica das próprias expressões utlizadas pelo Basileus. Estava a abordar as relações entre a fé e a razão e, na parte final da sua intervenção, disse também, e volto a pôr em itálico a parte que interessa, "para a filosofia e, de maneira diferente, para a teologia, a escuta das grandes experiências e convicções das tradições religiosas da humanidade, em particular a da fé cristã, constitui uma fonte de conhecimento". O que mostra bem, e o contexto de toda a conferência reforça-o, que o pensamento pontifício vai além da expressão de um simples respeito de circunstância por outras religiões que não a sua.

Como se explica então o vendaval de indignação gerado no mundo muçulmano pelas palavras do Papa? Da parte dos radicais, explica-se por isso mesmo: é mais uma modalidade de manipulação terrorista, posta em prática para exacerbar os ânimos. Da parte do sector moderado, que também reagiu negativamente, só pode explicar-se, ou por desconhecimento daquilo que foi realmente dito por Bento XVI, ou por medo das consequências da posição dos fanáticos radicais. Lionel Jospin acaba de sintetizar modelarmente a questão, ao dizer "paradoxal que uma parte daqueles que exigem desculpas são os mesmos que, por outro lado, ameaçam e acham legítimo utilizar o islão em nome da violência".

No contexto actual, de fundamentalismos, fanatismos e terrorismos todos eles de sinal muito próximo da Al-Qaeda, o Papa fez muito bem em abordar a questão da violência nos termos em que a pôs. E foi, até, um eufemismo da sua parte recorrer a um remoto imperador de Bizâncio. Quanto à violência islâmica podia ter citado o Corão (transcrevo de um artigo de Antoine Sfeir, no Figaro de 19-9-2006): "Ó crentes, não tomeis por amigos os judeus e os cristãos. São amigos uns dos outros. Aquele que os tomar como amigos acabará por se lhes assemelhar e Deus não será o guia dos perversos" (V-56). Ou ainda: "Combatei-os até não terdes de recear a tentação e que todo o culto seja o do Deus único. Se eles puserem termos às suas acções, não haja mais hostilidades. As hostilidades somente serão dirigidas contra os ímpios" (II, 19).

O Papa podia também ter invocado a História. Decorreram apenas 79 anos entre a morte de Maomé e a chegada dos Árabes à Península Ibérica (711), após terem tomado conta de praticamente todo o Médio Oriente e toda a bacia do Mediterrâneo, mas decorreu mais de um milénio entre a morte de Cristo e a Primeira Cruzada (1096-1099), o que indicia imediatamente a resposta à questão de saber qual das duas religiões, na origem, tinha vocação mais expansionista e guerreira.

E o Papa podia ainda sem dúvida ter referido expressamente todas as barbaridades que, nos últimos anos, andam a ser ditas e praticadas pelo terrorismo de sinal islâmico, em nome de Alá, por esse mundo fora.

Não fez nada disso. Abordou a questão em termos extremamente sérios e sóbrios, perante um auditório universitário.

Imagine-se agora que, por uma razão de simetria, um mufti qualquer, numa universidade muçulmana qualquer, se punha a censurar violentamente as Cruzadas, ou a falar dos crimes da Inquisição imputando-os à Igreja Católica, dizendo as últimas do sinistro tribunal e da religião que o suportava, e que os católicos, por causa disso, desatavam a apedrejar as mesquitas, a ameaçar de morte os muçulmanos e a exigir a apresentação imediata de desculpas...

O terrorismo islâmico engendra cada dia novas formas de manipulação das massas. Primeiro, foram as caricaturas. Agora, é este novo alvoroço hipócrita.


In Diário de Notícias, 20 de Setembro de 2006

segunda-feira, setembro 18, 2006

La «quaestio de veritate», il cristianesimo e le altre religioni

I discorsi di Benedetto XVI in Baviera

Card. RENATO RAFFAELE MARTINO - Presidente del Pontificio Consigliodella Giustizia e della PacePresidente del Pontificio Consigliodella Pastoraleper i Migranti e gli Itineranti

Molti degli interventi del Santo Padre Benedetto XVI durante il suo viaggio in Baviera dal 9 al 14 settembre scorsi sono stati dedicati alla verità, a partire da una domanda più volte presente nei discorsi e nelle omelie del Pontefice: il cristianesimo può risultare ancora ragionevole agli occhi dell'uomo di oggi? La fede "è una cosa ragionevole?" si è chiesto all'omelia all'Islinger Feld la mattina del 12 settembre. Infatti l'Occidente sembra avere una "debolezza d'udito" e quello che si dice di Dio "sembra pre-scientifico, non più adatto al nostro tempo", ha detto alla spianata della Neue Messe a Monaco durante la messa di domenica 10 settembre. Secondo Benedetto XVI chiarire il rapporto del cristianesimo con la verità, e quindi con la ragione, è importante prima di tutto per poter evangelizzare di nuovo l'Occidente - l'Europa soprattutto -, ma è altrettanto importante per il rapporto con tutte le religioni in una relazione di dialogo, di reciproco rispetto e di tolleranza. I due aspetti vanno affrontati separatamente, anche se sono collegati tra di loro. Il Cristianesimo comporta la fede nella Ragione Creatrice e non nell'Irrazionale. All'Islinger Feld il Santo Padre si è fatto una domanda - "Che cosa esiste all'origine?" - e ha indicato le due possibili risposte: "La Ragione creatrice, lo Spirito Creatore che opera tutto e suscita lo sviluppo, o l'Irrazionalità che, priva di ogni ragione, stranamente produce un cosmo ordinato in modo matematico e anche l'uomo, la sua ragione". Questa seconda risposta è però illogica, in quanto la nostra ragione sarebbe solo il frutto casuale dell'evoluzione e, quindi, frutto di un processo irrazionale. La fede cristiana, conclude Benedetto XVI, crede "che all'origine c'è il Verbo eterno, la Ragione e non l'Irrazionale". Lo stesso concetto viene ribadito nella Lectio magistralis all'Università di Regensburg, una lezione universitaria ricca, complessa e rivolta a persone colte, da cui non si deve estrapolare e decontestualizzare qualche frase, pena l'incomprensibilità di tutto il discorso. "Non agire secondo ragione è contrario alla natura di Dio": questa affermazione del Santo Padre ha come polo polemico l'autoriduzione della ragione occidentale. Il cristianesimo non risulta più razionale agli occhi dell'uomo occidentale, perché costui ha elaborato una ragione riduttiva, positivistica, che considera vero solo ciò che è matematico e sperimentale. Nel Discorso agli uomini di scienza all'Università di Regensburg, il Papa ha descritto questo tipo di razionalità e ne ha denunciato i limiti. Se oggi, in Occidente "soltanto il tipo di certezza derivante dalla sinergia di matematica ed empirica ci permette di parlare di scientificità", allora si comprende dove nasce la "debolezza di udito" nei confronti della chiamata di Dio. La ragione positivistica occidentale circoscrive in modo drastico il nostro rapporto con la realtà ed è incapace di aprirsi alla razionalità della fede, che implica uno slancio metafisico. Nell'Aula Magna dell'Università di Regensburg, infatti, il Papa ha detto che c'è bisogno di "un allargamento del nostro concetto di ragione". Questo è di fondamentale importanza anche per il dialogo con le religioni, perché la ragione positivista e le forme di filosofia da essa derivanti presumono di essere universali e, quindi, di imporsi, mediante lo sviluppo tecnico, su tutta la terra. Così facendo, però, impediscono il vero dialogo tra le culture e tra le religioni. Ne nasce "un cinismo che considera il dileggio del sacro un diritto della libertà ed eleva l'utilità a supremo criterio per i futuri successi della ricerca"; così si è espresso il Papa alla Neue Messe di Monaco il 10 settembre. Criticando il "dileggio del sacro" il Santo Padre non si riferisce solo al dileggio del cristianesimo, ma di ogni religione. "La tolleranza di cui abbiamo urgente bisogno - aveva continuato Benedetto XVI in quell'occasione - comprende il timor di Dio, il rispetto di ciò che per l'altro è cosa sacra". In questo modo, Benedetto XVI critica l'arroganza di una ragione occidentale ridotta a tecnica e ribadisce la tolleranza e il dialogo fondati sul rispetto reciproco tra le religioni. Infatti, anche all'Università di Regensburg, il Santo Padre ha detto che "le culture profondamente religiose del mondo vedono proprio in questa esclusione del divino [esclusione provocata dalla ragione positivista] dall'universalità della ragione un attacco alle loro convinzioni più intime. Una ragione, che di fronte al divino è sorda e respinge la religione nell'ambito delle sottoculture, è incapace di inserirsi nel dialogo delle culture". A Monaco, il 10 settembre, il Papa aveva espresso lo stesso concetto: "Le popolazioni dell'Asia e dell'Africa ammirano, sì, le prestazioni tecniche dell'Occidente e la nostra scienza, ma si spaventano di fronte ad un tipo di ragione che esclude totalmente Dio dalla visione dell'uomo". E concludeva: "La vera minaccia per la loro identità non la vedono nella fede cristiana, ma invece nel disprezzo di Dio". Nessuna religione ha niente da temere dalla Religione cattolica e dal suo Papa, perché il nemico vero di tutte, il più insidioso e subdolo, è il paradigma etico-culturale di una ragione senza Dio, che, pur affascinando per i suoi successi scientifici e tecnici, minaccia - favorita in questo dagli attuali processi di globalizzazione -, con quel suo proporsi a partire dall'etsi Deus non daretur, il patrimonio religioso di tutta l'umanità. Questo paradigma va affrontato senza coltivare pensieri o progetti di inimicizia e violenza, con serena e consapevole pacatezza e con gli argomenti persuasivi di una ragione che trova la verità del suo esprimersi nel rapporto con la fede in Dio. Nessuna religione ha quindi niente da temere dalla Religione cattolica e dai suoi aderenti, che, fedeli all'Amore Trinitario, quotidianamente si dedicano alla preghiera, alla coltivazione della speranza per sé e per gli uomini e le donne del nostro tempo, che vivono un amore incondizionato con innumerevoli opere di carità a favore della sterminata umanità segnata dall'ingiustizia sociale, dalla povertà e dalla mancanza di dignità, che amano e coltivano l'incontro e il dialogo e l'amicizia con i credenti delle altre religioni e con tutti gli uomini e le donne di buona volontà. Non sempre questa loro testimonianza di amore a Dio e al prossimo è accettata e accolta: tutti possono facilmente constatare che molti cristiani, in maniera crescente e in diverse parti del mondo, sono, al giorno d'oggi, osteggiati e perseguitati fino al martirio, felici però di farsi uccidere piuttosto che rinunciare a Dio e al Suo amore. Con il discorso all'Università di Regensburg, tutto centrato sul rapporto tra la fede e la ragione per come si è sviluppato nel contesto storico della cultura moderna dell'Occidente, il Santo Padre non si è quindi solo fatto difensore delle buone ragioni del cristianesimo, ma, di fatto, anche di quelle di tutte le religioni e del patrimonio religioso più autentico dell'umanità. Se, sotto la pressione mass-mediale e orchestrate strumentalizzazioni politiche e ideologiche che hanno fornito interpretazioni fuorvianti del discorso di Benedetto XVI all'Università di Regensburg, qualche credente di altra religione si è sentito offeso, a questi va offerta la piena assicurazione che le intenzioni e la volontà del Papa erano e rimangono inspirate dai sentimenti del rispetto e dell'amicizia cristiani per tutti i sinceri fedeli delle altre religioni. Aver ribadito, da parte del Santo Padre, il rapporto tra il cristianesimo e la verità, quindi, non chiude ma apre un dialogo più profondo con le altre religioni perché riprendendo qui un brano di un libro scritto dall'attuale pontefice quando era cardinale "Quando la verità fa dono di sé, siamo tutti fuori dalle alienazioni, da quello che separa: subentra un criterio comune che non fa violenza ad alcuna cultura, ma porta ciascuna al suo proprio cuore, perché ognuna, in ultima istanza, è attesa della verità" (1. Ratzinger, Fede Verità Tolleranza. Il cristianesimo e le altre religioni, Cantagalli, Siena 2003, p. 69).

(©L'Osservatore Romano - 17 Settembre 2006)

sexta-feira, setembro 08, 2006

Arame de tropeço

por Manuel Alves

Respondendo à aprovação da resolução 1701 do Conselho de Segurança da ONU, de 11 de Agosto, o Ministro da Defesa Nacional, Severiano Teixeira, afirmou que o Estado português vai enviar soldados para o Líbano por “uma questão de segurança internacional e por uma questão de interesse nacional”(1).

Perscrutando o que é que o Ministro entende por “interesse nacional”, retira-se das suas parcas palavras que “enquanto membro da União Europeia, Portugal não pode ficar alheado do esforço que esta está a fazer para desempenhar, naquela zona, um papel mais relevante e tornar-se num actor internacional de maior importância.”(2) Para o nosso governo, ao menos para o Ministro da Defesa, o interesse nacional parece estar subordinado ao interesse da União Europeia, em especial ao interesse que é definido por uma minoria dos seus Estados. No entanto, e talvez para que a imagem de seguidismo em relação a alguns grandes da Europa não nos ficasse na retina, o Primeiro-ministro veio afirmar que os militares portugueses vão para o Líbano, porque “a Europa tem de ter uma relação privilegiada com os Estados Unidos. E o Líbano pode ser uma oportunidade de corrigir erros anteriores” (3).

São muito fracas, e algo contraditórias, estas justificações apresentadas para a participação de Portugal numa missão militar de tão alto risco… Mas será que os EUA vão reenviar tropas para o Líbano? É claro que não, e, até ao momento, apenas uma meia dúzia de Estados europeus – Itália, França, Bélgica, Espanha, Finlândia, e Polónia – se dispuseram a colocar tropas em solo libanês. Os quatro restantes – Alemanha, Reino Unido, Grécia e Dinamarca – propõem-se defender o referido “interesse europeu”, avistando as praias do Líbano a bordo dos seus meios aéreos e navais.

Dir-se-á que o que conta é a intenção. Todavia, e sem pôr em dúvida a necessidade de reforçar o contingente da missão militar das Nações Unidas no Líbano (UNIFIL), a missão que agora lhe é atribuída – tal como aparece definida na resolução 1701 – carece na verdade de uma clara e coerente finalidade estratégica.

Em primeiro lugar, porque mantém no Governo do Líbano a responsabilidade pelo desarmamento do HizbAllah. A resolução 1559, de Setembro de 2004, também o impunha, mas suscitou interpretações dúbias da parte do Governo libanês. O resultado está à vista de todos. De acordo com o texto da nova resolução 1701, caberá ao Governo libanês solicitar à UNIFIL a colaboração no desarme das milícias. Manter tal situação, enquanto o HizbAllah continuar integrado no Governo, é um sinal claro de que se está a protelar uma solução para o conflito.

Em segundo lugar, porque à UNIFIL continuará interdito o controlo da fronteira sírio-libanesa, não podendo por isso evitar o reabastecimento das milícias do HizbAllah.

Em suma, a UNIFIL, ainda que reforçada, pouco mais será do que uma força de protecção do HizbAllah, braço armado do Irão no Líbano. Não possuindo a UNIFIL um mandato capaz de lhe permitir tocar na causa do conflito, este tem não só condições para perdurar, como para se agravar. Sem o completo desarmamento das milícias, tanto os dirigentes do HizbAllah podem decidir voltar a atacar Israel, como Israel pode encontrar justificação para uma acção preventiva.

Vinte e oito anos depois de lançada, a UNIFIL vai continuar a ser uma força inadequada e no local inapropriado. Reforçar o seu contingente nas condições definidas pela resolução 1701, pode servir aos propósitos do Irão e de seus aliados, permitindo-lhes reorganizar o seu dispositivo militar, pode servir mesmo provisoriamente os interesses de Israel, ofuscando o seu recente desaire militar, mas continua a não servir a paz e a segurança do Líbano. E, por isso, não serve também uma União Europeia que pretende ser actor internacional de primeira grandeza. Com os militares enviados pelos Estados europeus, a União Europeia passará doravante a jogar ali, em condições de extrema vulnerabilidade, além da sua segurança, o seu prestígio e a vida dos seus militares.

Não se põe em dúvida a necessidade do reforço da força multinacional no Líbano. Do que aqui se dúvida é do mandato e da composição da força, definidas pela vontade dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança.

Entendemos que, dado o alto risco da missão, às forças da UNIFIL deveriam caber responsabilidades substancialmente diferentes. E não se diga que faltam à ONU recursos jurídicos. O capítulo VII da Carta de São Francisco já foi a base para autorizar a intervenção americana na Coreia, e, mais recentemente, para aprovar a intervenção no Kuwait ou a intervenção da NATO nos Balcãs.

Em resposta à resolução aprovada, a maioria dos Estados da União Europeia optou por uma prudente abstenção. Ao menos enquanto a resolução 1701 não for complementada com outra situando a missão da UNIFIL no âmbito do Capítulo VII da Carta, atribuindo-lhe responsabilidade directa no controlo da fronteira sírio-libanesa e, sobretudo, no desarmamento do HizbAllah, esta era na verdade uma ocasião para o Estado português permanecer ao lado da maioria.

A insensatez tem dominado por completo a classe política nos grandes Estados da União Europeia, como aliás ficou demonstrado no Tratado Constitucional, chumbado pelos cidadãos franceses e holandeses. O Governo português, uma vez mais, quer seguir-lhe as pisadas.

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(1) Envio de tropas portuguesas para o Líbano - Conferência de imprensa do Ministro da Defesa Nacional sobre a decisão de envio de tropas portuguesas para a missão de interposição da ONU no Líbano, tomada no Conselho Superior de Defesa Nacional de 30 de Agosto de 2006. Portal do Governo, 2006-09-05.

(2) Idem.

(3) Expresso, 2 de Setembro de 2006.

quarta-feira, setembro 06, 2006

Sinal dos Tempos

CARTA DO CANADÁ
por Fernanda Leitão

O recente encerramento do jornal O INDEPENDENTE, que nos últimos anos foi corajosamente dirigido por Inês Serra Lopes, antecedido do encerramento de vários outros jornais, de direita e de esquerda, como O DIA e O JORNAL, vem revelar uma pequena parte visível do iceberg que ameaça a imprensa escrita, e não só, para além de deixar a nú a falência de valores entre os que dizem bater-se por causas para, no fim de contas, se baterem por coisas que lhes convêm mais no momento. No entanto, seria excessivo optimismo pensar-se que apenas a imprensa escrita vive em crise. Já deixou de ser um segredo que as televisões travam uma luta de morte para sobreviverem.
Com o advento da internet e dos telemóveis, apareceram em cena os blogs da liberdade (embora não se saiba até quando essa liberdade vai existir) e os noticiários com imagens, ou mesmo filmes e outros programas, que cada qual pode ver no seu minúsculo telemóvel caminhando pela rua ou tomando um café. Este choque tecnológico cativou de imediato os jovens, que se entregam com entusiasmo a estes meios que lhes abrem as portas do mundo por pouco dinheiro. Ou dito de outra maneira: os jornais e a TV viram-se
"roubados" de milhões de pessoas que deixaram de se servir deles. Em termos de vendas e de audiências, isso representa um prejuízo brutal, pelo facto em si e porque tem um reflexo irremediável na publicidade. As coisas pioram quando jornais e TV são de um país em depressão económica, como é actualmente Portugal.
Para ultrapassar este Adamastor, proprietários e profissionais da imprensa escrita e da TV têm de dar provas de uma criatividade apelativa e imbatível, que pode ir ao extremo mercantil de oferecer brindes valiosos aos assinantes. É já o que se passa em Portugal e em vários países. A mezinha vai remediando a situação, mas garantidamente não tem futuro. Outros meios de comunicação social acabarão por fechar as portas em mais ou menos tempo, mesmo aqueles que, por receberem subsídios por debaixo da mesa, se consideram de referência incontornável. Entretanto, profissionais mais jovens e destemidos foram-se lançando nos meandros informáticos, isto é, deram o corpo à curva das novas tecnologias.
Há, no entanto, um factor de fraqueza que não se pode escamotear, sobretudo no caso de jornais com posicionamento político desde o início. Foi o caso de O INDEPENDENTE e de O DIA, conotados com a direita. É esse factor o egoísmo ultrajante dos dirigentes dos partidos que se serviram de jornais para existirem política e socialmente, abandonando-os depois como quem deita fora um lenço de papel. É-lhes indiferente o que sofreram no banco dos réus os directores que deram a cara, as agonias sofridas pelos profissionais que ali serviram e se viram sem trabalho de um dia para o outro. Por estas e por muitas outras é que um dia um colega meu, o jornalista Boavida Portugal, me mandou um cartão dizendo: "Sabe, minha cara senhora, a direita em Portugal é como a massa dos padeiros - só a murro".
De facto, é difícil encontrar uma direita no mundo tão despojada de solidariedade e civismo, de bons sentimentos e boas maneiras. É ver como insultam, difamam e gritam os seus coriféus, quando querem subir. E como se calam, na hora difícil de gerir a normalidade democrática.
É um triste sinal deste nosso tempo mercenário, duro, sem alma nem coração - como está à vista de todos através da comunicação social. Dá para desanimar e desistir. Mas isso queriam "eles". Não se lhes pode fazer a vontade, porque está em causa um país, uma civilização, um ideal. Há que aguentar firme e continuar, mas sem ilusões quanto a políticos, tratando-os todos por igual já que, como se vê, a gamela é comum a todos eles, dum lado e do outro da barricada.
Eu recuso-me a acreditar que seja impossível um Portugal limpo, escorreito, culto, servido por políticos responsáveis. Por isso advogo que sejam os profissionais da comunicação a assumirem corajosamente a depuração do ambiente social no nosso país, começando pelas suas próprias fileiras. Doa a quem doer.