por Manuel Alves
Respondendo à aprovação da resolução 1701 do Conselho de Segurança da ONU, de 11 de Agosto, o Ministro da Defesa Nacional, Severiano Teixeira, afirmou que o Estado português vai enviar soldados para o Líbano por “uma questão de segurança internacional e por uma questão de interesse nacional”(1).
Perscrutando o que é que o Ministro entende por “interesse nacional”, retira-se das suas parcas palavras que “enquanto membro da União Europeia, Portugal não pode ficar alheado do esforço que esta está a fazer para desempenhar, naquela zona, um papel mais relevante e tornar-se num actor internacional de maior importância.”(2) Para o nosso governo, ao menos para o Ministro da Defesa, o interesse nacional parece estar subordinado ao interesse da União Europeia, em especial ao interesse que é definido por uma minoria dos seus Estados. No entanto, e talvez para que a imagem de seguidismo em relação a alguns grandes da Europa não nos ficasse na retina, o Primeiro-ministro veio afirmar que os militares portugueses vão para o Líbano, porque “a Europa tem de ter uma relação privilegiada com os Estados Unidos. E o Líbano pode ser uma oportunidade de corrigir erros anteriores” (3).
São muito fracas, e algo contraditórias, estas justificações apresentadas para a participação de Portugal numa missão militar de tão alto risco… Mas será que os EUA vão reenviar tropas para o Líbano? É claro que não, e, até ao momento, apenas uma meia dúzia de Estados europeus – Itália, França, Bélgica, Espanha, Finlândia, e Polónia – se dispuseram a colocar tropas em solo libanês. Os quatro restantes – Alemanha, Reino Unido, Grécia e Dinamarca – propõem-se defender o referido “interesse europeu”, avistando as praias do Líbano a bordo dos seus meios aéreos e navais.
Dir-se-á que o que conta é a intenção. Todavia, e sem pôr em dúvida a necessidade de reforçar o contingente da missão militar das Nações Unidas no Líbano (UNIFIL), a missão que agora lhe é atribuída – tal como aparece definida na resolução 1701 – carece na verdade de uma clara e coerente finalidade estratégica.
Em primeiro lugar, porque mantém no Governo do Líbano a responsabilidade pelo desarmamento do HizbAllah. A resolução 1559, de Setembro de 2004, também o impunha, mas suscitou interpretações dúbias da parte do Governo libanês. O resultado está à vista de todos. De acordo com o texto da nova resolução 1701, caberá ao Governo libanês solicitar à UNIFIL a colaboração no desarme das milícias. Manter tal situação, enquanto o HizbAllah continuar integrado no Governo, é um sinal claro de que se está a protelar uma solução para o conflito.
Em segundo lugar, porque à UNIFIL continuará interdito o controlo da fronteira sírio-libanesa, não podendo por isso evitar o reabastecimento das milícias do HizbAllah.
Em suma, a UNIFIL, ainda que reforçada, pouco mais será do que uma força de protecção do HizbAllah, braço armado do Irão no Líbano. Não possuindo a UNIFIL um mandato capaz de lhe permitir tocar na causa do conflito, este tem não só condições para perdurar, como para se agravar. Sem o completo desarmamento das milícias, tanto os dirigentes do HizbAllah podem decidir voltar a atacar Israel, como Israel pode encontrar justificação para uma acção preventiva.
Vinte e oito anos depois de lançada, a UNIFIL vai continuar a ser uma força inadequada e no local inapropriado. Reforçar o seu contingente nas condições definidas pela resolução 1701, pode servir aos propósitos do Irão e de seus aliados, permitindo-lhes reorganizar o seu dispositivo militar, pode servir mesmo provisoriamente os interesses de Israel, ofuscando o seu recente desaire militar, mas continua a não servir a paz e a segurança do Líbano. E, por isso, não serve também uma União Europeia que pretende ser actor internacional de primeira grandeza. Com os militares enviados pelos Estados europeus, a União Europeia passará doravante a jogar ali, em condições de extrema vulnerabilidade, além da sua segurança, o seu prestígio e a vida dos seus militares.
Não se põe em dúvida a necessidade do reforço da força multinacional no Líbano. Do que aqui se dúvida é do mandato e da composição da força, definidas pela vontade dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança.
Entendemos que, dado o alto risco da missão, às forças da UNIFIL deveriam caber responsabilidades substancialmente diferentes. E não se diga que faltam à ONU recursos jurídicos. O capítulo VII da Carta de São Francisco já foi a base para autorizar a intervenção americana na Coreia, e, mais recentemente, para aprovar a intervenção no Kuwait ou a intervenção da NATO nos Balcãs.
Em resposta à resolução aprovada, a maioria dos Estados da União Europeia optou por uma prudente abstenção. Ao menos enquanto a resolução 1701 não for complementada com outra situando a missão da UNIFIL no âmbito do Capítulo VII da Carta, atribuindo-lhe responsabilidade directa no controlo da fronteira sírio-libanesa e, sobretudo, no desarmamento do HizbAllah, esta era na verdade uma ocasião para o Estado português permanecer ao lado da maioria.
A insensatez tem dominado por completo a classe política nos grandes Estados da União Europeia, como aliás ficou demonstrado no Tratado Constitucional, chumbado pelos cidadãos franceses e holandeses. O Governo português, uma vez mais, quer seguir-lhe as pisadas.
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(1) Envio de tropas portuguesas para o Líbano - Conferência de imprensa do Ministro da Defesa Nacional sobre a decisão de envio de tropas portuguesas para a missão de interposição da ONU no Líbano, tomada no Conselho Superior de Defesa Nacional de 30 de Agosto de 2006. Portal do Governo, 2006-09-05.
(2) Idem.
(3) Expresso, 2 de Setembro de 2006.
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