sexta-feira, junho 16, 2006

10 de Junho

por Paulo Teixeira Pinto

Hoje é Dia de Portugal.

Hoje não é o dia deste País.

Portugal não é “este País”.

E é hoje, dia 10 de Junho, dia de Portugal, que cumpre homenagear os nossos combatentes. Os que lutaram por Portugal, não por um regime, não por uma ideologia, não por uma estratégia, não por um interesse. Sim, por Portugal.

A maior de todas as homenagens que fazer se possa aos nossos combatentes – em especial por parte de alguém como eu que nunca foi combatente (eu tinha 13 anos e vivia em Angola quando terminou a guerra) –, a maior homenagem, dizia, é reconhecer que se Portugal é o que hoje é, e é uma das mais antigas Nações de todo o mundo, é porque muita gente ao longo de séculos lutou e morreu para que este dia possa continuar a ser assinalado.

Já se disse que um povo sem memória é um povo sem futuro. Poderemos mesmo dizer que seria um povo já sem presente. Mas também sem identidade, porque esta não pode subsistir sem reconhecimento. E este obriga a que o sangue dos que morreram em nome de todos seja causa de honra dos que sobrevivem.

Certo é que a História não regista nenhum caso de um Estado eterno. Mas ao fim de novecentos anos de história, a cada geração cabe assegurar que a próxima não seja a última a poder comemorar o dia de Portugal. De Portugal repito, não da Pátria, da Nação, ou do País.

Mais se impõe também ter presente que numa sociedade democrática, madura, aberta e plural, o que deve ser esperado de todos os cidadãos – porque afinal, os verdadeiros detentores do poder político são eles e não aqueles outros que em cada momento exerçam a titularidade dos órgãos de Estado – é que sejam activos combatentes pelos direitos de cidadania. E que cumpram também os deveres que a mesma impõe. Por isso, neste sentido, combatentes já não são só os militares em cumprimento do seu ofício.

Hoje, dia de Portugal, dia em que homenageamos os nossos combatentes, é bom ter desde já presente que a missão que deles agora se espera já não é fazer a guerra mas estar sempre em prontidão para defender a Paz. E esta deve ser garantida, e activamente promovida, não só no território nacional, mas também em todas as geografias onde os nossos interesses estratégicos, nomeadamente os resultantes de compromissos internacionais – de que é expoente maior a NATO – a isso obriguem.

Hoje, dia de Portugal, dia em que homenageamos os nossos combatentes, é também bom recordar que combatentes são de igual modo aqueles que com os nossos combateram. E sei, porque já o vi e senti, que ninguém mais do que um verdadeiro combatente sabe respeitar o combatente que o defronta. Porque depois do confronto é mais aquilo que os une do que o que os separou.

Homenagear os nossos combatentes é, por conseguinte, celebrar Portugal. Sem ideologias, sem facciosismos, sem antagonismos. Porque Portugal somos todos, mesmo aqueles que sendo portugueses dizem dele não gostar e até aqueles que por Portugal recusariam lutar. Porque Portugal é, enfim, a raiz da nossa filiação comunitária. Porque o dia 10 de Junho é o dia dos Portugueses. Todos.

Celebrar Portugal significa então recordar que somos, de entre todos os Estados soberanos da Europa, aquele que no espaço primeiro encontrou os seus próprios limites de fronteira terrestre. E que espera – isto é, aguarda com esperança – nunca chegar a descobrir no tempo as cérceas que delimitam o fim da sua Idade, porquanto sucede que a soberania portuguesa é, ela mesma, não apenas o selo que certifica a sua independência mas também, e em especial, a sua própria causa de ser. Desta sorte, a soberania nacional, na particular condição de Portugal, é muito mais do que um simples atributo de Estado: é a emanação de uma vontade de Nação. Portugal não é só um Estado soberano. Portugal é um Estado Nacional.


Portugal é uma Nação que, de frente para o mar e de costas para terra, descobriu terra para além do mar. Uma Nação que encontrou o oriente indo para Ocidente. Faltando ao encontro com a sua vocação faltaria ao cumprimento da sua missão.

Portugal é um ancoradouro onde diversas gentes se encontraram como um só povo que se identifica com uma só língua perante a memória de uma história comum e o sonho de um futuro também comum. Portugal foi cantado por Camões como porto de partida para a Ilha dos Amores e para o Reino do Prestes João. Mas descobrir o mundo todo não seria nada se esse mundo fosse só, ao contrário do verso de Pessoa, o mítico nada que é tudo. Não. O lugar português não é o da utopia. É o do mundo inteiro. De nada vale ser finis terrae se não se divisar para além do fim que pode ser pela vista alcançado. Portugal significa universal.

Portugal teve por destino a descoberta e o encontro com outros povos. Para com eles viver e com eles repartir o que nós somos. Nunca fomos menos por sermos também os outros. Mas fomos sempre mais quando demos mais. Quanto mais formos outros mais os outros serão também portugueses. A Portugalidade só se realiza com os outros e nunca contra ninguém. E é por isso mesmo que Portugal tem de significar o maior contrário de racismo ou xenofobia. A dimensão de um povo não é mensurável pelo número de coisas de que é senhor mas pela intenção e pela intensidade do que seja capaz de dar aos outros povos. Posto isto, tal como há portugueses em todas as dobras do mundo, é bom que os que cá permanecem saibam ser solidários com o sacrifício dos que partiram, acolhendo com a mesma dignidade aqueles outros que vindos do mesmo mundo escolheram cá viver connosco.


Portugal é um Estado e é uma Nação. Mas é também uma Mátria. Terra Mãe de demandas sem fim para no fim voltar ao princípio de outra procura infinita. Porque só o infinito é o tempo e o espaço onde cabe a universalidade. Lugar e momento daqueles que nos outros procuram o encontro consigo mesmos. Fizemo-nos assim. Sobrevivemos assim. Seremos ainda assim enquanto a nossa vontade nos permitir continuar assim. Até que sim. Porque o nosso fado não se chama destino mas liberdade. E então a nossa saudade não será do passado mas clamará pelo futuro. Que só é possível porque houve gente, de gerações e gerações, que combateu para nos permitir estar hoje aqui a falar de esperança no futuro.

Obrigado Combatentes!

E que viva Portugal!






10 de Junho de 2006


Paulo Teixeira Pinto

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