domingo, maio 08, 2005

A favor de uma Europa com Alma

Um Papa Alemão – A tentativa de impedir o Naufrágio da Europa?

por António da Cunha Duarte Justo

Nada invejável a nova missão que Ratzinger assume na qualidade de papa Bento XVI. Contra ele, os clássicos inimigos no sistemático ataque à religião e em especial à Igreja Católica, e o ressentimento daqueles que ainda identificam os alemães com o nazismo, não esquecendo a crítica construtiva de empenhados no aggiornamento.


A favor de uma Europa com Alma
Numa época em que cada vez mais se propaga a construção duma União Europeia à margem e contra o Cristianismo, Roma talvez queira, com Bento XVI, acordar a Europa para a sua missão e para os valores que lhe deram o ser e a primazia no mundo.

De facto, há uma elite militante anti-cristã / anti-ocidente que cada vez mais ocupa, na Europa, os lugares estratégicos da política, das universidades e dos media. Danificados da Geração de 68, desiludidos marxistas e militantes do racionalismo modernista ditam o discurso público e a subsequente ditadura relativista com a consequente banalização da vida e dos padrões morais nivelados a um plano de base primitivo que deve servir de plataforma social e ética àquela Europa que atingiu os lugares mais altos da ética, da filosofia e da civilização: uma afronta ao pensamento europeu e uma traição aos nossos antepassados. Instalada a censura mediática e do politicamente correcto evitam qualquer discussão séria. O podium das nossas praças públicas é ocupado por intelectuais ou pseudo-intelectuais marxistas e acólitos políticos e religiosos. O que interessa não é o saber mas a opinião. ”Estrangeirados” e desacautelados põem à disposição a civilização ocidental esvaziando-a da sua herança judaico-cristã, alheios a Platão, Aristóteles e à história da filosofia europeia, exterminam a sua identidade refugiando-se em confusão multicultural abandonando o campo ao esoterismo e ao Islão. Querem uma Europa à la France do séc. XVIII, laicista e ateia, sem alma, compatível com o Islão e, quando muito, com uma religião egocentrista: racionalismo e irracionalismo de mãos dadas. Assiste-se à tentativa de instaurar um projecto de União Europeia politeísta esquecendo que o garante da pluralidade cultural e do universalismo foi apenas possível com o monoteísmo, o monoteísmo judaico-cristão. Não chega só a apologia da razão nem só a da religião. No dizer de Ratzinger a política é o reino da razão moral, o reino do presente e não o reino do futuro no que ele tem de transcendente.

Um Papa Alemão nos Estilhaços da Luta Cultural

Na Alemanha, coração da Europa, é evidente o processo da descristianização e a saudade pelos antigos deuses bárbaros em rivalidade com a mundivisão cristã. A defesa do mundo nórdico contra o mundo latino, a defesa do politeísmo contra o monoteísmo, não são apenas práticas de Verdes e duma certa esquerda à la Fischer, Con-Bendit e Schröder, mas de muitos outros que vivem do sistema e da demagogia.

Numa altura em que o espírito da época tudo escraviza, 100 cardeais elegeram um homem que está para todo o mundo na sua missão de unidade e de renovação. As peregrinações espontâneas de pessoas para Roma e o interesse mundial testemunham a saudade dos fiéis por sentido e constituem um desafio ao Papa, à Igreja e um apelo à ciência e à política. Ele, além de defender a fé, terá que convencer, o que não é fácil num tempo em que a sensualidade se quer dogmaticamente impor. Bento XVI, foi mundialmente muito acolhido; na Alemanha, o país de Lutero em que o número de católicos e de protestantes se equivalem, o Papa é mais contestado atendendo à disputa e à luta cultural sempre presente nos media e na sociedade. A exigência de abertura da Igreja no sentido de dar maior relevo ao papel da mulher e à unidade dos cristãos dominam a opinião pública. Por isso Ratzinger era visto como o mestre repressor a nível ecuménico pelo facto de defender a primazia da Igreja Católica e dos seus princípios e de ser contra a ordenação de mulheres e contra o aborto. Facto é que o ecumenismo não pode reduzir a Igreja Católica a uma Igreja Evangélica. Isto iria contra o pluralismo.

Este papa não é nenhum fundamentalista mas sim um intelectual lúcido que se empenha na defesa da paz e da justiça. É natural que 87% dos alemães esperem reformas na Igreja. O movimento católico reformista “Nós somos Igreja” (Wir sind Kirche) afirma que a Igreja “não pode continuar assim fechada aos problemas sociais”.

Ratzinger foi perito no Concílio Vaticano II(1962-1965) e era defensor do programa “Aggiornamento”, da aproximação da Igreja com o mundo moderno. Em Tübingen Joseph Ratzinger partilhava a cátedra em dogmática católica com Hans Küng. Mais tarde, houve desacordo entre os dois e Ratzinger passou, em 1969, para a universidade de Regensburg sendo eleito arcebispo de Munique em 1977 e, em 1981, Prefeito da Congregação da Fé no Vaticano (uma espécie de tribunal constitucional). Seus inimigos, ao confrontarem-se com a sua capacidade intelectual científica, nível de visão e de argumentação, apostrofavam-no de "carro blindado de Deus", de "grande inquisidor", de "rottweiler de Deus". Ratzinger foi sempre céptico relativamente ao iluminismo e consequentes ideias modernistas que conduzem a um liberalismo sem rédeas; foi um crítico forte do carácter marxista da teologia da libertação; a fé católica orienta-se não só pela Bíblia (como nos reformadores) mas também pela tradição da Igreja; sabe que a ordenação de mulheres corresponderia a um maior distanciamento da Igreja Ortodoxa; ele orienta-se mais pelos padres da igreja de espírito platónico como Agostinho e Boaventura do que pelos da linha aristotélica como Tomás de Aquino; quanto à colegialidade Ratzinger era contra um centralismo exagerado de Roma em favor das igrejas locais; quanto à guerra e à paz ele opta pelo pacifismo, visto como programa no seu antecessor Bento XV e na fé do Novo Testamento que não conhece revolucionários mas testemunhas da fé; Ratzinger acentua a primazia de Roma e a celebração de liturgias em comum; quanto à SIDA defende que o melhor meio contra ela é o combate à pobreza e a defesa da fidelidade matrimonial; quanto à infalibilidade defende-a em questões de fé e de moral; na ciência defende a precedência do magistério perante a liberdade da teologia (contra teólogos que em suas cátedras querem falar ex catedra contra quem os colocou na cátedra); purgou o marxismo da teologia da libertação que ao defender o uso do poder militante corria o risco de se tornar uma religião política e militante tal como é o caso da religião muçulmana na sua essência.

Muitos esperam que o cardeal Ratzinger ao passar da missão de defensor da fé para Papa inicie um processo de mudança.

A maior parte das pessoas forma o seu juízo de valor na base das letras gordas dos jornais. Por outro lado os comentadores vivem do comentário e não transmitem, geralmente, o pensamento autêntico, atendendo também ao público-alvo que querem atingir e à complexidade de uma discussão profunda. Nesse sentido recomendo a leitura do brilhante Ratzinger que como pessoa simples e humilde se expressa muito simples e claramente nos seus livros, sobre os problemas mais actuais: Sal da Terra (Salz der Erde), Deus e o Mundo (Gott und die Welt) (estes dois em forma de entrevista), e Valores em Tempos de Mudança (Werte in Zeiten des Umbruchs), Introdução no Cristianismo (Einführung in das Christentum) são livros indispensáveis para quem quiser avaliar, pensar por si e perceber um pouco da Europa, do cristianismo e da sua filosofia não se limitando apenas ao folclore. Este papa surge na continuação de uma Igreja que deu forma à Europa, no momento em que esta se encontra numa odisseia.

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