Não estive em Viseu, no sábado e no domingo, no Congresso da Causa Real. Não me foi dada assim a oportunidade de confirmar publicamente as minhas crenças políticas na metapolítica do poder real e das Cortes, mas li com muita satisfação as notas que serviram de base à intervenção do homem livre José Adelino Maltez.
De todos os portugueses que nos últimos anos têm feito intervenção pública em prol da Instituição Real, vejo em José Adelino Maltez um dos meus mais próximos irmãos de ideal e de ideário. Em jeito de intróito, no entanto, julgo ser meu dever assinalar algumas diferenças.
Enquanto menino e moço, não me defini como Realista, como aconteceu a Adelino Maltez. Foi pelo estudo da História de Portugal e do Mundo que abracei o ideário Realista dos meus avós. Em idade adulta, tive a felicidade de privar assiduamente com Mário Saraiva e Henrique Barrilaro Ruas, deles recebendo, como é sabido, o pensamento e o exemplo cívico dos mestres do Integralismo Lusitano. Não admira pois que, no campo das identificações históricas, também eu me procure situar na herança de Francisco Velasco de Gouveia e de João Pinto Ribeiro - pelas Actas das Cortes de Lamego positivadas nas Cortes de 1641 – contra todos os absolutismos, pré ou pós-Pombalinos. Isto é, também eu me considero uma «alma republicana» como António Sardinha, um «liberal à antiga» como Alexandre Herculano, bem mais Neo-medievo que Modernista, mas que pode assumir sem problemas o Vintismo, o Setembrismo e a Patuleia. Não posso, porém, e de igual modo, assumir a Carta e o desembarque no Mindelo dos mercenários ingleses pagos pelo empréstimo de Mendizabal. Admito que tenho um fraco (estético) pela bandeira azul e branca, mas defino-me politicamente no ideário da bandeira branca da Restauração.
E foi também por via dos mestres integralistas que bebi a admiração pela sagrada trilogia da Pátria: Nun'Álvares, Infante D. Henrique e Luís de Camões. Não sendo Sebastianófilo, sou também sem dúvida Sebastianista.
Mas isso são águas passadas e julgo que a via de solução para o actual problema português está muito bem colocado nas palavras de Adelino Maltez: a nossa prioridade deve estar na restauração da República. Se não restaurarmos a República, devolvendo-a ao povo e subtraindo-a ao controlo das oligarquias partidárias, não será possível eleger a Dinastia que servirá a continuidade da Pátria.
Não sendo a primeira vez que me refiro a este aspecto fulcral da solução para a crise portuguesa, é pois com muito agrado que verifico não estar afinal a "pregar no deserto". Infelizmente, porém, divergimos ainda quanto à panóplia de métodos a aplicar. Esta é uma divergência importante e que merece ser debatida.
Tal como Adelino Maltez, sou tradicionalista mas, tal com entendo o tradicionalismo, não me situo no campo do conservadorismo, antes no campo da renovação. E é por ser tradicionalista, e como tal, não conservador, que posso, sob certas condições, ser forçado a definir-me como revolucionário. Não em defesa de uma "revolução ao contrário", antes de uma revolução que vivifique a Tradição, levando-nos p'ra diante... Não concebo a Tradição sem a mudança. A Tradição é o que permanece na mudança. Entendo que actuar como um "revolucionário" ou como um "reformista" não depende do tradicionalista, depende da natureza da resistência que o conservadorismo opuser à mudança necessária à vivificação da Tradição.
Tradição é sempre renovação e, em Portugal, esta tem encontrado amiúde obstáculos difíceis de vencer. Tal como Adelino Maltez, também eu estou de mal com o situacionismo. É esse o nosso principal adversário. Entendo, porém, que o situacionismo é, por definição, conservador. Ou não seria situacionismo. Hoje, em Portugal, o obstáculo maior à renovação é na verdade o situacionismo, ou seja, essa interesseira acomodação ao usufruto do poder que domina o grosso do pessoal político das chamadas «esquerdas» e das «direitas» partidárias.
Evitar as revoluções, como preconiza Adelino Maltez, é sem dúvida um preceito do ideário tradicionalista. "Evitar" não deve porém significar virar completamente as costas à possibilidade de uma revolução. A alternativa «Revolução» ou «Reforma» não depende das forças da renovação, depende sim da modalidade de resistência que o situacionismo oferecer. Olhando ao caminho que tem vindo a ser trilhado pelo situacionismo, julgo que não é de afastar a hipótese da Pátria se vir a encontrar, a breve trecho, em manifesto perigo de vida. E, se a Pátria estiver em perigo e a resistência à sua defesa for violenta por parte dos situacionistas, vamos ficar de braços cruzados? É claro que não. E os federalistas europeus e os iberistas devem saber da nossa determinação em lhes dar combate, se necessário pela via revolucionária.
Para proveito de todos, aí ficam as palavras de Adelino Maltez que suscitaram este intróito e estas breves reflexões:
(JMQ)
"Claro que, como tradicionalista, sou contra os reaccionários e, como conservador, sou contra os revolucionários e os contra-revolucionários, seus irmãos-inimigos, os que querem uma revolução ao contrário, mesmo que seja o que dizem ser, ou ter sido, uma revolução nacional...
De mal com certa esquerda por ser monárquico e de mal com certa direita por ser liberal, sou, como sempre fui, por amor de el-rei e da pátria, disposto a restaurar a república, para, em cortes, poder reeleger um rei...
De mal com o situacionismo, por ser do contra, também sou contra as oposições que se iludem com a febre das revoluções, porque sou mesmo contra as revoluções que não sejam revoluções evitadas...
Aliás, sou tão tradicionalista que certos membros da ortodoxia ultramontana, a ala dos ditos catolaicos, me diabolizam como herético, panteísta e relativista.
Confesso ser um homem religioso (Régio dixit) e que não faço parte dos ateus estúpidos e das cliques libertinas (ainda sigo Anderson). Isto é, continuo tão tradicionalista que reinvindica uma tradição mais antiga do que a do ano um...a que não tem o privilégio de uma religião revelada pelos povos ditos do Livro.
Liberal à antiga, assumo o vintismo e o cartismo, desembarcaria no Mindelo, defenderia o setembrismo e entraria na patuleia como histórico, embora prefira o Pacto da Granja com os reformistas...
Continuo disposto a militar no partido do Passos, de Sá da Bandeira, de José Estêvão, de Anselmo e Luís Magalhães. Por outras palavras, mantenho orgulhosamente a fidelidade azul e branca, dos liberdadeiros e da liberdade que, sem ser por acaso, também foi a bandeira da Europa e do projecto de Quinto Império do Padre Vieira...
Menino e moço, me assumi como tal, seguindo o exemplo cívico de um Henrique Barrilaro Ruas, de um Rolão Preto, de um João Camossa, que me ensinaram a detestar o despotismo ministerialista da salazarquia. E com tais exemplos, continuámos contra outros despotismos, mesmo os iluminados pela desculpa da ideologia, sempre em nome de pretensos amanhãs que cantam.
Aliás, salazarquia sempre foi aquilo que um dia disse Almada: "foi substituído Portugal pelo nacionalismo que apenas foi uma maneira de acabar com os partidos..."
E com tipos como o Luís Almeida Braga fui bebendo aquela profunda tradição regeneradora que nos deu o consensualismo anti-absolutista, coisa que em inglês se diz pluralismo e guildismo e que é o cimento fundamental das revoluções evitadas daquela revolução atlântica que nos deu o presente demoliberalismo...
E comungando no estoicismo de Herculano, era capaz de voltar a subscrever o Manifesto de Dezembro de 1820, da autoria de D. Francisco, o futuro Cardeal Saraiva, seguidor de Cádiz e Martínez Marina, dessa bela aliança peninsular contra o usurpador, como praticámos na Restauração de 1808...
Procuro retomar as teses expressas no Código de Direito Público de António Ribeiro dos Santos, seguido por Palmela, por Silvestre Pinheiro Ferreira e pelas tentativas constitucionais históricas e cartistas do governo de D. João VI...
Assumo a herança de Francisco Velasco Gouveia e de João Pinto Ribeiro e detesto as tentativas absolutistas de Pascoal e de Penalva. Prefiro as chamadas Alegações de Direito de 1579, em favor Dona Catarina e, naturalmente, prefiro a síntese das Actas das Cortes de Lamego, positivadas pelas Cortes de 1641
Porque na base está a Constituição política das Cortes de Coimbra de 1385, expressas por João das Regras e desenvolvidas pelas teorias da Casa de Aviz, principalmente na Virtuosa Benfeitoria do Infante Dom Pedro, duque de Coimbra
Claro que me entusiasmam os exemplos cívicos de Sá da Bandeira contra os devoristas e os esclavagistas, ou Herculano, pela regeneração e pela descentralização, contra os cabrais. E iria para a Patuleia não deixando morrer em vão Luís da Silva Mousinho de Albuquerque...
Tal como resistiria por D. Manuel II, como Paiva Couceiro, o mesmo que foi um dos primeiros desterrados por Salazar, por denunciar a estúpida política do Acto Colonial, no que se irmanou com Norton de Matos...
Até estaria com Rolão Preto, Almeida Braga e Vieira de Almeida ao lado de Delgado, como estive com Barrilaro, Gonçalo, Camossa e Rolão Preto, em defesa da democracia de Abril...
Mas não esqueceria a armilar mesmo depois da descolonização, como tem feito o duque de Bragança, até por Timor, na senda das perspectivas de um Luís Filipe Reis Tomás...
A fé na bandeira azul e branca, sem recusa da que é hoje o símbolo nacional e daquela armilar que esteve na base simbólica do Reino Unido de 1816, nessa herança de D. João II, da esfera, da espera, da esperança, para que o abraço armilar possa semear futuro...
Daí não poder ser anti-republicano, porque sou, além de republicano, monárquico, querendo como o título de um livro dos finais do século XV, de Diogo Lopes Rebeleo: "De Republica Gubernanda per Regem"...
Importa restaurar a república para que se refaça a comunidade política, esse concelho em ponto grande, como disse o Infante Dom Pedro, onde o príncipe deve aliar-se à comunidade da sua terra, para que a política possa regenerar-se em coisa pública, com bem comum e saudades de futuro...
O caminho da restauração da república pode reforçar-se com a eleição do rei por consenso nacional, nomeadamente como bandeira contra a desertificação do país das realidades contra o país nominal (Herculano dixit), até para podermos voltar ao mar-oceano com os pés na terra, contra o centralismo capitaleiro de Pombal, Fontes, Afonso Costa, Salazar, Soares e Cavaco Silva...
http://tempoquepassa.blogspot.com/2010/06/discurso-faccioso-e-tribal-proferido.html