segunda-feira, junho 14, 2010

As palavras

por Fernanda Leitão

Podermos articular palavras e podermos rir, eis um dom de Deus que nos distingue de todos os animais da criação. Mas porque fomos criados para ser livres, a nossa responsabilidade em relação às palavras e ao riso é enorme. É que mal usados, ambos podem ser armas e até mortais. Com as palavras, através dos séculos, se fizeram guerras e se promoveu a paz, se ergueram  e destruíram impérios, se endeusaram e assassinaram a reputação de pessoas.  Com o riso se salvaram horas negras e se envenenaram vidas.
Todo o cuidado com as palavras é pouco, porque as palavras têm esquinas.
Devia ter tido mais cuidado com as palavras o Presidente da República, no seu discurso do 10 de Junho. Afirmar categoricamente – com o mesmo ar impositivo com que em tempos declarou nunca se enganar nem ter dúvidas – que o nosso país está numa situação “insustentável”, talvez seja um argumento correntio na demagogia partidária quando há eleições à vista, mas é um mau serviço prestado a Portugal. É um convite aos credores internacionais, aos malfadados agentes da finança internacional, à cruel imprensa internacional, para que se teçam ainda mais obstáculos, intrigas  e desconfianças contra a nossa pátria.  Provavelmente Cavaco Silva não utilizou a palavra com má fé, mas fê-lo seguramente por ignorar o peso negativo dessa palavra.  Oscar Wilde dizia que “os economistas sabem o preço de tudo e não sabem o valor de nada”.  É bem capaz de ter razão.

Este incidente infeliz vem juntar-se a outros que, somados, fazem deste primeiro mandato de Cavaco Silva um período lastimável e sem valia para a nação. Desde a gritante cobertura  a Dias Loureiro, que em qualquer país civilizado teria sido afastado imediatamente do Conselho de Estado, até à nauseante intriga das escutas, passando pelo funesto entendimento com Manuela Ferreira Leite, e ainda pela humilhação feita a Portugal na sua visita de estado à República Checa, Cavaco Silva tem vindo a demonstrar não estar preparado para o cargo que ocupa.  A cereja em cima do gelatinoso bolo presidencial foi a sua solicitude subserviente perante o Papa Bento XVI logo seguida de não ter vetado a lei do casamento de pessoas do mesmo sexo, como lhe competia enquanto católico, mas que pelos vistos pouco convinha ao seu militantismo partidário e aos seus interesses eleitorais.  Pessoalmente, eu sou a favor da união de facto, oficialmente registada e com todos os direitos inerentes, com todo o respeito inerente, para pessoas do mesmo sexo que queiram juntar as suas vidas. Penso que foi uma má ideia a utilização de uma instituição milenar e que não respeitar essa regra trará grandes problemas em Portugal. No entanto, eu vivo num país que legislou o casamento de pessoas do mesmo sexo há 10 anos ou mais,  contra o parecer da Igreja Católica, de algumas confissões cristãs e dos muçulmanos, e tudo isto se passou, e passa,  sem barulho, sem insultos, sem exibições de mau gosto. Sabemos que uma minoria do país utiliza essa facilidade legal, mas não há sobressaltos, cada um dá à sua vida o rumo que entende e responde por isso.  É outra educação. É outra cultura. Mas a verdade é que os políticos que tomaram essa decisão não se andaram a exibir publicamente ao lado da  hierarquia da Igreja, isto é, não enganaram ninguém.  Cavaco Silva, mal comparado, foi como aqueles cavalos altivos e emproados que, nas competições, cavalga bem mas, quando chegam ao obstáculo, borregam.
            É a República. C´est la vie.

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